Lampião rei do Cangaço

O mais temido dos cangaceiro que mandava e desmandava no sertão nordestino

Essa história já se ouviu contar, foi lida e relida, virou filme, virou arte, música, pintura, até virou cordel. Agora Bezerra Neto a reescreve e pinta. Coloca-a em nova moldura, nova roupagem, novas cores e novo brilho. É na sua arte que Lampião vira quadro de parede, posters; que Maria Bonita se torna mais bonita, ao lado do seu “capitão”, o “rei do cangaço.” Corisco - o Diabo Louro - e Dadá, formam o segundo casal de “reis” do Sertão. 

O jornalista, escritor e artista plástico foi buscar no recôndito do Sertão a inspiração para reescrever e pintar a história do cangaço, cujo principal protagonista - Lampião - virou mito e a sua fama de herói – ou bandido – é  difícil de ser apagada da memória do povo. Continua um vulto que se eleva pela coragem de enfrentar o latifúndio dos “coronéis”, dos donos das cabeças. Borravam-se todos ante a ameaça de Lampião. Este cobrava por suas vidas e aqueles pagavam para continuar vivendo. Viravam coiteiros e de certa forma cúmplices das atrocidades que se vinham cometendo em nome do cangaço por esses sertões afora, numa área de 700 mil quilõmetros quadrados, compreendendo sete estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba Rio Grande do Norte e Ceará. 
Lampião subverteu a ordem das coisas. Latifúndios, (leia-se: “coronéis”, grandes fazendeiros) que durante séculos traziam o povo aos seus pés, pisando-os em cima, de repente viraram covardes, vivendo pela vontade daquele que realmente imprimia respeito e medo: Virgulino Ferreira da Silva, vulgo “Lampião”, cuja palavra era lei. Ele comandava uma pequena legião de 50 cangaceiros, enfrentando forças policiais cujos contingentes suplantavam a casa de 4.000 soldados em todos os territórios por onde passava.
Durante as décadas de 20 e 30 o Cangaço (etnologicamente, gênero de vida levada pelos cangaceiros), correu a ruidoso galope pelas brenhas e caatingas do Sertão nordestino. Causava espanto e medo entre as às populações sertanejas, onde predominavam, de um lado, a aridez da terra, com suas caatingas brabas, de espinhos e chão esturricado e, do outro, a pobreza e a natureza rude do homem local, este já submetido a cruel sofrimento pelos rigores da seca. Por onde passava o cangaço ia deixando marcas de mortes, numa onda de violência tão brutal que causava desespero, tensão, angústia e medo; as pessoas somente se valendo da proteção de Deus e do “Padim Cirço” para sua salvação. A situação agravou-se ainda mais quando Lampião assumiu a direção do bando de Sinhô Pereira, em 1922.
O ódio e desejo de vingança de Lampião, colocavam as populações debaixo de seus pés, debaixo de ordem e sob a mira de seu fuzil, modelo Mauser, legítimo, que cuspia fogo. Ele ordenava e seus “cabras” invadiam cidades, fazendas e propriedades, saqueando, matando e esfolando aqueles que se recusassem atender aos seus extorsivos pedidos de dinheiro; muito dinheiro era o que mais lhe dava prazer em arrancar das barbas dos coronéis latifundiários e das pessoas aquinhoadas de recursos. Se não lhe dessem o que pedia os cobrados pagavam com suas vidas ou passariam por humilhações.
