A teoria da igualdade segundo Ronald Dworkin – Quarta Parte

Justiça Distributiva: Perspectivas e Concepções

Capítulo VII
A teoria da igualdade segundo Ronald Dworkin – Quarta Parte (Teorias do Êxito)

Igualdade de êxito pessoal

Dworkin divide o êxito em “relativo” e “total”.

Êxito relativo

O “êxito relativo” é considerado a forma mais restrita de igualdade de êxito, a qual requer que a distribuição se arranje de modo que as pessoas sejam tão iguais quanto à distribuição possa fazê-la no grau de realização das preferências de cada pessoa com relação a sua própria vida e circunstâncias. Esse conceito de igualdade de bem-estar pressupõe uma teoria especial, porém plausível, de psicologia filosófica. Supõe que as pessoas sejam agentes ativos que distinguem entre êxito e fracasso ao fazer as escolhas ou tomar as decisões que lhes estão pessoalmente disponíveis, por um lado, e sua aprovação ou desaprovação total do mundo em geral, por outro, e procuram tornar sua própria vida o mais valiosa possível segundo sua própria concepção do que torna a vida melhor ou pior, embora reconhecendo, talvez, restrições morais ao perseguir esta meta e as demais concorrentes oriundas de suas preferências impessoais.

As pessoas fazem suas opções, relativas a que tipo de vida levarão, recorrendo, grosso modo, a hipóteses sobre o tipo e a quantidade de recursos que terão disponíveis para levar diversos tipos de vida. Consideram este ponto de fundo em conta ao decidir quanto ao tipo de experiência, relações pessoais ou realizações de determinado caráter devem sacrificar em troca de experiências, relações pessoais ou realizações de outro caráter. Portanto, precisam de alguma ideia sobre quais recursos estarão à disposição em diversas alternativas para poder elaborar algo semelhante ao plano de vida, do tipo que esse conceito restrito de igualdade de êxito presume que já tenham elaborado, pelo menos aproximadamente. Alguns desses recursos são naturais: as pessoas precisam fazer suposições acerca de quanto tempo viverão, saúde, talentos e capacidades, e compará-las com as de outras pessoas. Contudo, também precisam formular hipóteses sobre os tipos exatos de recursos que a sociedade lhe reservaria sob qualquer esquema de igualdade de bem-estar: prosperidade, oportunidades etc. Mas se alguém precisar de alguma ideia de quais riquezas e oportunidades lhe estarão disponíveis em determinado modo de vida antes de o escolher, então o esquema de distribuição de riquezas não pode simplesmente medir o que a pessoa deve receber calculando as despesas da vida que escolheu.

Imaginemos uma sociedade na qual as pessoas possuam de fato recursos iguais. Descobre-se que alguns estão muito mais satisfeitos que outros com o modo como estão vivendo. Assim, retiram-se recursos de alguns para dar a outros, em um esquema de tentativa e erro, até chegar ao ponto em que, se as pessoas estão totalmente informadas sobre os fatos de sua situação, e pergunta-se a cada uma delas se acham que realizaram seus planos dado o nível de recursos de que dispõem, todas indicam mais ou menos o mesmo grau de êxito.

Cada pessoa dá valores diferentes ao êxito e ao fracasso pessoal, não só quando comparados a suas convicções morais e políticas e a suas metas impessoais, mas simplesmente como parte de suas circunstâncias ou de sua situação pessoal. Para Dworkin, as pessoas escolhem planos ou esquemas conforme o cenário de recursos naturais e físicos de que dispõem, em virtude dos quais têm metas distintas e fazem escolhas distintas. Preferem uma ocupação ou emprego a outro, vivem em uma comunidade e não em outra, procuram um tipo de amor ou amizade, identificam-se com um grupo ou conjunto de grupos, desenvolvem um rol de habilidades, praticam um conjunto de hobbies ou interesses etc. Certamente, mesmo aquelas pessoas que mais se aproximam do ideal desse modelo não fazem todas essas escolhas de maneira deliberada à luz de algum esquema geral, e talvez nenhuma dessas escolhas seja deliberada. Sorte, oportunidade e hábito terão papeis importantes. Porém, depois de fazer as escolhas, essas pessoas definem um conjunto de preferências, e podemos perguntar até que ponto alguém teve êxito ou fracassou na realização d as preferências que definiu. Isso, segundo ressalta Dworkin, é a questão de seu êxito relativo – seu êxito na realização de metas distintas que definiu para si.

