“Se o ser humano não se preocupar
com aquilo que está distante,
ele encontrará tristeza muito próximo de si.” (Confúcio)
A Guiana Essequiba, ‘Território Esequibo’, ou como os venezuelanos a apelidaram - ‘Zona en Reclamación’ (Zona em Disputa), é a região do Planalto das Guianas, compreendida entre o rio Cuyuni e o rio Essequibo (159.500 km²), representando aproximadamente 66% do território da República Cooperativa da Guiana considerada pela Venezuela como parte integrante de seu território e cuja soberania reclama a nível internacional, através do acordo de Genebra de 17 de fevereiro de 1966.
HISTÓRICO
Em 1620, os holandeses construíram numa ilha denominada Essequibo, o Forte Kijkoveral, que seria o centro da administração da Companhia das Índias Ocidentais. Em 1648, o Rei da Espanha através do Tratado de Munster reconheceu as colônias da Companhia ao longo da costa Sul-Americana.
Os conflitos Europeus, sobremaneira as Guerras Napoleônicas, fizeram com que as colônias da Guiana ficassem sucessivamente sob controle britânico e francês; após a derrota de Napoleão, porém, a Holanda retomou o controle de suas colônias americanas.
No início do século XIX, os agricultores ingleses enfrentaram grandes prejuízos econômicos e, em função desses, muitos tiveram de hipotecar seus bens aos agentes financeiros holandeses. O movimento para que a colônia se tornasse uma possessão inglesa tomou corpo, e foi efetivado formalmente em 1814, com a assinatura do Tratado de Londres.
Sob controle britânico, as colônias foram unidas como Colônia da Guiana Britânica em 1831. A Venezuela, nesse período, tornara-se República, separando-se da Colômbia e o Brasil tornou-se independente de Portugal. A partir destas mudanças políticas, novas diretrizes administrativas foram criadas, especialmente na Guiana Britânica, que iniciou uma determinada exploração e ocupação das regiões do interior, demandando o reconhecimento de suas fronteiras. Neste contexto, aparece a figura de Schomburgk, dando início à contenda entre Espanhóis e a Guiana Britânica.
LINHAS DE SCHOMBURGK
Robert Schomburgk foi contratado para definir as fronteiras da Guiana Britânica e, para tal, chegou à região em 1835. Como resultado de suas expedições, elaborou um mapa da Guiana e formalizou a proposta britânica que serviu de base para as negociações a respeito das linhas de fronteira entre Guiana, Venezuela, Brasil e Suriname. Os especialistas venezuelanos e brasileiros criticaram com veemência a maneira como essa questão foi decidida.
Schomburgk propôs como fronteira com a Venezuela a linha que sai de Amacuro até a boca do Cuyuni, seguindo o divisório de águas do Cuyuni e do Mazaruni até o Roraima, e dali descendo o Cotingo, Surumu e Tacutu. Esta linha ficou conhecida como a Linha Schomburgk.
ACORDO DE GENEBRA
No princípio da década de 60, com o governo do People’s Progressive Party (PPP) da Guiana se empenhando sistematicamente para a independência, a Venezuela manifestou preocupação em relação à questão do Essequibo, considerando que o debate a respeito do assunto já não se limitaria apenas à Grã-Bretanha. A independência da Guiana significaria o reconhecimento das atuais fronteiras por todos os países que reconhecessem o novo Estado.
A Grã-Bretanha insistia que a demanda venezuelana não procedia, e que tudo fazia parte de um processo eleitoreiro, do então candidato, Raul Leoni ao governo venezuelano visando a influenciar as eleições. Logo que Leoni assumiu a presidência, o Congresso Nacional aprovou, em fevereiro de 1965, um novo mapa oficial do país onde a área do Essequibo passou a constar oficialmente como ‘Zona en Reclamación’ e os correios passaram a utilizar, nas correspondências internacionais, um selo com o novo mapa e a frase: “hacia la reconquista de la Guyana Esequiba”, e as nacionais: “Guyana Esequiba es Venezolana”, provocando protestos do governo inglês.
A Grã-Bretanha propôs, em Genebra, uma Comissão mista que estudaria um plano de desenvolvimento econômico para a Guiana Britânica, de 1966 a 1972, somado a um projeto de cooperação econômica entre os dois países que renunciariam, por 30 anos, as reclamações por demandas territoriais.
A Venezuela não aceitou a sugestão britânica e propôs o congelamento por um prazo de 10 anos e que um ano antes de esgotado este interregno, fosse submetido à arbitragem. O resultado da proposta britânica e venezuelana originou o ‘Acordo de Genebra’ firmado em 17 de fevereiro de 1966.
