Já pensaram nisto aqui com o triplo de público?! Pois é... |
A Bienal Internacional do Livro de São Paulo tinha gente saindo pelo ladrão neste sábado (30), véspera do encerramento.
O espaço é insuficiente para um evento de tal porte; as ruas eram estreitas e a circulação, dificultada ainda mais pela existência de vários pontos de engarrafamento; os estandes não tinham número, embora os procurássemos pelo dito cujo que as editoras haviam anunciado e a imprensa publicado; o transporte gratuito a partir da estação do metrô não dava conta da demanda e a fila foi se tornando quilométrica; minha esposa passou quase uma hora tentando adquirir ingresso, sua vez nunca chegava e ela acabou desistindo.... Enfim, foi o horror, o horror!
Como eu assumira o compromisso de estar presente para receber os visitantes juntamente com a Adriana Tanese Nogueira, aproveitei minhas prerrogativas de idoso para entrar com menos sufoco. Até chegar ao estande, contudo, sofri pisões, encontrões e atentados à minha paciência, que resistiu bravamente. Mas, quero ser mico de circo se colocarei o pé em qualquer edição futura, enquanto não a transferirem para local mais apropriado. O corvo disse: nunca mais!
A FAMÍLIA EM PRIMEIRO LUGAR
A luta foi heroica, mas isto não nos exime das autocríticas. |
Dos veteranos da VPR, só estávamos lá eu e o Mário de Freitas. O Antônio Nogueira da Silva Filho deve ter-se perdido no pandemônio, pois ia para lá, mas lá não chegou na hora prevista. Enfim, entre nossas lembranças e o que a Adriana apurou para escrever o livro Acorda, amor (vide aqui), deu para trocarmos muitas reminiscências. Nós, velhos guerreiros, adoramos uma boa hora da saudade...
Para fechar esta série, esclareço que o Nogueira, como aliado da VPR, participou em 1969 dos encaminhamentos para implantação de uma área de treinamento guerrilheiro em Goiás, onde, depois se decidiu, ele próprio deveria ser treinado para integrar a futura guerrilha.
Refletindo melhor, resolveu que a responsabilidade para com a esposa e três filhos vinha em primeiro lugar. Então, comunicou à VPR que não participaria da guerrilha, mas estava disposto a permanecer na área durante todo o período de treinamento, a fim de não se tornar um risco para a segurança do projeto. Quando a área perdesse a utilidade e fosse abandonada, ele se desligaria da Organização.
Por que sua sensata proposta não foi aceita? Provavelmente, porque a VPR já teria desistido da área em Goiás, preferindo a de Registro (SP), onde a rede de apoio estaria bem mais próxima.
Então, a O. reagiu muito mal: simplesmente o submeteu a um tribunal revolucionário in absentia e dois dos juízes decidiram expulsá-lo, enquanto o terceiro, voto vencido, preferia o justiçamento.
Tribunal revolucionário, quem merecia era o cabo Anselmo! |
Todos os militantes receberam a ata do julgamento, da qual o Nogueira só tomou conhecimento por camaradagem do saudoso José Raimundo da Costa, o Moisés (segundo o condenado, o relato distorceu muito o que ocorrera, para o desqualificar e vilificar, erigindo-o em mau exemplo que ninguém deveria seguir).
ABANDONADO À PRÓPRIA SORTE
Pior: todos os que tinham contato orgânico com ele, foram orientados a não cobrirem os pontos. Os recados que o Nogueira deixou numa caixa de correio da VPR ficaram sem resposta. Nem mesmo da expulsão teria sido comunicado, caso não houvesse se encontrado casualmente com o Moisés. E nenhuma ajuda lhe foi dada para sair do Brasil, mesmo já sendo perseguido pela repressão.
[O mesmo tratamento recebeu Massafumi Yoshinaga quando se desligou da VPR. Embora sua passagem pela O. o tivesse tornado procuradíssimo pelo DOI-Codi, não recebeu nem auxílio financeiro, nem nenhuma ajuda para deixar o País, acabando por se tornar praticamente um mendigo a dormir nas barracas do Mercado Municipal. Isto em muito contribuiu para sua decisão de entregar-se e servir como trunfo propagandístico para a ditadura.]
Também com o Bacuri (Eduardo Leite) o Nogueira cruzou, recebendo outras informações chocantes sobre o julgamento. Explica-se: por mais que isto fosse desaconselhável e perigoso, acostumávamo-nos a marcar os pontos em certos locais da cidade, então um descontatado às vezes reencontrava por aí o fio da meada.
Com muita dificuldade, o Nogueira acabou conseguindo deixar o país e juntar-se à família na Itália. Também sem conhecimento da O., o Moisés lhe cedeu um passaporte em branco, para facilitar sua fuga.
REVOLUCIONÁRIOS OU AVESTRUZES?
O Projeto Orvil (o chamado livro negro da repressão, montado com as informações dos inquéritos policiais-militares e com aqueles arquivos secretos dos torturadores que só o governo não consegue achar... ) aponta como juízes do tribunal revolucionário o Carlos Alberto Soares de Freitas, o Ladislau Dowbor... e eu!
O primeiro foi assassinado pelos gorilas em 1971; o Ladislau hoje é um doutor em Ciências Econômicas que se distanciou por completo do seu passado de militante e dirigente revolucionário; e, na última vez que tive notícias daquele que Nogueira considera o principal responsável por sua desgraça, o Mário Japa (Chizuo Osava), ele estava casado com a Maria do Carmo Brito, morava no RJ e era correspondente de uma agência noticiosa estrangeira.
O lançamento de Acorda, amor dá, aos que podem apresentar o outro lado deste episódio, uma boa oportunidade para o fazerem. Afinal, 45 anos depois, só o que nos resta é contribuirmos para que a História registre a versão correta dos acontecimentos, doa a quem doer (inclusive a nós mesmos, se for o caso). A verdade é revolucionária!!!
Eu, p. ex., detesto ser envolvido num episódio do qual não participei e nem sequer tomei conhecimento na época. Dos três juízes --ninguém garante que os outros dois nomes não sejam igualmente incorretos--, os que porventura estejam vivos poderiam muito bem dar-se a conhecer, assumindo o papel que representaram e o justificando ou por ele se desculpando. O Chizuo, idem.
* jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com