Mas as pessoas fazem essas escolhas, formam essas preferências, à luz de uma aspiração diferente e mais abrangente, a aspiração de fazer algo de valor da única vida que têm para viver.

As preferências representam o resultado de uma decisão, de um processo de realizar o que a pessoa quer de mais concreto. Porém a aspiração de encontrar valor na vida não é uma escolha entre outras alternativas, pois não há uma alternativa no sentido ordinário. A aspiração não gera planos mais concretos; é simplesmente a condição para se ter qualquer plano. Depois de escolher um esquema, mesmo que provisório ou parcial, para a própria vida, depois de definidas dessa forma as preferências distintas, a pessoa pode avaliar seu próprio êxito relativo de maneira razoavelmente mecânica, comparando sua situação com tal esquema. No entanto, não pode dizer se sua vida teve êxito ou fracassou na procura de valor apenas comparando suas realizações com qualquer meta definida dessa forma. Deve avaliar a própria vida como um todo para descobrir o valor que tem, e esse é um juízo que deve conter convicções que, por mais inarticuladas e por mais que a pessoa relute em confessá-las inarticuladas, são mais bem descritas como convicções filosóficas sobre o que pode dar significado ou valor a qualquer vida humana. Dworkin chama o valor que alguém atribui dessa forma à própria vida de “juízo do êxito total” dessa vida.

Há discordância com relação à importância do êxito relativo na realização do êxito total. Uma pessoa pode pensar que o fato de ter probabilidade de grande êxito em determinada carreira (ou caso amoroso, ou esporte, ou outra atividade) conta muito a favor de sua escolha. Se não tiver certeza se quer ser artista ou advogado, mas acredita que seria um advogado brilhante ou apenas um bom artista, talvez considere essa ponderação decisiva para a escolha da advocacia. Outra pessoa pode atribuir peso bem menor ao êxito relativo. Poderia, nas mesmas circunstâncias, preferir ser bom artista a ser um advogado brilhante, pois acha que a arte é muito mais importante do que qualquer coisa que os advogados façam.

Sob esse aspecto, para Dworkin, o bem-estar é o que realmente importa para as pessoas, ao contrário do dinheiro e dos bens, que só lhes importam instrumentalmente, contanto que sejam úteis para a produção de bem-estar. A igualdade de bem-estar propõe igualar as pessoas no que é real e fundamentalmente importante para todos.

Nesse conceito, dá-se ao dinheiro a um e não a outro, ou se tira de um para dar a outro, a fim de alcançar a igualdade em um aspecto que alguns valorizam mais que outros e alguns valorizam muito pouco, à custa da desigualdade no que alguns valorizam mais. Uma pessoa de talentos bem limitados poderia escolher uma vida bem limitada, na qual suas possibilidades de êxito sejam grandes porque é muito importante ter êxito em algo. Outra pessoa escolhe metas quase impossíveis porque, para ela, o importante é o desafio. A igualdade de êxito relativo se propõe a distribuir recursos – talvez muito poucos para o primeiro desses dois e muito mais para o segundo – de modo que cada um tenha oportunidades iguais de êxito na realização dessas metas bem distintas.

Talvez algumas pessoas – as portadoras de deficiências graves – sofram tantas restrições quanto ao que podem fazer que precisam escolher para serem capazes de ter o mínimo de êxito em algo. Contudo, relativamente ao que teria êxito em realizar, a maioria deveria desejar a mais.

Êxito total

Devemos distinguir o juízo que a pessoa faz de seu próprio êxito (ou preferimos, o juízo que faria se estivesse completamente informada dos tipos comuns de fatos pertinentes) do juízo objetivo de quanto êxito total ela de fato alcançou. O juízo da própria pessoa (mesmo que completamente informada sobre os fatos) expressará suas próprias convicções filosóficas sobre o que dá valor à vida, e essas deve ser, do ponto de vista do juízo objetivo, confusas ou imprecisas, ou simplesmente erradas. Dworkin pressupõe aqui que a igualdade de êxito total significa igualdade no êxito total das pessoas conforme julgado por elas mesmas, da perspectivas, talvez, de suas próprias crenças filosóficas divergentes.

