20 de novembro: O despertar de uma nova consciência

Mais um 20 de novembro chega sob o pomposo nome de Dia Nacional da Consciência Negra, para com ele reverenciarmos a memória de uma  ancestralidade aguerrida, que lutou até a morte por ideais que ainda hoje provocam polêmicas e debates   acirrados, havendo até mesmo quem defenda a volta de toda uma dialética racial ultrapassada.

 

Além da reverência devida aos nossos ícones, que fomentaram, cultivaram, lutaram e morreram em nome destes ideais, cabe ao conjunto da nossa sociedade refletir sobre as razões que desencadearam o processo que teve o seu ápice com a luta dos Palmares, no século XVII.

Se o pano de fundo desta luta evoluiu de conceito para substância, continua existindo o mesmo clamor por uma sociedade na qual sejam oferecidas as mesmas oportunidades para todos os cidadãos trabalhadores e dignos, em vez de fomentar ou agravar desigualdades por conceitos já refutados e sem fundamentação coerente.

RESISTÊNCIA ARMADA À TIRANIA
 
Resistir (com armas nas mãos) às crueldades de uma tirania é, freqüentemente, o último recurso que resta a um povo.

Palmares, como muitos outros quilombos espalhados pelo Brasil-Colônia, utilizou todos os meios disponíveis (lanças, pedras, armadilhas no mato, golpes de capoeira, flechas e algumas armas de fogo tomadas dos inimigos ) para se defender da violência que irmanava os senhores de engenho e seus jagunços, a coroa portuguesa, os capitães-do-mato e os sertanistas de contrato (verdadeiros bandidos, bem armados e sanguinolentos!) numa cruzada visando à destruição dos quilombos e extermínio dos quilombolas.

A luta dos Palmares – como movimento social, político e armado de resistência ao sistema escravista – era por aspirações mínimas: um tratamento menos degradante para os escravos ou, com a fuga, uma existência digna para os libertos.

Nesta luta por liberdade, uniam-se escravos foragidos, índios, moradores que mantinham contato e viviam nas proximidades dos quilombos, bem como alguns simpatizantes da causa.

Eles queriam o fim dos trabalhos forçados a que estavam submetidos como escravos, nas mais diversas atividades laborais; não mais serem submetidos a castigos degradantes nos pelourinhos, nem vilipendiados e tratados como mercadoria.

Como se aqueles seres humanos, por terem a pele escura, fossem seres inferiores da criação divina, muitos beneficiários da escravidão argumentavam -- com o beneplácito de segmentos da Igreja --,   que os negros não teriam alma, sendo desnecessário, portanto, tratá-los como gente.

A luta sangrenta deixou como saldo o exemplo de heróis que lutaram até a morte por seus justos ideais, num ensaio da luta de classes que perdura até hoje.

DEGREDO E AVILTAMENTO

Os negros, degredados à força de suas terras, passaram de reis, príncipes ou, simplesmente, homens livres, estimados e respeitados em sua  mãe África, a seres  sem  alma, sem classe, sem categoria e sem direito nenhum. Ao cão mais sarnento era dado um tratamento mais digno que a um escravo.

Muito sangue foi derramado nas encarniçadas batalhas. Depois, com o passar do tempo, extinguiu-se o tráfico de escravos, promulgou-se a Lei Áurea, o racismo foi não só criminalizado como se tornou politicamente incorreto... mas ainda não se fez justiça ao legado de Zumbi, Ganga Zumba e tantos outros representantes da causa negra (anônimos, em sua maioria).

A História oficial, seus artífices e seus propagadores (a indústria cultural), minimizam a epopéia e a tragédia da gente negra. Seu verdadeiro papel histórico ainda está longe de ser refletido nos livros didáticos.

É bem verdade que nós, negros, tivemos algumas conquistas sócio-econômicas e, também à custa de muito labor e sacrifícios, abrimos novos espaços e avançamos na área dos direitos constitucionais.

Porém, os séculos de discriminação, de uma cultura racial inferiorizadora e proselitista, sedimentaram conceitos discriminatórios no seio da sociedade. Não só subsistem (explicita ou veladamente) os preconceitos dos antigos dominadores, como alguns dos antigos dominados, desinformados e despolitizados, perderam de vista sua real situação dentro da sociedade brasileira.

Portanto, muito fizemos, mas muito ainda temos de fazer para nos colocarmos em condição de igualdade numa sociedade em que o escravismo deixou marcas profundas.

INTEGRAÇÃO NA SOCIEDADE

O mercado capitalista brasileiro começou ultimamente a  enxergar  o negro e seu potencial consumidor, dando surgimento a todo um segmento direcionado para atender esta etnia: cosméticos, revistas especializadas, brinquedos   étnicos para  as  crianças, etc. Foi um inegável avanço.

Contudo, assistimos ao recrudescimento de posições fascistas, preconceituosas. Movimentos segregatórios ressurgindo, pregações de ódio e discriminação racial.

Uma parte da sociedade se rebela contra as políticas reparatórias (quotas nas universidades, etc.), que, embora não apontem na direção de uma verdadeira igualdade, constituem uma compensação mínima por séculos de injustiças e descaso.

O negro pobre continua sendo o suspeito número um das forças de segurança do Estado, o que faz dele um cidadão duplamente discriminado.

Aliás, é este o momento em que a sociedade derruba seus  muros divisionais, porque  negros e brancos pobres são iguais... em sua ausência de direitos . Assim os outros os percebem e assim eles percebem a si próprios.

Nesta sociedade que galgou altíssimos graus de avanço cientifico e tecnológico, urge que modifiquemos  nosso modo de ver  o outro; que realmente nos unamos, em torno de questões muito mais significativas e determinantes para o futuro da humanidade; que, juntos, consigamos resgatar a audácia, a força e a capacidade   de organização dos Palmares; que, em coalizão com cidadãos decentes de todas as etnias, façamos frente aos defensores dos paradigmas arcaicos, que tentam ressuscitar o mito de uma suposta superioridade racial.

E, sobretudo, que a sociedade brasileira desenvolva um novo padrão de consciência, com os concidadãos não apenas respeitando seus semelhantes e convivendo pacificamente com as diferenças, mas indo além disso, até realmente irmanarem-se no único gênero que nos engloba a todos: o gênero humano.

* Gil Soul é músico e escritor.

** Ismar C. de Souza é articulista freelancer

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