Washington, Estados Unidos, 24/8/2010 – Três décadas depois de acabarem com a varíola, médicos e outros especialistas estarão reunidos esta semana no Rio de Janeiro para avaliar as lições a serem aplicadas nas campanhas contra outras doenças.
Enquanto o médico Ciro de Quadros trabalhava para a Organização Mundial da Saúde na Etiópia, no início da década de 70, certa vez, ele e sua equipe caminharam durante 26 dias pela fronteira sudanesa para investigar a propagação de um foco de varíola e vacinar todos que pudessem ter estado em contado com a doença.
Naquela época, era muito difícil o acesso a essa região, disse o médico, acrescentando que os esforços de erradicação consumiram seis anos, só interrompidos pela queda do imperador Haile Selassie, em 1974. Depois, Ciro mudou para a Somália, onde o contágio terminou em 1977. O último caso detectado foi possível deter, convertendo a varíola na primeira enfermidade infecciosa a ser totalmente erradicada do planeta.
Porém, Ciro não estava sozinho na luta contra este mal, que já matara uma incontável quantidade de pessoas desde, pelo menos, o ano 1000 antes de Cristo, incluindo cerca de 50 milhões de novos casos a cada ano na década de 50. O médico Walt Orenstein, por exemplo, viu o último caso no Estado indiano de Uttar Pradesh, de uma menina de sete meses que morreu em 16 de maio de 1975.
Ele e Ciro uniram-se a outros colegas para um simpósio, que começa hoje e vai até o dia 27, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. O encontro “30 Anos Após a Erradicação da Varíola: Lições, Legados e Inovações” é organizado pela brasileira Fundação Oswaldo Cruz e pelos norte-americanos Sabin Vaccine Institute (onde Ciro é vice-presidente executivo) e Fogarty International Center.
O principal tema do encontro será como aplicar as lições aprendidas nesse combate aos atuais desafios sanitários mundiais, o que incluirá a erradicação de outras doenças que podem ser prevenidas mediante vacinas. “Este acontecimento não é simplesmente uma comemoração de aniversário. É realmente uma oportunidade de reunir pessoas que trabalharam no combate à varíola e ver quais lições” foram aprendidas, disse Walt à IPS.
Ciro já aplicou algumas das lições, pois ajudou a erradicar a poliomielite no hemisfério ocidental enquanto dirigia o programa de imunização da Organização Pan-Americana de Saúde. Esse ambicioso objetivo foi alcançado em 1994. Os esforços de erradicação do sarampo e da rubéola também se servem de algumas lições das campanhas contra a varíola, informou.
Entre elas estão as novas metodologias desenvolvidas para combater sua propagação, como a estratégia de controle e contenção. “Quando nos deparamos com um paciente, investigamos onde contraiu a doença, e desse modo é possível rastrear a cadeia de contágios. Nesse ínterim, são vacinados todos que estão nessa cadeia. Essa foi uma estratégia muito efetiva”, disse Ciro, por telefone do Brasil.
A estratégia de controle e contenção foi aplicada desde o primeiro dia na campanha de erradicação na Etiópia. Provavelmente, por isso teve tanto sucesso, apesar das dificuldades de logística. Contudo, nem todas as metodologias são aplicáveis a todas as doenças contagiosas. Por exemplo, no caso do rotavírus, principal causa de diarreia severa e da consequente desidratação, já existe uma vacina. Entretanto, os pacientes podem continuar contraindo diarreia por outras causas, disse Ciro.
De todo modo, o médico retratou um panorama otimista para os futuros esforços de erradicação. “As perspectivas são destacáveis. Agora a erradicação da poliomielite está quase completa. Creio que, se a pólio for erradicada, o mundo erradicará o sarampo”, ressaltou Ciro.
Walt, atual subdiretor de doenças preveníveis na Fundação Bill & Melinda Gates, destacou as lições deixadas pela campanha da varíola em três pontos: importância da vontade política, inovação em matéria tecnológica e estratégica, e recursos adequados para pagar os trabalhadores e comprar vacinas. Quanto ao segundo ponto, destacou as seringas bifurcadas, que tornaram muito mais fáceis, rápidas e baratas as inoculações contra a varíola. O simpósio desta semana permitirá avaliar os conhecimentos acumulados sobre a enfermidade nos últimos 30 anos. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)
- Por Matthew Berger, da IPS