A vida é dura. E não é só porque perdi muitas horas do meu precioso tempo tentando inutilmente contatar novamente o Bukowski através do pai Xangu. Não. Mais uma vez não! Eu descobri isso muito cedo, muito antes do que você, nobre leitorinho tupiniquim, pode imaginar. E não estou falando da batalha que tive com milhões de outros espermatozóides que lutavam arduamente para fecundar o óvulo da minha mãe. Não! Esses são dignos de todas as homenagens e honrarias. Falo de algo muito sério e que até hoje não encontrei ninguém que tenha passado pelo que eu passei, e pelo que ainda passo todos os dias da minha vidinha: a minha triste alergia a ovo.
É isso ai, nobre leitorinho. Sou alérgico a ovo. O pior é que isso realmente me acompanha. Muda o prefeito, mudam os vereadores, mudam os deputados, muda o presidente, mudam os jogadores da seleção brasileira, passa Copa do Mundo, passam as Olimpíadas, passam e voltam as crises políticas, as eleições, mas sempre que vou comer com alguém que não sabe da alergia ou na casa de alguém que não desconfia que não posso comer absolutamente NADA com ovo, sempre as atenções se voltam para esse assunto. E o pior, as perguntas são sempre as mesmas. São 26 anos respondendo todo o ano, todo o mês, toda a semana, e às vezes todos os dias as mesmas perguntas!! A seleção brasileira pode estar decidindo a Copa do Mundo, o Brasil inteiro pode estar acompanhando o rebaixamento do Corinthians pela TV, pode até estar estourando a 3ª guerra mundial, que quando me oferecem um pastel, um doce, ou um salgadinho qualquer com maionese e eu digo “não posso, tenho alergia a ovo”, as pessoas esquecem tudo, absolutamente tudo, até a trepada que deram na véspera para saberem mais sobre a maldita alergia.
- Cara, ontem a Sharon Stone me ligou.
- Sério? E o que você disse?
- Falei que era comprometido...
- Não brinca? Quer um salgadinho?
- Não, valeu.
- Porra, come só um. Vai sobrar um monte.
- Não, não estou com fome (já tentando me livrar do bagagem).
- Cara, olha o tamanho disso, que que custa comer um?
- Não. Não posso. Tenho alergia a ovo...
Ai o cara arregala bem os olhos e fica me olhando como se descobrisse que eu fosse um espião da máfia italiana ou um hibrido humano alienígena...
- Sério – digo, já rindo de nervoso – não posso comer nada que contenha ovo...
- Porra cara! Nunca tinha visto isso...
Ai segue sempre o mesmo questionário, que eu já respondi milhões de vezes, e que seguirei respondendo até o último dos meus dias nesse mundo cruel. E a conversa é a mesma se estou aqui no Rio Grande do Sul, ou se estou passeando em Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, enfim, em qualquer lugar.
Geralmente tento responder com educação, para não perder o amigo ou a simpatia do próximo. Mas eu tenho minhas respostas mentais...
- Mas é só ovo de galinha, ou de codorna também?
- Todo o tipo.
- E como você faz com os seus? – geralmente a pessoa faz essa pergunta e se mata rindo, como se fosse um gênio do humor.
- É segredo. Mas a tua mãe sabe, pergunta pra ela.
- E o que você come?
- Comida. ( pra não dizer outra coisa que ofenda a mãe do próximo)
- Mas você não come lasanha, pizza, bolo, pastel, maionese? O quê? Não!!?? Não acredito! Eu não consigo imaginar a minha vida sem comer bolo!!!
- Não diga. E eu não consigo imaginar a minha vida sem fazer sexo. Tem horas?
- Mas se comer só um poquinho, faz mal?
- Faz.
- E o que acontece?
- Vomito tudo. Até as tripas. Se tomar remédio pela boca, volta tudo na hora. Tenho que ir para o hospital tomar na veia.
- É só a clara, ou a gema também?
- Escuta, você sabe o que é um ovo ou quer que eu desenhe?
- Ah, mas come só um pouquinho. Não vai fazer mal...
- Ah, mas vai se fuder.
