É manhã de domingo, um domingo sem graça, uma ventania que não me deixa
andar. Um desses ventos que me faz lembrar do “Minuano”, vento dos
pampas gaúchos que chega a assobiar - apesar de nunca ter ido lá, para
ver ou sentir o “Minuano” -, mas sinto falta de alguma coisa!
Daqui a pouco vai ter mais um show no Jardim São Benedito, cartão
postal da cidade, mas quem será que vai cantar? Talvez um cantor ainda
sem expressão, mas e depois? Todos irão para casa, almoçarão, irão
descansar, ver TV, à noite vai chegar, e amanhã será segunda-feira, dia
de voltar ao trabalho. Mas, está faltando alguma coisa!
É isso! Porque não lembrei?
Estou com saudades daquelas tardes de domingo em que havia partidas de futebol pelo campeonato campista, a ausência dos grandes clássicos disputados entre as quatro equipes da cidade, o Americano, o Campos, o Goytacaz e o Rio Branco, isso sem falar nas equipes da zona rural, como o Sapucaia, o Cambaíba, o Paraíso, o União de Ururaí, o São José e tantos outros clubes que existiam e eu os vi atuar em partidas nos estádios Godofredo Cruz, Ary de Oliveira e Souza, Ângelo de Carvalho, no antigo estádio Constantino Escocard, na rua Sete de Setembro, e que hoje não existe mais.
Pobre juventude! Que fica torcendo pelos clubes do Rio de Janeiro, e jamais assistiu partidas memoráveis, como por exemplo um Goytacaz e Americano, ou um Rio Branco e Campos, na rua Sete de Setembro, ou lá no Parque Leopoldina. Ah! Que dias maravilhosos quando o meu pai me levava para assistir a estas partidas! Muitas pessoas chegavam em caravana do interior para torcer pelo seu clube. Eram ônibus lotados, carregados com suas bandeiras, bandas que animavam os torcedores, fitas nas cabeças, e o principal, cada qual ostentava com orgulho a camisa do seu clube.
Como era maravilhoso assistir aquelas cenas do lado de fora do estádio, pais carregando seus filhos no colo, outros filhos de mãos dadas com outros pais, e até as mães com suas filhas vinham assistir a uma partida de futebol.
Era gostoso parar para observar aquelas cenas que ficaram gravadas na minha memória. Os pais entravam nas filas para comprar ingressos, carregando muitas vezes os filhos, e ainda víamos os vendedores ambulantes aproveitando aquele raro momento para conseguir vender cada vez mais. Eram vendedores de bandeiras, flâmulas, fitas para a cabeça, almofadas com os escudos dos clubes, chaveiros, cornetas plásticas com inúmeras cores, bolas coloridas, inclusive com as cores dos clubes do Rio. Havia vendedores de laranja, Q-Suco em pequenas garrafinhas plásticas, e os famosos vendedores de picolé e de biscoitos “engana-torradinhos”, que quando colocávamos na boca, desmanchavam e enganavam a todos com o seu tamanho. Havia também os vendedores de doces como o “quebra-queixo”, balas duras que quando mastigávamos parecia que iria quebrar os nossos queixos e levávamos horas para degustar aquela iguaria.
Depois de pagos os ingressos, homens, mulheres e as crianças, entravam no estádio, procuravam escolher o melhor lugar, naquela época não havia a violência de hoje, e cada qual torcia unicamente pelo seu clube, sem se importar com as torcidas organizadas que ainda eram poucas. Mas todos juntos torciam por igual, gritavam, choravam, esperneavam e como sempre xingavam o juiz da partida. Alheios à partida, a gurizada já ficava de olho nos diversos vendedores que passavam para lá e para cá, para desespero dos pais.
“Olha o picolé!”.
E a gurizada mais que depressa aproveitava para gritar: “água pura ninguém quer!”, e lá ía o vendedor morrendo de rir da rima.
“Olha o Q-Suco geladinho!”.