Distinguindo a questão do valor que alguém crê ter sua própria vida, como um todo, da questão de quanto esse alguém deseja que sua vida continue. São, com certeza, assuntos diferentes. Algumas pessoas decerto desejam o fim da própria vida, ou são quase indiferentes quanto a sua continuidade, pois a consideram um fracasso. Outras desejam morrer só porque acham que tiveram uma vida brilhante demais para manchá-la com um lento declínio. E outras acham que a vida bem-sucedida pode tornar-se ainda mais bem-sucedida com o recurso oportuno ao suicídio como ato de criatividade. Isto é, as pessoas podem querer pôr fim a uma vida da qual se orgulham. Podem dizer, pelo menos, que se alguém deseja morrer deve considerar a vida futura que teria como uma vida de pouco ou nenhum valor? Isso certamente será verdade na maioria dos casos, mas segundo Dworkin, a conexão é contingente. Essa pessoa pode simplesmente achar que, embora sua vida futura viesse a ser muito bem-sucedida, sua vida inteira o seria mais ainda se terminasse agora. Também não se conclui que se alguém deseja continuar vivendo por longo tempo é porque acha sua vida bem-sucedida, ou ao menos que sua vida futura o será mais ainda. Essa pessoa pode, pelo contrário, querer uma vida mais longa porque acha que sua vida não teve êxito, porque precisa de mais tempo para fazer algo que valha a pena, embora seja mais provável que simplesmente tenha medo de morrer. As preferências quanto à duração da própria vida são apenas preferências, do mesmo modo que escolhas de empregos e amores, definidas como partes do exercício, predominante de decidir qual vida, dado o cenário de hipóteses quanto aos recursos, seria a mais valiosa no fim das contas. Não são, em si, juízo de êxito ou fracasso total.

Às vezes dizemos que determinada pessoa dá pouco valor à própria vida quando queremos dizer, não que ela não se orgulhe da vida que tem ou terá, mas pelo contrário, que dá pouco valor a essa vida em comparação ao valor que dá a seu dever ou á vida de outrem. No entanto, estamos agora analisando outra coisa: não o valor que alguém dá à própria vida em comparação com seus valores morais ou impessoais, mas ao valor que dá a essa vida como parte da análise de sua própria situação.

Distinguir o juízo de alguém sobre o valor de qualquer vida humana (ou, de fato, da vida humana em geral) para o universo como um todo, do juízo interior de tal pessoa, do ponto de vista de alguém encarregado de fazer da própria vida algo de valor. Ou a pessoa pode querer distinguir o juízo que outra pessoa faz de seu êxito naquela missão, dados seus talentos e oportunidades, de seu juízo a respeito de se foi bom para ela ter tido os talentos, as oportunidades e as convicções que fizeram dela a pessoa cuja vida teria o maior valor possível ao ser vivida daquela forma.

Diferenças de juízo no tocante a estar a vida indo bem ou mal só são diferenças na própria vida, e não simples diferenças em suas crenças, apenas quando são diferenças não em fantasia ou convicção, mas em realização, que é, acredito, uma questão de avaliar o êxito ou o fracasso individual fazendo uma comparação com algum modelo de  como deveria ter sido,e não de como talvez pudesse ter sido. Quanto mais essas pessoas possam razoavelmente lamentar que não tenham feito algo na vida, menor será o êxito total de sua vida.

Qualquer teoria de igualdade de êxito total que não torne fundamental a ideia de lamentar-se razoavelmente (ou alguma ideia semelhante) é irrelevante para uma teoria sensata da igualdade de distribuição. Para Dworkin, não se pode usar a igualdade de êxito total para justificar ou constituir uma teoria da distribuição justa. Não se pode estabelecer de modo algum a igualdade de êxito total como ideal atraente sem tornar central a ideia da lastima razoável. Todavia, essa ideia requer uma teoria independente das parcelas justas de recursos sociais (essa poderia ser, por exemplo, a teoria de que todos têm direito a uma parcela igual dos recursos) que contradiria a igualdade de êxito total, não apenas em alguns casos, mas completamente.

Ronald Dworkin dá um exemplo com um hipotético indivíduo chamado Jack e diz:

 No teste proposto, devemos perguntar a Jack (ou a nós mesmos, a partir daquela perspectiva) até que ponto a vida que ele leva agora deixa de alcançar a vida que levaria se tivesse (entre outras coisas) a quantidade de recursos que o faria, caso os tivesse, lamentar-se razoavelmente no mesmo nível que outros se lamentariam.

 Finaliza: até que ponto cada um considera a própria vida menos bem-sucedida do que a melhor vida que poderia ter, se os recursos fossem compartilhados igualmente na sociedade.

A partir daí, Ronald Dworkin discute questões como, entre as mais importantes nesse mesmo contexto, a Igualdade de Distribuição e Teorias Objetivas de do Bem-Estar.

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