Eu pensava que estava no Éden, mas não; estava embaixo de um pé de carambolas. Que coisa linda! Você já se sentou sob uma caramboleira? Quando olhei para o chão, lá estavam elas, madurinhas, caídas do pé, todas amarelinhas. Não conseguia acreditar que estava com tanta sorte. Sentar bem ali, quando o clube é tão grande... Sombra fresquinha, tranquilidade, e a companhia dos passarinhos que ora vinham para cantar ora para saciar a fome. Evidentemente não resisti e acabei experimentando uma. Aquele gostinho azedo e doce misturado. Tudo divino. Acho que viajei por alguns instantes. Olhei para cima, e o pé estava literalmente carregado de carambolas. Pelo ar, sentia-se o perfume da fruta. Cheiro da infância que os anos não trazem mais.
Nunca havia reparado que as carambolas se aglomeram em pencas. Havia dezenas delas, repletas de frutos. Davam a ideia de uma grande família. Umas bem maduras, outras amadurecendo, algumas verdes ainda. Inevitável não compará-las à nossa vida. Olhando para cima eu via famílias inteiras, unidas e, paulatinamente com o amadurecimento, o desprendimento de algum fruto.
Quando alguém se vai, fica uma lacuna no espaço que ocupava em nossa vida. Olhamos em volta e nada vemos, pois essa pessoa já não se encontra no mesmo lugar de antes. Ocupa local diverso, que muitas vezes não conseguimos imaginar, pois simplesmente não enxergamos. Olhem as carambolas. Num momento estão todas juntinhas, lá na copa da árvore, e, de repente, uma delas se desprende. Cai ao solo. Sai do campo de visão das outras carambolas. Ela não deixou de existir, apenas não está mais junto dos seus. Em contato com a terra se transforma, desindividualiza-se, assume novas características. Ela não desaparece; apenas se modifica.
Para os frutos que continuam no pé, surge a sensação de abandono, mas não é isso em absoluto o que ocorreu. A vida tem o seu ciclo. Enquanto uma carambola pende e cai, outra floresce, brota. A lembrança da que caiu nos entristece e faz perceber que seguiremos o mesmo caminho. É impressionante como com tantas lições ainda não aprendemos que temos de viver hoje, pois é tudo o que temos. Olhar para trás deve servir apenas para evitar que cometamos os mesmos erros; e olhar para frente deve assegurar que não nos esqueçamos do principal: viver é amar e estar a serviço. Despersonalizando-nos, somos húmus aos demais, e asseguramos a vida eterna. Afinal, não é essa a função da carambola que caiu do pé: tornar-se húmus e perpetuar-se através do serviço que presta às demais?
O que você faz? Chora a perda dos entes queridos ou agradece a Deus a oportunidade que teve de partilhar momentos enquanto estavam todos no mesmo galho? Existem muitas carambolas à sua volta neste mesmo instante. Que tal voltar sua atenção para elas? Um dia todos nós feneceremos de igual forma. Levaremos apenas a nós mesmos, nosso interior, e a satisfação ou arrependimento pelas obras que praticamos. É sempre bom sermos inteligentes, fazendo uma boa escolha. Ao cair do pé, teremos a certeza de que cumprimos a nossa missão junto aos demais. Ninguém está livre de grandes perdas, mas podemos enxergá-las sob uma ótica diferente. Com certeza, doerão menos. E viva a caramboleira!
Maria Regina Canhos (e.mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) é escritora.
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