O que mais me parece quando somos tantos na luta. Tantos na busca de uma forma de viver. Viver em paz, plantar nossa comida. De onde somos. Quem foram nossos ancestrais. Vieram de onde soldado? E você soldado? De onde veio. Sabe o que nos junta e nos separa, soldado? É que você é soldado e nós somos guerreiros. Você luta por salário e nós lutamos por uma proposta de vida. Você mal sabe sua origem ancestral soldado? Nós já sabemos. Pois seu saber ti faz um tolo truculento, que imagina ser forte. E o nosso saber nos ensinou a recobrar nossa origem guerreira
Você sabia de tudo isso soldado? Não sabia. Sabe por que não sabia? Porque você sabe. Você se faz num discurso que ti faz num saber que não tem sua escritura. Você come farofa com farinha alheia. Sua escrita apagou sua memória e sentenciou sua desdita. Sua arrogância ti faz um ser somente força e sem inteligência. Você sabe o que é isso soldado? Inteligência não é o que seus superiores ti ensinam não. Inteligência é a nossa ciência sobre a vida. A diferença é que com a gente ela se faz com nossa experiência e é nela que a ação vivifica. Vamos aprendendo dia a dia que a inteligência deve ser fruto de nossa re-fazenda. Refazemos tudo o que nos ensinaram. como disse Manoel de Barros: aprendemos a desaprender oito horas por dia, e colocar no lugar o saber que nos comprazia. Ensinaram-nos a servir e nossos pais serviram. Agora não acreditamos mais nisso, soldado. Não queremos mais o soldo miserável que nos oferecem e que fica no barracão do patrão. Você ainda sente orgulho da riqueza do patrão. Não é soldado? Você gargalha ao lado dele e quando vai para sua casa sente a diferença da situação de seus filhos para o dele. Não é soldado? Mas como um coiote, aceita esse jogo, como se fosse um pitbul mal alimentado. Você encobre seu rosto e nos não fazemos o mesmo. Você faz com a gente o mesmo que faz com os presos da miséria. Não é soldado? Você faria isso com um fazendeiro soldado? Não soldado, você parece parrudo, mas de alma é um homem pequeno. Desaparece todo seu corpo arrogante na sua forma pequena. Você não tem auto-estima de gente. Tem soldado? Precisa fazer serviço para o seu senhor. Você sabe a história de seus ancestrais, soldado? Pode saber que é quase igual a nossa. A diferença é que nós honramos a gesto guerreiro dos nossos antepassados e você se troca por um soldo que mal alimenta seus filhos. Pobre guerreiro é o que guerreia por dinheiro. Para ajudar o general patrão que quer tudo para ele.
A história da guerra você não sabe não é soldado? Você pensa que a guerra que fazemos é um erro, é contra a democracia, contra o poder do Estado. Pois nós aprendemos que guerra é a política que fazem com a gente. É a forma com que nos é imposta uma forma escrava. Somos originários das sociedades indígenas que foram submetidas por guerras. Somos originários das sociedades africanas que foram usurpadas, seqüestradas e trazidas pela força da guerra, das armas, das espadas para essa terra. Agora você pensa que é o forte soldado. Forte somos nós que descobrimos que depois de toda essa forma sanguinária de guerra que nos impuseram mudaram a tática. Implantaram um saber que anula nosso sentido da vontade guerreira e faz de nós escravos. Morremos à mingua por uma política que é uma verdadeira guerra. Só que ela é mais barata. Ela se dá nas escolas nos ensinando tal de “você deve”. Ensinou-nos a ser como camelo, o único animal que é dócil, abaixa para pegar sua carga e suporta carregar seu amo em situações adversas sem reclamas e pode ficar sem comer e beber por longo tempo. Mas na nossa escola aprendemos a ser como leão, que irá vencer o dragão do “você deve”; que ao invés de dizer “eu devo, diz “eu posso”. O poder sendo nosso querer, vai vencer o dever. Depois, como as crianças seremos os seres criadores do novo a todo instante, nunca mais outros farão escrita em nosso lugar.