- Ah, é psicológico.
- Ah, psicológico vai ser o soco que vou dar na tua fuça.
Uma das besteiras mais repetidas é essa. E não adianta eu contar trocentas histórias de situações em que passei mal por comer alguma comida sem imaginar que tivesse o maldito do fiá-da-puta do ovo. Elas fazem “tsc. É psicológico”. Então, eu começo a fazer o Ommmm pra não responder: “porra, eu falei grego por acaso? Ou você é burro mesmo e não sabe entender uma história simples?”. São 26 anos de alergia a ovo, uma tonelada de vômitos, algumas internações, e vários inconvenientes, e o mané vem dizer que é psicológico! Psicológico é o chifre que ele deve ter na cabeça!
Mas enfim. Existem pessoas que devem ter um ovo no lugar do cérebro.
É, amigo, a vida não é fácil. Já fiquei a noite toda ouvindo piadinha de garçom mala, já fui em restaurante e me servi só de arroz e alface (porque no resto, tudo ia ovo), já tive que explicar isso pra sogro, sogra, tio, tia, cunhado, amigo, amiga, colega, professor, enfim, tudo que você imaginar. Mas o pior é quando você explica tudo direitinho, mas sem falar coisas pesadas, como vômito, e no meio da janta ou almoço a criatura (geralmente pai ou mãe da pessoa que me convidou) faz algum comentário como se eu estivesse dando uma desculpa esfarrapada para não comer. “Porra, eu não posso comer essa birosca porque senão eu vomito na tua mesinha limpinha, ta entendendo??”. Mas eu nunca dei essa resposta, portanto, pode me convidar para jantar na sua casa...
Mas um dos comentários que mais ouço é: “ainda bem que não tem ovo na cerveja”. A criatura fala isso e se mata rindo, bestialmente, novamente como se tivesse falando uma genialidade que eu nunca tivesse ouvido. E sempre tem um espertinho pra completar: “nem na cachaça”. HAAHAHHAHAAHAHAH. E eu fico lá, com um sorriso amarelo igual ao da gema do ovo, pensando, “como algumas pessoas tem o dom de serem estupidamente estúpidas e sem criatividade”.
- E nos aniversários, você comia o bolo?
- Se comia, vomitava.
- E o teu bolo?
- Comia e vomitava.
- E você sente falta de comer coisas com ovos?
- Não. Elas nunca ficam no meu estômago por mais de um minuto e meio.
- E se te atiram um ovo, faz mal?
- Não sei e prefiro continuar não sabendo.
- Quando você descobriu que tinha isso?
- Depois da 34ª vomitada na sala da minha mãe.
- Quer um salgadinho?
- Não.
- Ah, come um vai?
- Não, valeu.
- Ah, só um....
POWWW!!!!!!
Para encerrar. Uma história contada pelo meu amigo Eduardo Fronceck, o Fronga, de Horizontina-RS.
Fronga chega no posto de saúde para se vacinar contra alguma doença qualquer. A enfermeira, segundo ele bem jeitosa, pergunta com aquela boca carnuda antes de colocar a agulha nele:
- Você tem alergia a ovo?
- Eu não...
Fica um silêncio e ele fica pensando, enquanto ela vai introduzindo a agulha no braço dele.
- Quem é que vai ter alergia a ovo? – questiona, indignado com a pergunta que a jeitosa fez.
- É verdade. Nem sei por que pergunto isso....
Nossa! Se eu fosse o próximo da fila não estaria aqui escrevendo pra vocês. Aliás, em tempos de febre amarela, eu, como jornalista, fazendo matérias sobre a vacinação, perguntava para os especialistas sobre as contra-indicações. Não foram todas, mas algumas fontes respondiam normalmente, e quando paravam de falar, eu questionava:
- É só isso?
- É – respondiam meio sem jeito.
- Mas não é contra-indicada para quem tem algum tipo de reação a substâncias que contém ovo de galinha?
- Ah, sim. Também.
Desse jeito, eu ainda vou morrer por causa dessa maldita alergia!! Hora de fazer o Ommm. Ommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm!!!!