Quilombo ou mocambo era um aldeamento com aglomerados de casebres cobertos de palhas ou folhas de palmeiras – sem nenhuma ordenação mas mantendo alguma separação entre eles –, situados no meio das árvores e das matas.
Os quilombolas subsistiam fazendo roças e pequenas lavouras, bem como com a criação de aves e outros animais domésticos.
Os primeiros núcleos surgiram em 1630, quando, aproveitando as lutas organizadas contra as invasões holandesas, os negros escravos das fazendas de cana-de-açúcar dirigiam-se para os matos da região.
Ganga Zumba, tio de Zumbi, foi o primeiro líder do Quilombo dos Palmares. Em 1678, ele aceitou um tratado de paz oferecido pelo governador português de Pernambuco, estipulando a desativação daquele quilombo e a transferência dos seus habitantes para outro local. Em troca, os quilombolas de Palmares (apenas estes) obteriam a liberdade.
Assim, os quilombolas que estavam distantes dos pais escravizados, continuariam deles separados; os amigos quilombolas continuariam apartados dos amigos ainda escravizados. Era a liberdade para uns poucos; e a escravidão e humilhação para o restante dos escravos do Brasil.
Revoltado com esta situação, Zumbi dos Palmares se insurge. Ele queria a liberdade de todos os escravos. Sonhava, já no século 17, com um Brasil de homens livres, trabalhando e vivendo com dignidade.
Na confusão subseqüente, Ganga Zumba foi envenenado e morreu – não se sabe se assassinado pelos seus ou pelos portugueses. E os que o seguiram até o Vale do Cucau, local destinado aos palmarinos pacificados no acordo firmado com o governador de Pernambuco, foram cruelmente re-escravizados pelos portugueses.
A resistência armada continuou com Zumbi, até a destruição total do Quilombo e o massacre de seus habitantes. Zumbi foi morto algum tempo depois da destruição de Palmares, tendo a cabeça cortada e exibida numa cidade pernambucana, para servir de exemplo aos outros negros.
O castigo cruel não intimidou a todos. Criaram-se mais quilombos alhures e os revoltosos continuaram atacando as fazendas-prisões para libertar seus escravos.
Com os conhecimentos hoje disponíveis, fica claro que o governo colonial português, mesmo quando negociou um acordo com Ganga Zumba, nunca admitiu acabar com a chaga da escravidão. Quis apenas fragilizar a resistência dos bravos quilombolas de Palmares e continuar escravizando todos os outros negros nascidos no Brasil.
A QUEM INTERESSA A DESMORALIZAÇÃO DE ZUMBI?
Saltava aos olhos a existência de pessoas contrárias a qualquer melhora das condições sócio-econômicas do negro brasileiro. Agora, essa faina reacionária passa a novo estágio, com as tentativas de desqualificação do maior líder negro brasileiro.
O jornalista Reinaldo Azevedo, que tem seu blog hospedado no site da revista Veja, encarniça-se contra todas as conquistas da comunidade negra. Num post de 19/11/2007, ele recomendou:
– Aproveitem que amanhã é o Dia da Consciência Negra e façam uma pesquisa sobre duas figuras: o festejadíssimo Zumbi; o quase ignorado Ganga-Zumba, tio de Zumbi. E continuem a pensar, que é coisa que não dói. Por que um, dado o desfecho trágico, é o herói, e o outro não merece nem mesmo um lugar de segunda grandeza? E vocês nem precisam considerar as fortes suspeitas de que o sobrinho matou o tio.
No dia seguinte, Reinaldo Azevedo chegou ao cúmulo de negar serem racistas os autores das pichações na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (“negro só se for na cozinha”, “cotas não!", “voltem para a senzala!”) , que incluíam uma suástica desenhada:
– Os estudantes contrários às cotas estranharam a manifestação e deixaram claro que não tinham qualquer relação com aquela estupidez. A mim também me pareceu que poderia ser uma variante do estilo Odorico Paraguaçu (...). Sempre que o prefeito de Sucupira queria empastelar o jornal de Neco Pedreira, mandava pichar as paredes: “Odorico é ladrão”. Os grupos militantes favoráveis às cotas raciais hostilizavam os adversários, chamando-os de fascistas.
Ou seja, sem apresentar nenhuma prova, o blogueiro insinua que os próprios militantes negros sejam os maquiavélicos autores das pichações racistas...
EFEMÉRIDE “PARA OS” NEGROS x EFEMÉRIDE “DOS” NEGROS
Nos primeiros anos pós-escravidão, o ex-escravo não foi objeto de uma política oficial do governo brasileiro que lhe desse condições de competir em igualdade no novo e complexo mercado de trabalho que surgia no País.
Em 20/11/1971, pela primeira vez foi comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra, na data da morte de Zumbi dos Palmares, líder negro do maior quilombo que existiu no Brasil. Foi a efeméride escolhida pelos próprios negros, que deixaram de se considerar homenageados no 13 de maio, aniversário da abolição da escravatura.
No começo, poucos participaram. Eram tempos difíceis, em que protestos contra a prática do racismo poderiam ser confundidos com subversão e, como tal, reprimidos. Um exemplo: o filme Ganga Zumba, de Cacá Diegues, lançado em 1963, foi proibido depois do golpe militar e só liberado oito anos mais tarde.
Passados 36 anos, é cada vez maior a participação de brasileiros de todas as etnias nas comemorações do Dia da Consciência Negra. Queiram ou não os detratores de Zumbi e defensores implícitos de práticas que evocam a tristemente celebre Ku-Klux-Khan.
* Ismar C. de Souza (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) é articulista freelancer