"Não reconheço na revista veja, nem em nenhum outro órgão de imprensa o status que tem a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo. Não é função da imprensa fazer investigação."
O disparate acima pegaria mal até na boca de um subcarimbador interino. Quando provém de uma presidenta da República, é simplesmente estarrecedor.
Jamais aplaudirei as armações ilimitadas da imprensa golpista para manipular eleições, estimular prisões, assassinar reputações, etc. O vazamento de supostas acusações feitas por Paulo Roberto Costa em seu depoimento de delator premiado à Polícia Federal foi altamente negativo, sob todos os aspectos.
Ainda mais por não termos como aquilatar se pecadilhos estão sendo colocados no mesmo plano de pecados mortais, se quem está sendo denunciado é o que teria cometido delitos mais graves, se quem está sendo poupado não os cometeu também, etc. As possibilidades de manipulação são infinitas.
Bernstein e Woodward erraram ao "fazer investigação"? |
Mas, enquanto governos mentirem desbragada e desavergonhadamente como fazem na atualidade, a imprensa tem, sim, a função de fazer investigação, tentando obter informações que deveriam estar disponíveis para o cidadão comum, mas não estão.
Será que a presidenta apagou da memória da enorme contribuição dada pela imprensa na investigação dos crimes da ditadura militar? Ousaria a Dilma afirmar que, nesses episódios, a imprensa estava errada em tentar averiguar o que realmente ocorrera e a Polícia Federal, o Ministério Público e o STF não conseguiam ou não queriam esclarecer?
E o Caso Watergate? E o esquema de espionagem exposto pelo Wikileaks, atingindo até a própria presidenta, não deveria ter sido investigado por quem não estava oficialmente autorizado a o fazer?
Não, Dilma, a luta pela transparência continuará sendo vital enquanto não extirparmos os abusos de poder por parte das autoridades de todos os escalões. E nada indica que estejamos próximos deste objetivo.
Até lá, mais vale que cada um procure cumprir o melhor que puder seu papel:
- a imprensa, tentando descobrir o que os governos preferem manter em segredo; e
- os governos, tentando evitar que seus segredos vazem.
Quando a imprensa agir de forma irresponsável, prejudicando inquéritos, injustiçando personagens, fabricando booms, derrubando cotações com base em falsidades, etc., há caminhos legais para que os culpados sejam punidos. O que não se pode é pretender controlar a imprensa como um todo, não reconhecendo à veja e a "nenhum outro órgão de imprensa" o direito de investigar, por conta própria e com as ferramentas do jornalismo, o que estiver sendo investigado noutra ótica pela PF, os promotores e o STF.
Uma das facetas mais assustadoras de Dilma é sua incapacidade de refletir sobre tais questões com uma visão abrangente. Como os mais tacanhos torcedores de futebol, ela só leva em conta se o seu time foi prejudicado ou beneficiado. Deveria ter aprendido há muito que precisamos sempre buscar o equilíbrio, criando e aplicando regras satisfatórias em todos os (ou, pelo menos, na maioria dos) casos, não as que melhor convenham a nossos interesses específicos num determinado caso.
Muitos companheiros poderiam ter sido salvos da morte e de suplícios dantescos caso a imprensa não estivesse sendo censurada e intimidada pela ditadura militar. E, mesmo sob o pior terrorismo de estado que o Brasil já conheceu, houve bravos jornalistas que correram o risco de investigar o que aqueles governos queriam manter sob sigilo extremo e eterno.
Por mais que deploremos as práticas jornalísticas da veja, nós, os veteranos da resistência à ditadura, somos os últimos de quem se possam aceitar declarações autoritárias como a que Dilma deu. Terá esquecido tão completamente tudo que viveu e sofreu?
Por Celso Lungaretti, no seu blogue.