O Acordo tentava encontrar uma solução através de uma comissão mista de limites, que teria um prazo de quatro anos para encontrar uma saída adequada à disputa territorial. Após esse prazo, se não houvesse uma solução de consenso, o fórum decisório seriam as Nações Unidas.
Em 1966, a Venezuela ocupou militarmente a Ilha de Ancoro. O Laudo de 1899 dividia a ilha entre os dois países e continua ocupada nestes últimos 42 anos apesar dos veementes protestos da Guiana.
Em 1968 ocorreu a ‘Insurreição de Rupununi’, na qual fazendeiros e camponeses, à frente de um movimento separatista, que contava com apoio não-declarado do governo venezuelano, ocuparam instalações governamentais, bloquearam estradas e mataram e feriram policiais da Guiana. A Força de Defesa da Guiana agiu prontamente fazendo com que os insurretos, que não contaram com o esperado apoio das Forças Armadas Venezuelanas, refugiassem-se na Venezuela sem opor resistência.
Mas o que realmente concorreu para o fracasso das operações foi a decisiva atitude do governo brasileiro, que ordenou uma imediata mobilização da Força Terrestre na área da fronteira e a concentração de aviões de combate na região de Boa Vista - RR.
En 1970, o ‘Protocolo de Porto Espanha’ congelava as pretensões venezuelanas por 12 anos, um ano antes de vencer o prazo, a Venezuela decidiu invocar o ‘Acordo de Genebra’ e propor resolver a questão na ONU. Desde 1983, a Venezuela aceitou continuar debatendo a questão procurando encontrar uma solução pacífica conforme especifica o artigo 33 da Carta da ONU. Desde 1989, ambos os países mantêm conversações sem, no entanto, apresentar qualquer solução para o impasse.
DEMANDAS ATUAIS
A Assembléia Nacional Venezuelana aprovou, no dia 13 de março de 2006, o projeto do presidente Hugo Chávez que modificava a bandeira da Venezuela acrescentando uma oitava estrela, estrela essa que era um tributo à contribuição da província da Guiana por sua luta pela independência no século XIX. Chávez disse na ocasião que: "Las ocho estrellas están ahora flameando al viento de Venezuela, las siete estrellas originales y la octava que Simón Bolivar decretó en Angostura como símbolo de la estrella de la victoria". O Exército venezuelano, comungando com os mesmos sentimentos de Chávez, reporta em sua página oficial na Internet e nos mapas de suas Divisões os limites internacionais do país agregando a Guiana Essequiba.
Em novembro de 2007, o exército venezuelano destruiu duas dragas da Guiana que eram utilizadas para o garimpo do ouro na região da fronteira. Até hoje não se sabe se as dragas revolviam os sedimentos do rio Cuyuní, que fica em território guianense, ou do rio Wenamú, que divide os dois países. Ninguém ficou ferido, mas o episódio chamou a atenção para a contenciosa tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.
FORÇAS ARMADAS
A Força Armadas da Venezuela tem um efetivo de 56.000 militares, 190 tanques, 6 fragatas, 2 submarinos, mais de 90 aeronaves de combate e mais de 20 helicópteros de ataque, enquanto a Guiana tem 1600 homens, 3 lanchas de patrulha e nenhum avião de combate. O enorme desequilíbrio militar nos leva a inferir que, em caso de conflito, a Guiana contará com apoio de outros países no confronto.
ESTABILIDADE POLÍTICA AMERICANA
Hoje, a Venezuela, aproveitando-se da inépcia da política externa brasileira, procura assegurar uma posição política hegemônica na América Latina. A disputa pela ‘Zona en Reclamación’ parece, no momento, ter sido relegada a um plano secundário. Porém, os grupos chamados de pró-essequibanos, com apoio velado das autoridades venezuelanas, proliferam e ganham cada vez mais simpatizantes cujo objetivo final é a recuperação da região de Essequibo.
A conquista da região pela Venezuela levantaria velhas questões sobre limites em toda Sul-América. A Colômbia tem velhas pendências territoriais contra a Venezuela de modo que, se a Venezuela atacasse a Guiana, a Colômbia encontraria justificativa para reivindicar seus antigos limites com a Venezuela. O Peru, por sua vez, poderia reavivar sua questão fronteiriça com o Equador e nem mesmo o Brasil ficaria de fora já que sobre a Questão do Pirara, até hoje, pairam dúvidas quanto à lisura da forma com que foi conduzida.