O perseverante, brilhante e prezado causídico José Roberto Ferreira Militão, companheiro contemporâneo de militância no Movimento Negro (MN) depois de ter-se integrado – na II Reunião Nacional do Movimento Negro Socialista (MNS) em S.Paulo, dia 13/05/2007 - à Frente Única (FU) constituída entre intelectuais, artistas, sindicalistas e MNS contra as divisões perigosas das Leis Raciais (LRs) assim como Ações Afirmativas (AAs) e congêneres. Agora, nos convoca à polêmica que ele criou ao participar recentemente do auto-intitulado Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil (Conneb), defendendo a tese “Preto é cor; Negro é raça?”. Após a divergência por ele defender AAs como o “Estatuto da Igualdade Civil (EIC)”. Vamos a outro salutar debate de idéias!
Em 1º lugar temos acordo: Para debatermos é imprescindível que partamos da definição de conceitos. Reparemos: Conceitos - e não dogmas – como conseqüência de mais de 30 anos de militância anti-racista no MN, não em fundamentos academicistas. Não há de nossa parte sectarismo que nos impeça rever conceitos. Por isto participamos em 13/05/2006 da I Reunião Nacional em S.Paulo, ajudando a fundar o MNS cujo slogan é “Racismo e Capitalismo são as duas faces da mesma moeda” de Steve Biko Bantu. Este, não é lembrado pelo mano Militão por causa da célebre frase, mas por suposto erro na tradução da denominação do movimento que Biko liderou.
Francamente, mano, identificamos aí, o cerne da questão em relação à sua tese “Preto é cor; Negro é raça?” Aliás, como já afirmáramos em relação à defesa que faz das AAs. Vide o anteprojeto denominado EIC que é de sua autoria. Em outras palavras, as definições de conceitos acerca dos substantivos negro e preto são de fato ideológicas, filosóficas! Preto é uma designação de cor apropriada para tinta, papel, cosméticos, etc. Já negro é uma designação étnico-racial adequada a pessoas, isto é, a seres da espécie humana. Conforme bem sabe o companheiro Militão, desde a década de 70 no MN consideramos negras todas as pessoas que possuam na cor da pele, rosto e ou cabelos, traços étnicos-raciais de negros africanos, ou seja, afrodescendência.
Não imaginávamos que em pleno século 21 fosse necessário reafirmar esse tipo de conceito, ainda mais para um contemporâneo-companheiro-militante do MN. Em nossa afrodescendência temos mesmo naturalidade, prazer, satisfação de sermos negros e negras. Somente quando somos étnica-racialmente discriminados é que reagimos e passamos a ter o que o mano Militão menciona como orgulho. Onde está o equívoco nisto?! Com relação às conceituações baseadas na semiótica para designar – sem considerar as miscigenações ocorridas – supostas cores (sic) da espécie humana, o companheiro (com exceção aos povos europeus, ou seja, brancos) faz referências a identificações estadunidenses. Isto é, se refere a pretos (sic), amarelos (sic) e vermelhos (sic).
Repetimos, não tivemos a mesma honra do mano Militão em ter convivido com o saudoso mestre Milton Santos. Todavia, não faz sentido crer – pelo fato do mestre mais para o final de sua gloriosa vida ter adotado o marxismo – que ele deixasse de considerar “Racismo e Capitalismo são as duas faces da mesma moeda” conforme nos ensinou Steve Biko Bantu. Não há razão para que o mestre se confundisse tanto, a ponto de ter como prioridade “repudiar” o substantivo negro por causa de sua origem etimológica ter significados lúgubres, funestos como necrotério, necropsia e morte. Ademais, companheiro Militão, na Grécia como em todo o Ocidente a cultura que impera é a judaico-cristã na qual, o bem versus o mal tem o valor de dogma.
Prestemos atenção a esta curiosidade: No Ocidente a cor branca tem o significado de ser “positiva”, a soma de todas as cores, a “paz”, a “vida”. Já a cor preta é considerada “negativa”, ausência de cores, ausência de “vida” (morte, luto). Por sua vez, no Oriente é o contrário. Daí, indagamos: Quando o mano Militão argumenta que nossos ancestrais enquanto africanos rejeitaram suas identidades de negros, citando as denominações “Homens Pretos”, “Pretos Novos” ou “Homens de Cor” e como exemplos de formas associativas as “Irmandades” e os “Cemitérios”. Qual é o sentido, onde o companheiro quer chegar? Há nisso tudo muitas subjetividades. Porém, para não nos alongar e não entrarmos no elitismo academicista vamos direto ao centro da questão.
A pretensão de descaracterizar em nossa afrodescendência a identidade étnico-racial de negros para assumirmos a identidade pela cor preta. Por um lado, a vemos como um inconsciente fundamentalismo ocidental de classificar a espécie humana – a despeito dela constituir etnias e povos - por cores. Para o prezado causídico, os europeus em relação às etnias e povos são brancos, os asiáticos amarelos, os indígenas peles-vermelhas e os negros-africanos são pretos. Como dizia um falecido humorista televisivo “Fala Sério”. Por outro lado, antes das conclusões e as conseqüentes reivindicações – reafirmamos – seja bem-vindo, se sinta em casa, companheiro Militão, é uma honra tê-lo na FU contra as divisões perigosas das LRs como também AAs e similares.
Este é o significado da FU que se constituiu entre intelectuais, artistas e sindicalistas juntos com o MNS. O princípio enquanto slogan “Racismo e Capitalismo são as duas faces da mesma moeda” é do MNS. Já a unidade da FU na atual conjuntura é a oposição a LRs embutidas em dois Projetos de Lei (PLs). O PL 73/99 que é denominado cotas universitárias raciais para negros e indígenas e o PL 3198/2000 que é pessimamente denominado Estatuto da Igualdade Racial (EIR). Na FU há quem defenda pragmaticamente similares de LRs como as AAs. O mesmo ocorre na quase totalidade do MN, no Brasil e no mundo quando dizem – mas não provam - que combatem o racismo sem combater o capitalismo, preferindo humanizá-lo.
Por fim, não cansa repetir as reivindicações específicas do MNS que, por sinal, o prezado causídico e mano Militão já disse concordar: Internacionais (Tribunal autônomo sobre os genocídios que ocorrem em países do continente africano, Fim da ocupação militar da farsante Missão de Paz para Estabilização do país irmão e de maioria negra Haiti denominada Minustah com o conseqüente e imediato retorno das tropas a começar pela brasileira – liberdade para o jornalista-negro estadunidense Múmia Abul Jamal), Nacionais (Reforma Agrária com demarcação de terras às comunidades quilombolas, Bibliotecas, Creches, Escolas e Universidades Públicas Gratuitas e de Excelência na Qualidade Para Todos e Todas, O Mesmo a Tudo Relacionado à Saúde inclusive à Anemia Falciforme.
*jornalista – é coordenador-nacional de Organização e Formação Política do MNS.