Em 1811, os tecelões britânicos se insurgiram contra suas condições de trabalho, quebrando os equipamentos mecânicos de suas fábricas. Foi uma revolta que revelou o outro lado da tecnologia.
O gigantesco crescimento da produtividade agrícola vivido na Grã-Bretanha durante o século XVIII permitiu que algumas famílias de agricultores alcançassem a prosperidade necessária para que adquirissem um equipamento de tecelagem para trabalhar em casa e, desta forma, complementar sua renda até então precária.
Enquanto isso, as inovações técnicas que permitiram esse crescimento de produção provocaram também a redução do mercado de trabalho para inúmeros camponeses que emigraram para as cidades que viviam em constante expansão. Nestas cidades, operários qualificados e aprendizes que trabalhavam nas oficinas e no comércio urbano viram o crescimento dos subúrbios com a chegada de uma nuvem de agricultores expulsos e em busca de trabalho.
Ferran Sánchez, historiador (Histoire & Civilisations)
Dois ludditas controlam um tear Jacquard (gravura publicada na Revista Penny, em 1844)
Capa da revista Histoire & Civilisations, junho de 2018
Este artigo foi extraído da revista Histoire & Civilisations n0 40, de junho de 2018 (os subtítulos e as ilustrações são de Herodote.net). É possível lê-lo na versão original. A revista não mostra aqui um relatório sobre os Cavaleiros, uma vida entre guerras e torneios, Darwin e a viagem que mudou sua vida, a representação do paraíso terrestre...
A cada mês, pela pena de reconhecidos historiadores, Histoire & Civilisations nos conduz pelos caminhos de cidades míticas, nos faz reviver o quotidiano de nossos ancestrais, assim como os acontecimentos que marcaram nossa humanidade.
Migrações do campo para as cidades
Nas zonas urbanas, as pessoas se apegavam aos livros de autores radicais como Thomas Paine; chegaram mesmo a mostrar simpatia pelos Jacobinos, que tinham assumido a vanguarda da Revolução Francesa. Em 1794, o crescimento, da tensão política e social levou o governo a suspender o habeas corpus, embora a lei assegurasse a liberdade jurídica individual fundamental aos detidos.
Cinco anos mais tarde, as Leis da Combinação proibiram as associações de trabalhadores, o que tornou impossíveis as negociações coletivas. O conflito entre operários e empregadores não tardou a ocorrer, causado por um Estado temeroso da união do radicalismo político com as reivindicações nas questões trabalhistas.
Alguns artesãos e agricultores que puderam comprar uma máquina, conseguiram acumular um pequeno excedente de capital e investiram-no na nascente indústria, ao adquirir novas máquinas. A concorrência entre esses primeiros industriais levou-os à busca da inovação, a fim de produzir sempre mais rápido e menos caro.
Essa demanda provocou uma cascata de invenções que multiplicaram a capacidade de produção, notadamente com a utilização das máquinas a vapor em suas primeiras fábricas. Foi esse processo que provocou a hostilidade entre fiandeiros e tecelões, já que ele reduzia a necessidade de mão-de-obra.
Já em 1778, no Lancashire, os artesãos tinham destruído os equipamentos mecânicos de tecelagem, dado que esses fizeram baixar seus salários e desvalorizaram suas qualificações. Esses artesãos estavam vendo suas competências duramente conquistadas não servirem mais para nada, em vista da concorrência com as máquinas. Eles se acumulavam nas fábricas, sob o jugo de rudes contramestres, passaram a estar submetidos a regras estritas e a punições severas em casos de infração, assim como ao controle do tempo controlado por uma sirene da fábrica e ao ritmo ruidoso da máquina.
Às duras mudanças no mundo do trabalho e ao escopo limitado das políticas se juntou, em 1806, a proibição do comércio entre os portos britânicos e os portos europeus, ordenada por Napoleão. Em plena guerra contra a Grã-Bretanha, essa proibição privou os ingleses de muitos mercados, levando ao desemprego muitos operários e obrigando muitos homens de negócios – privados de matérias-primas de qualidade pelo bloqueio – a produzir produtos de baixa qualidade.
Um chefe chamado Ned Ludd
Os ludditas deveram seu nome ao General Ludd, um personagem que tinha assinado cartas com ameaças que os fabricantes começaram a receber a partir de 1811. Parece que esse nome é o de um aprendiz empregado por um pequeno fabricante de meias de Leicester, Ned Luddlam, que tinha destruído a marteladas o negócio de seu patrão em 1779. Os líderes anônimos que organizaram os primeiros protestos na região de Nottingham usaram seu nome por empréstimo e assinaram com ele as cartas que enviaram aos patrões. Eles queriam criar uma figura emblemática, capaz de inspirar terror em seus ricos e poderosos inimigos.
Chefe dos luddistas em gravura anônima de 1812
Expedições punitivas
Foi nessas condições que explodiu o conflito. Tudo começou em Arnold, uma cidade próxima de Nottingham, a principal cidade manufatureira do centro da Inglaterra. Em 11 de março, na Praça do Mercado, soldados do rei dispersaram uma reunião de operários desempregados. Nessa mesma noite, perto de cem máquinas foram destruídas, a golpes de marreta, nas fábricas que baixaram os salários.
