Impressiona a forma de como nos acostumamos a surfar uma onda e depois pular para outra totalmente diferente. Quando as coisas não fazem sentido, é até saudável em algumas ocasiões, porque existem coisas acéfalas que não acrescentam absolutamente nada em forma e conteúdo, mas devemos ficar vigilantes para não cairmos nas armadilhas da sedução fútil e da subliminaridade daquilo que nos fazem ver e ouvir.
Por vezes somos atraídos para um novo conceito de comportamento, estilo, estética e tantos outros apelos. O homem é consumista por essência e aí está o “queijo da ratoeira”, é por aí que podemos nos vender ou sermos vendidos inconscientemente, e termos nossos funcionamentos cognitivos alterados.
A onda do desapego está por aí como tsunami, tem gente se desapegando de tudo, até de livros. Como pode alguém sentir desapego por um livro? O adjetivo está mal empregado, porque só existe desapego onde antes havia apego, mas a propaganda quer vender que nos libertemos do que amamos, desfaçamos daquilo que nos deu prazer, repugnemos o passado e renovemos nossos armários internos com aquilo que amanhã vai sair voando pela janela sem deixar saudades.
Quando nos desfazemos de algo estamos simplesmente limpando as gavetas das coisas que estão ali, mas poderiam estar em outro lugar que não faria a menor falta. Isso não é desapego, é faxina. É como rasgar as contas que foram pagas há mais de cinco anos e encontrar um antigo poema em meio a tinta das máquinas registradoras, a gente o separa para ler e se apegar, enquanto o resto vai para a lixeira, sem culpa.
Desapegar não é se livrar, não pode ser confundido com recomeço e nem com transação financeira. Desapegar talvez tenha algum significado quando a gente perde alguma coisa, mas não esquece, quando somos obrigados a nos despedir de quem nos amou em vida, que foi embora para sempre sem que pudéssemos fazer nada. O desapego é involuntário, profundo e lento como a dor, mas passa, a gente se habitua com a folha em branco e escreve para que a tristeza seja só uma nuvem que o vento logo trata de levar para longe.
Ricardo Mezavila.
Escritor