O cinema argentino acaba de marcar mais um gol de placa. A “Odisseia dos Tontos” (”La Odisea de los Giles”) consegue dar voz, com densidade e bom humor, a um episódio histórico que marcou a vida do país vizinho, o tristemente célebre “corralito”, em que o governo congelou as contas bancárias permitindo apenas pequenos saques mensais.
Semelhanças com o Brasil são mais do que meras coincidências. A diferença é que o cinema nacional ainda não conseguiu dar ao momento semelhante no Brasil uma expressão artística tão significativa. O segredo talvez esteja em dar uma dimensão épica aos fatos cotidianos, algo conseguido desde o ritmo da narrativa até a trilha musical.
O título explica quase tudo. O termo odisseia, embora seja utilizado geralmente como uma grande aventura, quer dizer, na verdade, “vingança”, algo que está na origem etimológica do nome do herói grego Odisseu (Ulisses), aquele que se vinga, ao voltar da guerra de Troia, daqueles que maltrataram a sua família e a sua propriedade durante a sua ausência em combate.
Já o termo “gil”, vocábulo muito difícil de traduzir, está muito relacionado àqueles que fazem tudo dentro da lei e, por isso mesmo, são prejudicados. Existe aí uma certa ingenuidade, pois seguir as normas geralmente resulta em decepção com a autoridade e com as pessoas responsáveis por elas. Não á toa, as menções ao anarquismo são constantes no filme.
A obra, que se passa no fim de 2001, tem como foco um grupo de amigos e conhecidos que junta dinheiro para abrir uma cooperativa agrícola. Nas vésperas do “corralito”, o líder dos associados (o sempre carismático e romântico Ricardo Darín, que se tornou o rosto do cinema argentino) aceita o conselho do gerente do banco e deposita o dinheiro arrecadado numa conta.
A questão é que aqueles que sabiam com antecedência do plano governamental fizeram enormes saques às vésperas da medida econômica. E as economias do grupo são levadas para um cofre subterrâneo em meio a uma isolada propriedade rural. A vingança dos tontos é justamente recuperar o capital que lhes foi arrebatado.
O diretor Sebastián Borensztein, auxiliado por um competente grupo de atores, consegue encontrar o tom dessa marcha pela vingança em que inescrupulosos tratam os otários sem piedade. A discussão se a o contrário deve ser verdade permeia boa parte de uma história muito bem contada, que emociona, faz rir e pensar.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.