Virgulino, entretanto, não foi o primeiro chefe de cangaceiros, como alguns podem pensar. Antes dele, outros já percorriam os sertões com uma cambada de evadidos da justiça praticando toda sorte de barbaridades. Os mais conhecidos: Lucas da Feira (bandido que tinha o hábito de pendurar suas vítimas pelos os lábios nos galhos das árvores) assim chamado porque era natural de Feira de Santana/BA); Salva Terra (que atuava principalmente no sertão paraibano); Cabeleira (José Gomes), nascido em 1751 em Glória do Goitá-PE; Jesuíno Brilhante (1844); Adolfo Meia Noite, que era de Afogados de Ingazeira, Sertão do Pajeú de Flores-PE; Antonio Silvino e Sinhô Pereira (este último abandonando a vida do cangaço para se tornar militar em Goiás, do qual Lampião foi discípulo e herdeiro).
Quem foi Lampião?
Virgulino Ferreira da Silva nasceu no dia 7 de julho de 1897, ano que marcou o fim da guerra de Canudos, onde prevaleciam as profecias de Antonio Conselheiro, o excêntrico beato e líder político-religioso que inspirou a obra de Euclides da Cunha - os Sertões - no sítio Passagem das Pedras, às margens do riacho São Domingos, pedaço de terra desmembrado da fazenda Ingazeira, em Vila Bela, atualmente município de Serra Talhada/PE. Era o terceiro filho do casal José Ferreira da Silva e Maria Lopes, cuja seqüência, por datas de nascimento, é a seguinte: 1895 - Antonio Ferreira dos Santos; 1896 - Livino Ferreira da Silva; 1897 - ele, Virgulino; 1899 - Virtuosa Ferreira; 1902 João Ferreira dos Santos (o único dos homens que não entrou para o cangaço); ???? - Angélica Ferreira; 1908 - Ezequiel Ferreira; 1910 - Maria Ferreira (conhecida como Mocinha); 1912 - Anália Ferreira.
Todos os filhos do casal nasceram nesse mesmo sítio, que ficava a uns 200 metros da casa de dona Jacosa Vieira do Nascimento e Manoel Pedro Lopes, avós maternos de Virgulino. Por causa dessa proximidade o menino residiu com eles durante grande parte de sua infância. Seus avós paternos eram Antonio Ferreira dos Santos Barros e Maria Francisca da Chaga, que residiam no sítio Baixa Verde, na região de Triunfo, em Pernambuco. Teve uma infância normal e igual a qualquer outra criança da época, correndo com frivolidade à beira do riacho perto de sua casa, de águas e correnteza mansas, brincando com a meninada de cangaceiros e soldados (usando bodoques e balas de carrapateira como equipamentos de guerra).
Os “bandos” se dividiam em ataques simulados: soldados de um lado e bandidos do outro, fazendo-se uma guerrilha entre “mocinhos e bandidos”. Por esse tempo, a notícia da existência do cangaço já havia chegado a todas os bibocas e, por esta razão, as crianças eram in-fluenciava na pratica dessa brincadeira. A meninada se divertia a valer nesses conchavos de traquinagem, sem que jamais pudesse imaginar que daquele meio sairia, algum tempo mais tarde, o maior de todos os cangaceiros que já existiram.
Quando ia passarinhar, a criançada fazia bala de barro para o bodoque, barro esse retirado das beiradas do rio, que dava um massapê visguento e resistente depois de seco ao sol. Nessa brincadeira de “cangaceiro e soldados” queria sempre ser o maior: o chefe dos soldados, para enfrentar os bandidos. E, quando capturava algum da turma contrária, amarrava-no numa árvore bem seguro. Nisso foi crescendo e, quando já era quase rapaz, deixando o bodoque de lado, foi à escola onde apenas passou pelo aprendizado das primeiras letras, tendo como professores “seu” Domingos Soriano e Justino de Nenéu. 
