A teoria da igualdade segundo Ronald Dworkin: Teorias do Êxito

Justiça Distributiva: Perspectivas e Concepções

Capítulo VII
A teoria da igualdade segundo Ronald Dworkin – Terceira Parte (Teorias do Êxito)

Preferências políticas

Se qualquer sociedade se dedicasse a alcançar qualquer versão da igualdade de êxito (ou de satisfação), realizaria, na melhor das hipóteses, um serviço tosco, e só poderia ter uma ideia tosca de seu próprio progresso. Algumas diferenças no êxito estariam além do alcance da ação política, e algumas só poderiam ser eliminadas por condutas que custariam caro demais para outros valores. A igualdade de bem-estar assim definida só poderia ser aceita como ideal de igualdade, a ser usada como modelo para decidir quais dos diversos arranjos políticos práticos pareceriam mais ou menos passíveis de promover tal ideal integralmente, como uma questão de tendência antecedente.

Devemos perceber uma dificuldade inicial na aplicação desse conceito de igualdade em uma comunidade em que algumas pessoas afirmam, como preferência política, exatamente a mesma teoria. As autoridades somente saberiam se as preferências políticas dessas pessoas foram satisfeitas quando soubessem que sua distribuição satisfaz igualmente às preferências de todos, inclusive as políticas, e há risco de se cair em um círculo. No entanto, suporei que seria possível alcançar a igualdade de bem-estar, assim definida, por meio de tentativa e erro. Os recursos poderiam ser distribuídos e redistribuídos até que todos declarassem que a igualdade de êxito foi atingida em seu conceito mais amplo.

No entanto, também devemos perceber mais um dificuldade inicial: que talvez fosse impossível alcançar um grau razoável de igualdade nessa concepção, mesmo recorrendo a métodos de tentativa e erro, em uma comunidade cujos membros defendessem teorias políticas muito diferentes e radicais com relação à justiça distributiva, pois, qualquer que fosse a distribuição de bens que formulássemos, haveria algum grupo profundamente insatisfeito com sua própria situação, ao passo que outros talvez ficassem bem satisfeitos por serem partidários de teorias políticas que aprovassem o resultado. Porém, já que proponho ignorar dificuldades práticas ou contingentes, podemos supor que uma sociedade na qual é possível alcançar uma igualdade aproximada na quantidade de preferências irrestritas satisfeitas, isto é, êxito quase igualitário nesse conceito amplo, seja porque quase todos apoiam as mesmas teorias políticas, ou porque, embora discordem, a insatisfação de qualquer um com determinada solução em termos políticos poderia ser compensada pelo favoritismo em sua situação pessoal, sem gerar antagonismo suficiente em outros a ponto de derrotar por esse motivo a igualdade assim concebida.

Esta última possibilidade – de que as pessoas derrotadas em virtude da rejeição de suas teorias políticas poderiam receber em compensação mais bens para si – torna esse conceito de bem-estar, porém, imediatamente desestimulante. Mesmo pessoas atraídas por outros aspectos da ideia de igualdade de bem-estar, em qualquer de suas concepções, talvez não desejassem que seus ganhos ou perdas em bem-estar fossem atribuíveis a preconceito racial, por exemplo. Portanto, presumo que quasee todos gostariam de qualificar a igualdade de êxito estipulado, pelo menos, que um intolerante não deveria ter mais bens que outros, só porque ele desaprovaria uma situação na qual os negros percebessem tanto quanto os brancos a não ser que sua própria situação fosse suficientemente favorecida para compensar a diferença.

A boa sociedade é aquela que trata a concepção de igualdade endossada pela sociedade, não apenas como uma preferência que algumas pessoas possam ter, e portanto como fonte de realização que possa ser negada a outros e que deve ser, então, compensada de outras maneiras, mas como uma questão de justiça que deve ser aceita por todos porque está certa. Tal sociedade não vai compensar ninguém por ter preferências que suas instituições políticas fundamentais declarem equivocadas. Nesse sentido, segundo Dworkin, temos então, bons motivos para rejeitar a concepção irrestrita de igualdade de êxito, eliminando do cálculo do êxito comparativo as preferências políticas tanto formais quanto informais, pelo menos para comunidades cujos membros tenham divergências nessas preferências políticas, isto é, para que todas as comunidades reais das quais venhamos a tratar.

