O episódio Diego Costa evidencia mais uma vez a inadequação de Luiz Felipe Scolari para o cargo de técnico da seleção brasileira no Mundial de 2014, pois sua mentalidade futebolística remonta a meio século atrás, parecendo mais um Osvaldo Brandão ou um Yustrich redivivo.
Desde o primeiro momento, venho afirmando que o ultrapassado Felipão fará naufragar o Titanic brasileiro.
Por um motivo simples: o futebol atual depende --e muito!-- da inteligência com que o treinador dispõe as suas peças em campo, visando maximizar o aproveitamento da contribuição que os valores individuais tenham a oferecer para o desempenho coletivo. A estratégia hoje ganha jogos e ganha copas. Então, ficarmos entregues a quem é nulo como estrategista (Felipão) e de quem apenas sabe copiar as estratégias alheias (Carlos Alberto Parreira) nos encaminha diretamente para um novo maracanazo.
Felipão, depois de passar uma década inteira sem conquistas relevantes (o fracasso mais estrondoso foi, à frente da seleção portuguesa, ter conseguido perder a final da Eurocopa, em casa, para a poderosa... Grécia!!!), estava merecidamente no ostracismo, por haver condenado o Palmeiras à série B.
Sua grande virtude de outrora era saber motivar elencos, e até tal dom demonstrou não possuir mais. Quis terceirizar a imposição da disciplina a seus comandados, fazendo chegar às hordas organizadas a relação dos jogadores que abusavam das baladas, para que fossem cobrados pelos ferrabrases com a delicadeza habitual.
Ou seja, seu comportamento, no jargão dos boleiros, foi o de um traíra. E o pior é que a trairagem vazou, tornando insustentável sua permanência no clube, pois boa parte dos atletas passou a rejeitá-lo (claro!). Deixou o Palmeiras em cacos.
Aí, José Maria Marin e suas nostalgias assumiram o comando da CBF. Ele é nostálgico da era Médici, nostálgico de torturadores como o delegado Fleury, nostálgico da xenofobia exacerbada ("o patriotismo é o último refúgio de um canalha", disse Samuel Johnson), nostálgico do futebol do tempo do Onça.
Com ele voltou Felipão. E, com os dois, volta o clima de 1970, de tratar o esporte como uma forma primitiva de afirmação nacional --ainda mais com o Mundial sendo disputado aqui. Dá para adivinharmos quão ensurdecedores serão os batuques tribais no ano que vem...
A ilusória conquista da Copa das Confederações, que nenhuma seleção européia levou a sério, bastou para muitos comentaristas esportivos enfiarem a viola e a lucidez no saco, rendendo-se ao ufanismo dos torcedores. Mas, quem não abdicou do espírito crítico sabe muito bem:
Paulo Nunes pegando Edílson a mando de Felipão |
- que os jogadores espanhóis estavam mais interessados nas curvas das prostitutas do que na bola que rola nos gramados;
- que sofriam com o calor brasileiro, vinham de 120 estafantes minutos contra a Itália e tiveram um dia a menos para recuperar suas energias; e
- que o vitorioso esquema de jogo proposto pelo Parreira e aceito por Felipão foi apenas a cópia exata do que o Bayern utilizou contra o Barcelona na Liga dos Campeões e do que a Itália utilizara três dias antes contra a mesma Espanha.
Mas, o que fará tal dupla quando for surpreendida por inovações contra as quais ninguém tenha encontrado o antídoto? O mesmo que Zagallo em 1974, ao levar aquele vexatório vareio do carrossel holandês?
O técnico alemão Helmut Schön, na partida seguinte, mostrou que era perfeitamente possível parar a Holanda. Mas, para tanto, fazia-se necessário um estrategista de verdade. Não um meia-boca como o Parreira. Muito menos zeros à esquerda como o Zagallo e o Felipão.
ESPORTE OU GUERRA?
Minha outra grande ressalva ao Felipão é quanto à sua visão de mundo e do esporte.
Limitado e raçudo nos tempos em que era zagueiro, ele passou o resto da vida privilegiando a vitória a qualquer preço e encarando o futebol como uma guerra: vale mandar um Paulo Nunes da vida agredir um jogador contrário, como o capetinha Edilson ("Pega! Pega! Pega!"); vale parar os adversários com uma falta leve atrás da outra, não correndo o risco de expulsões, mas evitando que o jogo flua; vale apostar todas as fichas em bolas paradas, praticamente abdicando dos gols resultantes de jogadas trabalhadas, etc.
Outra matreirice da velha guarda é a que acaba de exibir: nunca tendo mostrado real interesse pelo jogador Diego Costa (convocou-o apenas para duas partidas, não lhe concedendo sequer um tempo inteiro para mostrar suas aptidões), tentou de toda forma atrapalhar o plano do atleta do Atlético de Madri, de disputar a Copa pela Espanha, pois tem dupla nacionalidade. Teme, evidentemente, que os campeões do mundo fiquem mais fortes ainda com a presença de um goleador nato.
Chegou até a antecipar a convocação de Diego Costa para novos amistosos. E, quando o jogador não se deixou enganar por seu canto de sereia, soltou todos os cachorros em cima dele:
"Ele está dando as costas para um sonho de milhões, o de representar a nossa seleção pentacampeã em uma Copa do Mundo no Brasil".
Curiosamente, foi a mesmíssima decisão do brasileiro Deco, que aceitou o convite para defender Portugal... sob o comando do Felipão!
Num e noutro caso, a opção parece ter sido pela seleção que permitiria ao jogador estar em campo num Mundial, o grande sonho dos boleiros. Deco nem convocado seria pelo Brasil e Diego Costa, para salvar as aparências, talvez viesse agora a ser chamado como reserva, mas sem nenhuma chance de disputar a vaga com Fred, Jô, Leandro Damião e que tais. Embora seja gritante sua superioridade em relação aos três.
Não consigo imaginar um Pep Guardiola se comportando de maneira tão medíocre como o Felipão, seja quando fez juras de amor insinceras ao Diego Costa, seja quando vomitou sua frustração açulando os brasileiros contra ele e criando um clima negativo para sua participação na Copa. Pensando bem, nem mesmo um José Mourinho desceria tanto.
* jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com