Ta entendendo soldado a nossa diferença. Nos já aprendemos isso. Já aprendemos que para dar dignidade a nossos filhos não devemos ser guerreiro a soldo. Ser guerreiro a soldo é ser soldado e estar a serviço do patrão. Esse mesmo patrão que um dia sangrou seus antepassados. Você pode debochar e dizer que estamos falando besteira. Não é soldado? Sabe por quê? Porque refizeram sua memória. Implantaram em você uma memória da escravidão. Implantaram em você uma forma de ser que faz com que se orgulhe dessa fardinha que o torna uniforme. Não é esse o nome mesmo? Você usou uniforme na escola e agora usa outro uniforme. Sabe por que soldado. Foi para fazer você adorar ser uniforme. Sua forma é uma só e a nossa é múltipla. Nos somos os livres e você o escravo. Sei que não acredita, mas essa é sua desdita. Não crer é sua escravidão. Nossos filhos se orgulham de lutarmos por um lugar no mundo de forma decente para eles. E você soldado? Luta pelo que? Para defender seu patrão e a viver sem razão? Lutar pelos que fazem de nossos pais escravos. De nossas irmãs putas. E de nós? Fazer de nós soldados para que nem o pai, nem a mãe possa, nem nós possamos protestar para que nossos filhos virem nem escravo nem puta? Pois é soldado: essa é sua desdita.
A guerra continua com o nome de política. Sua forma passou a ser outra. Ela funde a alma de cada um com uma marca implacável de servidão disfarçada de sucesso, de vencer na vida, de ser um homem honesto. Como disse Raul. Lembra do Raul soldado? Pois é. Ele falou de um homem honesto, puro e besta. É isso que fomos que somos e que seremos se não entendermos que a política é a guerra continuada pela burguesia por outros meios e não mais pelos meios que a nobreza usava. Ela desarmou a nobreza e fez de nós seres, que acham que são livres. A política é uma guerra nefasta que mata lentamente. Que dá a arma para que cada um mate a si e a seus filhos e a seus irmãos. Entendeu soldado? De nada adianta essa sua arrogância. Você é pequeno, um homem de alma que tem como forma a pequenez. Nós somos-nos guerreiros. Foi assim que aprendemos. Se entendermos que a política é uma guerra continuada por outros meios, quais outros meios que temos de reagir a isso soldado. É sendo guerreiro. Mas sendo guerreiro de uma luta franca e aberta. Nos não ficamos matando e sorrindo como fazem os soldados da política disciplinadora. Nós caminhamos no asfalto com nossa ferramenta, com nossa enxada, com nossa foice, com nossos facões. Nós brandimos no ar para sair a faísca. A faísca é o novo. Enquanto o mundo não devolver aos filhos da terra o direito de volver o chão e plantar a semente, essa semente ficará guardada no nosso coração nos falando a toda hora. Faça de mim o instrumento da paz vencendo a guerra. A paz é a nossa vitória sobre essa guerra surda e hipócrita soldado. Ela que ti engana e faz você lutar contra seus irmãos. Esses que escolheram ser guerreiros em vez de soldado. Somos guerreiros e se nos prende somos ainda mais livres que você. Compreendeu soldado? Cremos que entre vocês soldados, existem muitos que atrás dessa farta tem um coração que bate perto do coração da gente. Você não é mau soldado, você é um pobre diabo que a política burguesa roubou o direito ao menos de pensar por si. Eis aí nossa diferença soldado. Nossa diferença é que lutamos para que sejamos iguais. Lutamos para que os filhos pródigos um dia voltem para o lugar dos seus ancestrais. Entendeu porque você deveria ser nosso irmão soldado?
Odemar Leotti é mestre em História pela UNICAM e docente do Departamento de História da UFMT-Rondonópolis.