O exemplo clássico da miopia política dos gênios da ciência é o episódio Albert Einstein x bomba atômica.
Em agosto de 1939, cientistas europeus apavorados com a possibilidade de a Alemanha nazista produzir sua bomba convenceram o grande Einstein a enviar uma carta ao presidente Franklin Delano Roosevelt, propondo a criação de um projeto nuclear estadunidense.
Deu no que deu: os nazistas nem sequer chegaram perto de fabricar a deles e os estadunidenses só tiveram os artefatos prontos quando passara a chance de utilizá-los contra a Alemanha.
A morte de Roosevelt colocou a decisão no colo de um presidente medíocre: Harry S. Truman.
Apesar de o Japão estar praticamente derrotado e mantendo contatos sigilosos com os EUA em busca de uma fórmula de rendição que lhe permitisse preservar seu imperador, Truman mandou lançar bombas em Hiroshima e Nagasaki. Cerca de 220 mil seres humanos morreram instantaneamente, e tiveram sorte: pior ainda foi a agonia lenta dos atingidos pela radiação.
Motivo da carnificina: mostrar a Joseph Stalin que, embora o exército soviético fosse imbatível em solo europeu, os EUA tinham como retaliar caso a URSS, no embalo da vitória conquistada contra os alemães, decidisse ampliar suas conquistas territoriais. As bombas, em última análise, serviram para deter o Exército Vermelho.
Um dos mais atrozes genocídios da História foi apenas o recado emitido para um terceiro!
Aprendizes de feiticeiros desastrados, os cientistas que antes haviam considerado justificável confiar uma arma do Juízo Final aos estadunidenses, não se conformaram com a mudança de alvo. Admitiam que a bomba fosse usada contra a Alemanha, mas ficaram horrorizados ante a possibilidade de que servisse para os EUA, covardemente, baterem em bêbados da Ásia.
Não conseguiram, contudo, impedir a monstruosidade. Einstein declarou:
"Eu cometi o maior erro da minha vida, quando assinei a carta ao presidente Roosevelt recomendando que fossem construídas bombas atômicas".
A POLÊMICA QUE O SR. OPUS DEI
NÃO TEM COMO PERDER
Se aquele que é tido como o maior de todos os físicos fez tal lambança, não é de admirar que Rogério Cezar de Cerqueira Leite, um dos maiores físicos brasileiros, também cometa a sua.
Cerqueira Leite: digno, mas desastrado. |
Numa canhestra tentativa de defender o programa Mais Médicos contra ataque do jurista direitista Ives Opus Gandra Dei Martins (vide aqui), ele compara a situação dos doutores cubanos à de cidadãos recrutados para defenderem seu país numa guerra:
"Com frequência, os salários desses soldados são insignificantes. Não obstante, se qualquer um se recusar a servir seu país, será considerado um criminoso".
Alega que o povo cubano foi reduzido à "extrema pobreza" pelo embargo econômico estadunidense, tendo sua principal fonte de renda de outrora, a indústria açucareira, perdido competitividade ("hoje está em frangalhos").
Então, explorar o labor de seus médicos seria uma das principais fontes de renda que restaram:
"Para sobreviver e assegurar insumos vitais, tais como remédios, certos alimentos, combustíveis etc., conta Cuba quase que exclusivamente com a exportação de tabaco (charutos), rum e, intermitentemente, dos serviços prestados pelos seus médicos no exterior".
Duvido que os admiradores brasileiros do regime cubano concordem com o quadro catastrófico pintado por Cerqueira Leite.
Gandra Martins: a voz agourenta do Opus Dei. |
O coitado está tão desconfortável pisando em praia alheia que cai no ridículo de insinuar e, ao mesmo tempo, negar que Gandra Martins esteja contra o programa por preconceitos ideológicos:
"Reduzir a questão do Mais Médicos a uma infringência burocrática ou, pior ainda, a um conflito partidário ou ideológico -o que certamente não é o caso do jurista- é uma indignidade".
Ora, venerável professor, quem sai na chuva é pra se molhar. Se acha que o artigo O neoescravagismo cubano (acesse aqui) teve como motivação maior o antipetismo escrachado de Gandra Martins, afirme-o sem ressalvas e arrisque-se a uma interpelação judicial. Ou nada sugira nas entrelinhas, pois tal subterfúgio, ainda mais sendo tão perceptível, não faz jus ao seu currículo de brilhante cientista e de cidadão exemplar, que resistiu como pôde à ditadura militar.
O pior é que, sendo a contestação tão pífia, Gandra Martins nem sequer precisaria responder -mas, com certeza, não vai desperdiçar a oportunidade de o fazer, deitando e rolando em cima das impropriedades do artigo de Cerqueira Leite.
Pois o fulcro da discussão não é o tratamento que os profissionais cubanos recebem do governo cubano, mas sim se o Brasil pode admitir que tal tratamento, em desacordo com as leis brasileiras, seja estendido para nosso país.
É claro que não! Estrangeiro em solo brasileiro está protegido pelas leis brasileiras, ponto final.
Errou o governo brasileiro ao aceitar imposições do governo cubano em desacordo com nossa legislação trabalhista e com nosso enfoque constitucional dos direitos humanos. E continuará errando se tentar tapar o sol com a peneira, aumentando um tantinho a mesada dos médicos cubanos, ao invés de entregar-lhes o valor total dos seus vencimentos.
Por que o governo cubano faz tanta questão de que a grana lhe seja enviada? Simplesmente por temer que seus soldados, de posse do valor total, não deem a contribuição à pátria que deles se espera.
A verdade, contudo, é que inexiste um estado de guerra declarada, que justificasse a adoção de medidas tão extremas.
E, o principal: o Brasil não tem motivo nenhum para pisar em suas próprias leis em nome de tal esforço bélico.
Este episódio me lembra o de apostadores em cassinos: quanto maior o prejuízo, mais perseveram em suas tentativas de reverter o quadro, até perderem tudo que têm.
O programa Mais Médicos contém ilegalidades flagrantes, que precisam ser imediatamente sanadas, sob pena de sofrer as mais contundentes derrotas nos tribunais.
Defender o que está errado, com toscos argumentos de realpolitik, acaba sendo um desserviço, pois, quanto mais tempo perdurarem as situações equívocas, mais dividendos os inimigos delas extrairão.
É simples assim.