Fiquei tão desencantado que pouco tenho escrito sobre a CNV desde a sua instalação.
No entanto, o que se pode depreender do noticiário tem sido tão deprimente que resolvi fazer, pelo menos aqui no blogue, uma avaliação sincera. Torcendo para que, de alguma forma, ajude na correção de rumos.
Como eu previa, ficou mesmo faltando um membro com vontade de ferro e com a autoridade moral de quem arriscou a vida no bom combate. Se lá estivesse alguém com tal perfil, talvez as disputas de egos não se desencadeassem com tamanha virulência, comprometendo uma missão muitíssimo maior do que as pessoas dela incumbidas.
E, claro, provavelmente haveria reação à altura quando os militares desafiassem a CNV, como fizeram no último mês de fevereiro, quando da morte do coronel Júlio Miguel Molinas, ex-chefe do DOI-Codi do Rio de Janeiro: INVADIRAM sua residência e SEQUESTRARAM seus arquivos secretos, só entregando ao colegiado, posteriormente, aquilo que bem entenderam!!!
Nunca foi tão necessário o chamado murro na mesa, para afirmar a autoridade da CNV. Mas não havia ninguém para o dar.
Ao aparente fracasso em trazer à tona algo além do que já se sabia e de entregar às famílias os restos mortais dos seus entes queridos, soma-se, segundo uma reportagem do jornal da ditabranda (vide aqui), uma perspectiva pouco animadora com relação ao impacto do relatório final.
É que Comissões da Verdade estão brotando como cogumelos, já tendo sido instituídas, pelo menos, 75, "em Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, universidades e até institutos ambientais".
O risco é repetir-se o que aconteceu com os grandes festivais da Música Popular Brasileira dos anos 60: quando, aos que realmente contavam (o da Record e o FIC da Globo), somaram-se dezenas de outros, desde o de música carnavalesca até o de presidiários, a saturação levou ao esvaziamento e ao desinteresse do público.
Essas dezenas de comissões menores deveriam apenas subsidiar a CNV, deixando a divulgação de seus relatórios específicos para depois que a dita cuja já tivesse lançado o ÚNICO com reais chances de repercutir intensamente.
No fundo, a finalidade mais nobre do trabalho ora desenvolvido é a de fazer novos e significativos contingentes se interessarem pelos acontecimentos dos anos de chumbo --primeiro passo para conscientizarem-se de que é imperativo precavermo-nos contra as recaídas na barbárie.
Mas, como a renúncia às satisfações de ego é pouco frequente nesta melancólica sociedade do espetáculo, na qual todos creem ser merecedores de alguns minutinhos de fama, temo que haverá, isto sim, uma competição incessante pelos holofotes.
Daí a importância de que o relatório final da CNV tenha uma redação exemplar: essencializada e capaz de informar com rigor, mas também com emoção. Se for um volume de mil páginas em tipo miúdo, escrito no linguajar árido e distanciado dos scholars, com uma infinidade de minúcias desnecessárias, só será lido por historiadores e pelos familiarizados com o assunto.
Tive boas experiências, no sentido de tornar agradável a leitura de peças de comunicação governamental, quando trabalhava na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes. Coordenava a confecção do balanço anual de atividades do Governo paulista, desde a coleta das informações em cada Secretaria e órgão até sua consolidação num todo homogêneo. E valorizava os textos mais importantes, redigindo-os eu mesmo ou os copidescando.
Consegui convencer meus superiores que palavras demais significavam leitores de menos; os relatórios feitos no meu esquema foram os mais sintéticos até então produzidos; e, não por acaso, os mais notados e apreciados.
É algo assim que deveria ser feito pela CNV: encarar a publicação principal como uma peça de comunicação que não deve -- jamais!-- enfadar e afugentar os leitores.
Já que a massa de informações coletadas deverá ser enorme, talvez caiba detalhá-las em publicações secundárias, direcionadas a historiadores, estudiosos, pesquisadores, etc. E/ou disponibilizá-las na web, seguindo o exemplo do projeto Brasil: Nunca Mais.
Aliás, o livro-síntese daquele magnífico projeto poderá servir como paradigma para o relatório final da CNV. Inclusive quanto ao volume de informações que suas 312 páginas continham: só 5% de tudo que os grupos de trabalho reuniram.
O interesse despertado foi tão grande que até hoje existem leitores se inteirando dos 95% restantes.
Por Celso Lungaretti, no seu blogue