Freqüentou as aulas durante o curto período de três meses, mas pelo menos aprendeu a ler e escrever, o que viria lhe servir no futuro. Teria sido simplesmente um artesão de couro (fazedor de alpercatas, selas, arreios e vestimentas para vaqueiros), profissão que já dominava muito bem, depois de ter-se iniciado como almocreve (assim chamados os que viviam do trabalho de transportar cachaça em barris, rapadura e mel de cabeça no lombo de burros, além de outras mercadorias), se o destino não tivesse mudado o rumo de sua vida, enveredando-o no caminho do crime.
Como tudo começou:
Quando contava apenas 17 anos de idade, acusou seu vizinho de roubar alguns bodes e isso criou uma rixa envolvendo as famílias Nogueira, Saturnino e Ferreira, cujo mais acirrado contendedor era Zé Saturnino. Depois desse acontecimento e sentindo-se perseguido com os seus, o pai de Virgulino, José Ferreira, resolveu abandonar o pequeno sítio onde morava mudando-se com os seus para Água Branca, no alto sertão de Alagoas. Pensava que, com isso, afastar-se-ia da ferrenha intriga. Engano seu, pois seus perseguidores não lhe deram trégua. Dois para três anos depois (1917), José Ferreira – o pai – Maria Lopes – a mãe – e mais dois de seus irmãos menores foram barbaramente assassinados por seus inimigos na porta de casa, no lugar conhecido como Poço Negro, município de Água Branca.
A sede de vingança tomou conta de Virgulino e ele veio a cometer alguns crimes em represália, indo se homiziar no bando de cangaceiros de Sinhô Pereira para se safar da Justiça. Daí por diante foi só uma questão de tempo para se tornar no famigerado bandido que praticava toda sorte de crimes, matando, esfolando e assaltando. Tornara-se no mais temido dos cangaceiros que assustavam os sertões, pelas barbaridades que cometia. Seu bando chegava às cidades como os fora-da-lei dos filmes western amaricanos, fazendo arruaças, barbarizando e metendo medo em tudo que era lugar onde passava. Caso não fosse satisfeito plenamente no que queria, começava uma onda de saques, matanças, incêndios, exterminação de rebanhos, entre outras atrocidades. Arrancava olhos, cortava orelhas e línguas, marcando rostos de mulheres a ferro em brasa – daquelas que estivessem usando vestidos ou cabelos curtos. Mas se fossem bem acatadas as suas ordens, mandava fazer arrasta-pé, onde todos brincavam às vezes por dois ou três dias. O fole de oito baixos não parava de tocar e a cabroeira se divertia ao som do xaxado, que era dança mesmo de cangaceiro. Fole, zabumba, reco-reco e pandeiro, acompanhavam as toadas:
I
“É Lamp, é Lamp, é Lamp,
é Lam, é Lampe é Lampião...
seu nome é Virgulino,
o apelido é Lampião”...
II
“Se entrega corisco,
eu não me entrego não,
eu não sou nenhum passarinho
prá viver lá na prisão...
Ai, ai, meu Deus
Eu não me entrego não
Que não sou nenhum passarinho
Prá viver lá na prisão...”
III
“Acorda, Maria Bonita
acorda, vem fazer café,
que o dia já vem raiando,
  e a polícia já está de pé”...