Tratava-se de reações coletivas, espontâneas e dispersas, mas que não demoraram muito a adquirir uma certa coesão. Em novembro, na cidade próxima de Bulwell, homens mascarados brandindo pesadas marretas, martelos e machados destruíram diversas tecelagens do fabricante Edward Hollingsworth. Durante o ataque, começou uma fuzilaria e um tecelão foi morto. A presença de forças militares impediu o incêndio na área, mas a tempestade continuou a crescer.
Foi aí que os fabricantes começaram a receber as misteriosas cartas, assinadas por um certo general Ludd. Esse personagem imaginário, deu seu nome a um movimento de protesto que, sem ser centralizado, foi fruto de esforços coordenados, talvez sugeridos por antigos soldados que, além das cartas anônimas e de panfletos clamando à insurreição, organizaram também expedições punitivas noturnas.
Em 12 de abril de 1811, ocorreu a primeira destruição de uma fábrica, quando 300 operários atacaram a fiação de William Cartwright, em Nottinghamshire, e destruíram seus equipamentos de tecelagem a golpes de marreta. A pequena guarnição encarregada de defender o local conseguiu causar sérias lesões em dois jovens contestadores, John Booth e Samuel Hartley, que foram detidos e morreram sem revelar o nome de seus companheiros.
Em fevereiro de 1812, o Parlamento aprovou o Decreto Frame-Breaking que condenava à pena de morte toda pessoa que destruísse uma tecelagem. A oposição foi mínima. Lord Byron, no único discurso que pronunciou na Câmara dos Lordes, questionou: “Já não há sangue suficiente em vosso Código Penal?"
Crawford Mill, fundada por Richard Arkwright, em 1771. Dedicada à fiação de algodão, foi a primeira fábrica têxtil movida por energia hidráulica
O protesto se desviou para o crime
Assassinato de William Horsfall, gravura de Phiz (The Chronicles of Crime, 1887)
William Horsfall, proprietário de uma fábrica de têxteis que empregava 400 operários, em Marsden, garantiu que o sangue dos luddistas chegaria até a sela. Na realidade, foi seu próprio sangue que a manchou, posto que, em abril de 1812, foi gravemente ferido a bala em uma emboscada de luddistas. Esses últimos o reprovavam por ser “o opressor dos pobres”. E o abandonam ferido na estrada. Um outro fabricante veio em seu socorro, porém Horsfall morreu ao cabo de 38 horas. Em janeiro de 1813, três luddistas acusados do assassinato, foram enforcados em York. Esses jamais admitiram ter participado daqueles fatos.
Processo em cadeia
A repressão continuou: 14 execuções ocorreram e 13 pessoas foram deportadas para a Austrália. Todavia, essa mão-de-ferro não impediu a ação dos luddistas, chegando ao ponto em que 12.000 soldados foram requisitados para persegui-los, ao passo que apenas 10.000 britânicos estavam engajados na luta contra Napoleão no continente. Isso mostrava não somente o terror que os luddistas inspiravam nas classes dominantes, mas a dimensão que assumiu essa “guerra civil” entre o capitalismo em ascensão, que repousava sobre a indústria, na disciplina no trabalho e na livre concorrência, e os luddistas que reivindicavam preços justos, um salário adequado e qualidade nas condições de trabalho.
Ao denunciar o crescimento do ritmo do trabalho que os mantinha presos às máquinas, os luddistas revelaram uma outra faceta da tecnologia. Eles questionaram o progresso técnico de um ponto de vista moral, ao defenderem a cooperação contra a concorrência, a ética frente ao benefício: eles não renegavam toda a tecnologia, por uma resistência obtusa à mudança, mas apenas aquela que agredia as pessoas. Deste modo, seus ataques eram direcionados: eles pararam as máquinas de seus patrões que produziam objetos de má qualidade, a preços baixos e pagando os piores salários. Vistos sob esse ângulo, os luddistas poderiam ser considerados como ativistas de um movimento-chave, que reclamava a utilização da tecnologia de acordo com as necessidades humanas.
A repressão do governo alcançou o paroxismo durante um processo espetaculoso que se passou em York, em 1813. Foi decretada a execução de 17 luddistas. Alguns meses antes, uma série de processos em Lancaster resultou na condenação de 8 pessoas ao enforcamento e 17 luddistas à deportação para a Tasmânia (Austrália). As penas mais pesadas e a retomada econômica que se desenhava com o fim das Guerras Napoleônicas esvaziaram o movimento luddista, em 1816. Porém, sua tragédia levantaria uma questão inquietante: para que extremo deveria conduzir o progresso?
Uma vida com o mínimo
Os negócios mecânicos implicavam na degradação das condições de vida dos antigos tecelões manuais, que viram suas rendas passarem de 21 shillings – pouco mais de 1 libra (um shilling = 1/20 da libra inglesa) - em 1802 para apenas 14, em 1809. Em 1807, mais de 130.000 desses trabalhadores assinaram uma petição em favor da fixação de um salário mínimo.
Tradução do Francês por: A. Pertence