Era
garoto e achava engraçado quando ouvia algumas pessoas perguntarem ao
meu pai "como estava a obrigação", ou quando ouvia colegas de infância
me chamando para jogar "baleba", amigas de minha mãe pedindo emprestado
o "engomador" ou o "friso", e quando visitávamos amigos no centro da
cidade, ouvíamos gritarem do banheiro pedindo o "enxugador". Tudo isso
ouvi e jamais poderia imaginar que um dia, todas essas palavras
voltariam aos meus ouvidos ou, que elas seriam o alvo de uma pesquisa.
Poderia
citar aqui, uma passagem do livro “Carreiras do di-já-hojinho”, quando
José dos Santos Silva utiliza um exemplo mostrando que até mesmo longe
dessa planície, e em outros locais desse Brasil, quando ouvimos uma
expressão como as citadas acima, certamente estamos diante de um
morador da Baixada Campista.
Eu mesmo cheguei a vivenciar uma dessas passagens quando trabalhava em Vitória-ES, para um banco, e numa noite o encarregado da manutenção do ar condicionado, foi solicitado a ir até o CPD, porque o ar central havia pifado. Num calor infernal, trabalhávamos só Deus sabe como, porque o calor umedecia nossos dedos e isso de certa forma atrapalhava o nosso desempenho. Até que de repente o tal encarregado, entra na sala do processamento de dados, esmurrando a porta, e soltando um “cabrunco, sô!”. A palavra dita soou no meu ouvido e com um sorriso fiquei esperando que ele chegasse mais perto. Foi o que aconteceu, pois eu ainda não o conhecia e ele percebeu que eu era novo no serviço.
Quando ele chegou mais perto, e antes que pronunciasse um boa noite, eu já fui logo dizendo: “aposto que você é campista!”. Surpreso diante de algo que parecia ser tão íntimo dele, ele me perguntou como eu havia descoberto. Respondi-lhe então que ele havia mostrado o cartão de visitas bem na entrada: o "cabrunco”. Daí em diante nasceu uma grande amizade, e nunca mais o vi.
Curiosamente, alguns anos depois, entre 2003 e 2004, ao participar do primeiro grupo de pesquisas do NIPEC – Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação, tive a incumbência de registrar e catalogar todas as palavras pronunciadas pelos moradores da Baixada Campista. É claro que antes de partir para as pesquisas de campo, tivemos de ler alguns livros, como o citado acima, e também “O Coronel e o Lobisomem”, de José Cândido de Carvalho, cujo conteúdo é riquíssimo em palavras e frases pronunciadas pelos moradores dessa região de Campos.
Posteriormente com o depoimento de inúmeros moradores como Geraldo Anjinho, Antônio de Zinho, Alaíde Vital, Maria Rezadeira, Irene Braga, os antigos moradores do Solar do Colégio e tantas outras pessoas, cujos nomes a memória apaga, mas não apaga as marcas dos bons momentos vividos nessa região, conhecer a riqueza cultural de uma região, das suas palavras, versos e ditados populares foi gratificante. Hoje quando olho para trás e vejo que os garotos já utilizam os bordões televisivos ou se vestem a caráter como os mocinhos e as mocinhas da tv, entristece-me de ver essa riqueza cultural sumindo diante da globalização e da aculturação dos nossos jovens.
Lembro que uma das características mais marcantes dessa Baixada também foi publicada por José Cândido de Carvalho, quando o famoso Coronel Ponciano de Azeredo Furtado, ao visitar outro amigo ou receber uma visita em casa, fazia mesuras e pronunciava palavras para enaltecer os bens do outro, numa característica peculiar dessa gente, que recebe o turista de braços abertos, e sempre os convida para um cafezinho feito na hora, em coador de pano, e adoçado com açúcar cristal.
Iguarias à parte, palavras aqui e ali, fui anotando todas que ouvia e gravava, até criar uma lista de verbetes tão rica quanto à de Alano Barcelos, em sua obra “Baixada Campista”. Essa nova lista de verbetes está hoje publicada na obra “Muata Calombo – consciência e destruição - O olhar da imprensa sobre a cultura popular da região açucareira de Campos dos Goytacazes”, de Orávio de Campos Soares, que foi o coordenador desse grupo ao qual o tive o prazer de fazer parte.
Espero que futuramente, ainda volte a Baixada para novas pesquisas de campo, porque sei que ainda há muita coisa para se ouvir, e quem sabe encontrar um "cabrunco, lamparão" que ainda fala desse jeito e tenha uma outra palavra desconhecida que venha enriquecer ainda mais o dicionário de campistês.
PEQUENO GLOSSÁRIO
Aguação - Distúrbio intestinal por falta ou absorção de certo alimento.
Aguenta o cavalo na boca e a égua na chincha - Pára por aí mesmo - calma.
Bagaróti - Dinheiro, Cachipiti, mingal, dim-dim, cascalho.
Bananeira-que-já-deu-cacho - Alguém que se tornou imprestável.
Batuera - Espiga do milho debulhado, usada na zona rural para auxiliar na lavagem de roupas.
Cabrão - nome ofensivo, pessoa ruim.
Cabrunco - Palavrão usado na Baixada Campista. Tem outros significados e, as vezes, pode ser até um elogio. Variante de carbúnculo, doença animal transmissível ao homem; zoonose. O vocábulo tem comumente sentido pejorativo. As vezes, contudo, ganha força laudatória. É muito comum na Baixada a expressão: "Eta, que cabrunco de mulher bonita!".
Catiço - esperto, malandro.
Di-já-hojinho - agora mesmo.
* O autor é Bacharel em Comunicação Social com especialização em Jornalismo, e fez parte do primeiro grupo de pesquisadores do NIPEC - Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação.
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