     Depois, quando o “Capitão” achava que era hora de terminar a festa, ele e todos os seus comandados montavam em seus cavalos e partiam, depois de dar pouco de dinheiro aos pobres, numa atitude de repartir o que tomavam dos endinheirados.
                         Não é gente; é Lampião!...
Era um rapazola ainda quando entrou para o cangaço e, certa feita, ao enfrentar uma volante policial, seu fuzil não parava de cuspir balas, espirrando-as com veemência incessante. Vendo-o manejar com tamanha habilidade a sua arma no meio da noite escura, um soldado deixou escapar: “aquilo lá não é gente e a sua espingarda parece mais um lampião de gás, pela clarera que faz!” Foi a partir daí que Virgulino ganhou o apelido de “Lampião.” Também era conhecido como “capitão” Virgulino. Sua fama correu a grande galope pelo mundo inteiro.     Quando Sinhô Pereira, resolveu “aposentar-se” do Cangaço, em junho de 1922, passou o comando do grupo a seu melhor homem. Então, Lampião o escoltou até a fronteira do Piauí com Goiás (onde hoje fica o Estado de Tocantins). Depois voltou como chefe do bando que se compunha de apenas 12 homens, contando com ele próprio. Como ainda não dispunha de recursos que pudessem sustentar seu pessoal, mandou pedir certa quantia em dinheiro à Dona Joana Vieira de Siqueira Torres, baronesa de Água Branca, para a compra de provisões. Feita a colaboração, ela jamais seria incomodada novamente, nem por ele nem por qualquer um outro do cangaço; teria mandado dizer-lhe.
A Senhora de Água Branca – município ao qual pertencia a Vila de Piranhas – entretanto, não atendeu ao seu pedido e, pior: mandou um recado desaforado pelo mesmo portador endereçado àquele que tentou extorquir de suas posses: “Diga a seu chefe que o dinheiro que tenho é para compra de munição com a qual pretendo arrancar-lhe a cabeça”. Depois, para se prevenir, pediu ao Governo da Província que mandasse reforçar a guarda de seu território com uma força policial mais equipada de homens e armas.
     Ao ouvir do mensageiro o recado da Baronesa, Lampião virou-se numa fera bravia, com vontade de esganar. E logo quis dar o troco: mandou comprar algumas redes e as preparou segundo os costumes locais de carregar mortos, onde um madeiro é colocado de um punho a outro, sendo carregado nos ombros por dois homens robustos. Preparou tudo com esmerado cuidado, seus homens vestindo-se como pessoas comuns do lugar, com roupas simples e chapéu de palha, descalços, ou arrastando sandálias leco-leco. Fuzis, punhais e cartucheiras eram carregados no lugar onde deviam estar os mortos, enrolados em panos untados com groselha para aparentar sangue, dentro das ditas redes. Dirigiram-se esses à porta da delegacia de polícia e, aos berros, um dos cabras, disfarçado, gritou para o soldado de plantão: “acuda, praça! Mande gente lá para as bandas do povoado da Várzea, que a cabroeira de Lampião está acabando com tudo ali; mataram estes daqui e ainda há mais gente morta aos montes. Ande depressa, homem de Deus!”
O despreparado soldado chamou imediatamente o corneteiro, que tocou reunir. Foi o momento propício para a execução do plano de Lampião: as armas foram retirados das redes e empunhadas contra o pelotão policial, que já estava perfilado, pronto para sair à procura dos bandidos. Aí, enquanto a polícia era rendida, outra parte do grupo já havia entrado na cidade e agia no saque à casa da Baronesa. Irreverente, Lampião foi até ela e, fitando-a com severidade, soltou o vozeirão: - Então, Senhora Baronesa, vai arrancar-me a cabeça agora? Venha, vamos dá um volta pela cidade para que vosmecê e todos daqui saibam qui cum o capitão Virgulino não se brinca nem se manda recado desaforado”. E fez a respeitável senhora, dona de notório prestígio público, segurar seu braço e andar assim com ele desfilando pela cidade. – (este foi o primeiro de um sem-número de assaltos cometidos pelo bando de Lampião. Aconteceu em 28/06/1922, poucos dias depois que tinha assumido o comando do grupo de Sinhô Pereira, jovem ainda, aos 25 anos de idade).

CANGAÇO
História completa em três fascículos da obra do mesmo nome. Você pode adquiri-la enviando pedido através do E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Impressão de primeira qualidade, com 48 páginas coloridas e ilustrações de Bezerra Neto (pintura por computador). As últimas capas da revista trazem pequenos pôsteres, que podem ser colocados em quadros.
Tudo por R$ 18,00.

 

 


 Comendador, jornalista , escritor, artista plástico digital. Alagoano, de Palmeira dos Índios, 66 anos. * 39 anos de jornalismo: * Aposentado em 2000, dedica-se atualmente a escrever livros e pintar por meio do computador. Autor dos livros: O Homem no Deserto (2001); ESFINGE – A saga do leão coroado (2001); ZUMBI – o deus negro dos Palmares (2002) e Relevos de Piranhas (NO PRELO), com lançamento previsto ainda para este ano.
Tem um acervo de mais de 8O telas sobre diversos temas, o cangaço é um deles.
Sua última publicação literária é a revista Cangaço em três fascículos. 

 

 

 



 

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