Era uma tarde qualquer de um dia de semana. Voltava para casa, como tantas outras pessoas, depois de um
longo dia de trabalho. Ônibus lotado, a avenida em que me encontrava estava
repleta de veículos parados, motoristas impacientes, apertavam insistentemente
as mãos e os dedos contra a buzina, como
se isso fosse adiantar alguma coisa. O trânsito parado não fluía, e a medida
que o ônibus andava um pouquinho que fosse, por alguns poucos metros, podia
perceber pela janela que o trânsito ali estava completamente congestionado. Era
difícil imaginar o que havia acontecido, mas isso já não importava muito, pois
mais alguns minutos e eu estaria em casa.
De repente, em meio aquele turbilhão de buzinas estridentes, pessoas reclamando
da demora, gente falando alto, outros assobiando em algum banco lá atrás. Havia
também uns fanáticos dentro do ônibus fazendo suas orações e pregações da
Bíblia em voz alta, como
se isso fosse adiantar alguma coisa, lembrei de algumas palavras da Bíblia,
onde Jesus chamou de fariseus, aqueles que faziam orações e pregações em locais
públicos somente para chamar a atenção de quem quer que passasse perto deles.
Mas, ali, naquele portão, vi uma criança, com um olhar perdido diante de um mundo desumano. Seu olhar, parado no tempo e no espaço, me dizia que seus pensamentos estavam muito, muito longe dali. Não sei, se naquele semblante havia um profundo pesar de tristeza, por estar ali, atrás daquele portão a ver um sem número de carros parados, buzinando, fazendo o maior estardalhaço sem sair do lugar, ou seria a tristeza de estar ali, presa atrás do portão, sozinha sem ter com quem brincar?
Comecei então a fazer mil conjecturas sobre aquele olhar que não me via. E procurei descobrir para onde olhava aquela criança, parada ali atrás daquele portão. Me transportei então para junto dela, a tentar enxergar o mundo que ela via, milhares de pessoas naquele momento indo naquela direção passando ali, na porta da casa onde ela morava, para onde iam? Para suas casas? Para o trabalho? Iam viajar? Aquela criança fazia mil perguntas, mas não encontrava respostas.
Era apenas um olhar vazio, distante, numa profunda reflexão ou, numa viagem distante dos seus olhos e da sua mente.
Tentava, e procurava entender aquele
olhar, parado no tempo, e também eu, não conseguia entender ou achar o local
para onde eles olhavam, ou aonde eles estavam. Mas sei, que aquela criança ali,
com seus quase seis para sete anos, estava a olhar profundamente para o mundo.
Foram poucos minutos, nem sei direito quanto tempo, e quando o ônibus então
resolveu andar um pouco mais, percebi naquele peito um profundo suspiro, de
quem estava voltando daquela longa viagem, pelo mundo dos seus pensamentos,
voltava portanto a si, e para o mundo que a rodeava, eis então que aquela
criança girou sobre os calcanhares, virou-se para dentro de casa e entrou.
O ônibus já estava andando, o sinal estava aberto, e eu fiquei olhando aquela
criança entrando em sua casa, talvez para tomar um banho, jantar e ir dormir,
ter uma boa noite de sono, e sonhar. Mas o seu olhar, longe, distante, no
mundo, eu vi, e nunca esqueci.
Essa história como tantas outras que passei a escrever para o meu livro, só puderam ganhar corpo e forma, depois de mais de 15 anos. Quando já estava iniciando meus estudos na Faculdade de Filosofia de Campos, mas o olhar daquela criança eu nunca esqueci.
* Bacharel em Jornalismo, pela Faculdade de Filosofia de Campos.