E os pais ficavam por conta, porque a cada hora eram obrigados a meter a mão no bolso para comprar mais uma guloseima, e a partida continuava...
De vez em quando os pais esqueciam dos filhos e soltavam um uivo “Uhhhhhhhh!”, a bola passou rente à trave, e quase saiu o gol.
Era um domingo diferente!
A família reunida para assistir a uma partida de futebol num estádio da cidade, quando chegava o intervalo da partida, era a vez dos pais saírem de cena para comprar uma cerveja bem gelada, um churrasquinho, ou um salgado. É bem verdade que no estádio Ary de Oliveira e Souza, havia um vendedor muito especial, que vendia laranjas já descascadas na máquina, e a gurizada que acompanhava os pais, ficava boquiaberta vendo aquela maquininha a descascar a laranja, que seria chupada e acabaria virando arma na mão dos pais.
A vítima como sempre acontecia em todos os domingos, era o árbitro da partida, ou o bandeirinha, que, se marcassem algo contra o seu time de coração seriam o alvo preferido de uma laranja chupada. De vez em quando o alvo era o técnico que havia feito uma péssima substituição, na opinião daqueles pais, tão entendidos de futebol.
Numa partida de futebol ainda havia outras figuras de destaque, como por exemplo a imprensa, os repórteres de campo, os narradores, os comentaristas esportivos, sempre atentos ao desenrolar das mudanças táticas das equipes, e aqueles sujeitos que ficavam parados à beira do campo, segurando o fio do microfone; os fotógrafos dos jornais da cidade que, corriam para lá e para cá, para buscar o melhor ângulo e bater uma foto.
E a partida, prosseguia...
Fim de partida, um 0x0, nenhum vitorioso, ninguém saiu perdendo, todos voltando para o ônibus, silenciosos, cansados, fatigados, mas felizes pois assistiram a uma bela partida de futebol.
Pena que o Campeonato Campista acabou, algumas equipes morreram, e só quem acompanhou o futebol compreende a falta que aqueles domingos nos fazem. Mas somente depois de muitos anos, é que um grupo de rock nacional, o Skank, em uma homenagem a estas maravilhosas tardes de domingo, fez uma música sobre uma partida de futebol. Quem já ouviu, tente ao menos lembrar da melodia, leia de novo esta crônica e se emocionem, pois não iremos mais ver aquelas partidas de futebol.
Eis a letra da música:
“Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer um gol
Como jogador
Quem não sonhou
Em fazer um gol, e ser jogador
de futebol?
A bandeira no estádio é um estandarte
A flâmula pendurada na parede do quarto
O distintivo na camisa do uniforme
Que coisa linda
É uma partida de futebol.
Posso morrer pelo meu time
Se ele perder, que dor, imenso crime
Posso chorar se ele não ganhar
mas se ele ganha
Não adianta
Não há garganta que não pare de berrar
A chuteira veste a meia que veste o pé descalço
O tapete da realeza é verde é o gramado
Olhando para bola eu vejo o sol
Está rolando agora
É uma partida de futebol
O meio campo é o lugar dos craques
Que vão levando o time todo pro ataque
O centroavante, o mais importante
Que emocionante
É uma partida de futebol
O meu goleiro é um homem de elástico
Só os dois zagueiros tem a chave do cadeado
Os laterais fecham a defesa
mas que beleza, com certeza
É uma partida de futebol.”
...
Azzzzzuuuuuuuuullllllllll!
Azzzzzuuuuuuuuullllllllll!
Caaaaaaaannnnnooooooooooo!
Caaaaaaaannnnnooooooooooo!
Caaaaaaaannnnnnooooooooooo...
Que saudades!...
* O autor é Bacharel em Jornalismo, pela Fafic – Faculdade de Filosofia de Campos, e na infância acompanhava o pai, Paulo Ourives, pelos estádios de futebol de Campos, assistindo as partidas do Campeonato Campista de Futebol Profissional.