Dworkin, entretanto, entende razoável analisar se devemos também rejeitar essa concepção para todas as outras comunidades. Imaginemos uma comunidade na qual o povo tenha, em geral, as mesmas preferências políticas. Se essas preferências em comum aprovam a igualdade de êxito, nela incluindo o êxito nas preferências políticas, então essa teoria, para todas as finalidades práticas, resume-se a uma teoria mais restrita de que as pessoas devem ter êxito igual em suas preferências apolíticas. Pois, caso se chegue a uma distribuição à qual todos aprovam de maneira geral, e a força das convicções políticas individuais, expressa no juízo de cada um sobre quão bem a endossa, é simplesmente aprovar o resultado porque todas as outras pessoas pensam da mesma forma, então a distribuição deve ser tal que cada pessoa considere suas próprias preferências pessoais e impessoais também igualmente realizadas. Suponhamos que Artur esteja menos satisfeito com sua situação pessoal e impessoal do que Bete. Artur pode não ter, por hipótese, nenhuma teoria ou postura política que justifique ou requeira uma distribuição com a qual ele esteja dessa forma menos satisfeito do que Bete; logo, Artur pode não ter motivo para considerar da mesma maneira que Bete a distribuição com tanta aprovação geral, combinando avaliações políticas, impessoais e pessoais.

Suponhamos que a teoria política compartilhada não seja o ideal de igualdade de aprovação geral, mas alguma outra teoria não-igualitária que oferecesse tal motivo. Imaginemos que todos aceitem uma teoria de castas, de modo que, embora Amartya (exemplo provocativo de Dworkin, fazendo uma crítica indireta a Amartya Sem) seja um tanto mais pobre que as outras pessoas, a distribuição deixe todas as suas preferências igualmente satisfeitas porque ele crê que, sendo membro de sua casta inferior, deve receber menos, de modo que suas preferências, no todo, estariam menos satisfeitos se recebessem mais. Bimal, de uma casta superior, também estaria menos satisfeito em geral se Amartya recebesse mais. Nessa situação, a igualdade de êxito irrestrita recomenda uma distribuição que nenhuma outra concepção de igualdade de bem-estar recomendaria. Mas é inaceitável por esse mesmo motivo. Um sistema político não-igualitário não se torna justo simplesmente porque todos acreditam equivocadamente que é justo.

A igualdade de êxito restrita só é aceitável quando as preferências políticas das pessoas são bem fundadas, e não apenas quando são populares, o que significa, é claro, que no fundo é um ideal vazio, que só tem utilidade quando endossa uma distribuição que já se mostrou justa independentemente, por meio de alguma concepção mais restrita de igualdade de êxito ou por intermédio de algum outro ideal político.

Preferências impessoais

A igualdade claramente não requer que todos sejam iguais, mesmo quando a distribuição seja capaz de fazê-lo, a ponto de realizarem todas as suas esperanças não-políticas.

A igualdade não requer que se tirem verbas de outros, com esperanças mais fáceis de realização, e que sejam transferidas para alguém, de modo que este possa, ao satisfazer suas preferências, reduzir a desigualdade geral à medida que suas preferências não-políticas sejam satisfeitas.

Alguma preferência impessoal deveria ser poupada da restrição adicional que isso sugere? Pode-se dizer que as diversas preferências impessoais que foram utilizadas como exemplo, são todas sonhos impossíveis ou, de qualquer forma, sonhos que o governo nada pode fazer para realizar. Mas não sabemos por que isso importa. Se é justo aspirar a diminuir a desigualdade em decepções em todas as metas ou preferências não-políticas, então o governo deve fazer o que puder nessa direção.

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