Aids: “É preciso ouvir mais as pessoas”

Bali, Indonésia, 17/08/2009 – É necessário abordar com maior precisão os temas de gênero para responder ao HIV/Aids, disse à IPS Geeta Rao gupta, a presidente do Centro Internacional de Pesquisa sobre a Mulher, com sede em Washington. “A epidemia simplesmente está alimentando as brechas da desigualdade e da discriminação que já existiam em nossa sociedade”, afirmou no IX Congresso Internacional sobre Aids na Ásia e no Pacífico, realizado na semana passada na ilha de Bali (Indonésia).


IPS- No congresso houve uma tentativa de observar os aspectos sociais em torno do HIV (vírus da deficiência imunológica humana) e a sua consequência, a Aids (síndrome da deficiência imunológica adquirida). Em geral, espera-se que o principal enfoque sobre este tema se centre em questões biomédicas, e somente depois de algum tempo nas desigualdades.
GRG- Creio que essas soluções técnicas, cada uma de maneira independente, terão impacto, mas somente em relação aos objetivos técnicos que se propõem. É necessário que muitas dessas coisas ocorram simultaneamente e no contexto do tratamento, da prevenção, dos cuidados, do pacote padrão dos serviços (de atenção às pessoas com HIV). Não se pode fazer uma coisa aqui e outra em seu país e esperar erradicar a desigualdade de gênero.

IPS. A senhora disse que a debilidade de todo o esforço se deve, em parte, ao fato de muitas vezes o gênero ser visto apenas como uma questão das mulheres, e que este é um erro cometido pelas próprias mulheres.
GRG- Sim, todas fazemos isso.

IPS- Qual o papel do HIV neste contexto?
GRG- até agora conscientizamos sobre o gênero e a desigualdade falando sobre a realidade das mulheres, sobre como elas experimentam essa situação e o quanto estão em desvantagem em matéria de acesso a recursos produtivos como terras, créditos, emprego e educação. Isso está certo. Mas, também é hora de ver a outra parte da equação, porque se for falada a verdade sobre a transmissão sexual do HIV isto compromete os dois indivíduos e não apenas um, certo?
Muitas das desvantagens que as mulheres experimentam nas relações sexuais se devem ao modo como se constrói a masculinidade. Então, enquanto tentamos ajudá-las, também devemos mudar as normas dessa masculinidade, trabalhando com eles para que compreendam como as questões de gênero os pressionam para que sejam de um modo em particular, bem como pressionam as mulheres para que sejam de uma maneira em particular.

Assim (diz o conceito generalizado), os homens devem ser os provedores, devem ser enérgicos nas interações sexuais e devem saber sobre sexo. A sociedade perpetua estas idéias. Então, os homens, para serem considerados como tais, têm de cumprir essas normas, e isso, na realidade, alimenta a epidemia. Portanto, como podemos fazer com que a comunidade veja essa relação e suas consequências negativas e ver como podemos mudar? Devem compreender que a violência contra as mulheres não é apenas contra elas, mas contra todos.

IPS- A senhora diz que os esforços se centram de modo suficiente em...
GRG... em se fixar tanto nos homens quanto nas mulheres, e em ajudar ambos a buscar soluções juntos. Não vivemos em comunidades que sejam apenas de mulheres, mas de mulheres e homens.

IPS- Isso equivale a dizer que dessa forma ajuda-se a perpetuar a noção da mulher como objeto?
GRG- Sim. E se exerce toda pressão sobre elas para que encontrem uma solução. Mas há a outra metade da equação, a que não se faz responsável.

IPS- No congresso debateu-se muito sobre os enfoques biomédicos, nos quais se diz: “Este é o problema e este é o remédio”. Mas, não há um remédio para mudar estereótipos.
GRG- Não existe uma solução mágica, mas sabemos quais são os ingredientes. E eles podem ser identificados para conseguir uma mudança social. Um ingrediente é um entorno legal adequado, para que não se possa criminalizar, discriminar ou estigmatizar, porque então, sem importar o que você faça, não terá êxito, já que o entorno estará contra você. Por isso são necessárias leis que descriminalizem, que protejam os direitos das pessoas.

Esta é a primeira condição, necessária, mas, não suficiente. A segunda é que todos os serviços vinculados à Aids estejam disponíveis para todos. E a terceira é que as comunidades participem da elaboração de soluções.

IPS- Pode citar algum exemplo?
GRG- Veja como isto ocorreu em algumas comunidades pequenas de Mumbai. Pro exemplo, vi uma comunidade pobre começar dizendo “não, as mulheres não podem ser iguais aos homens, isso arruinará nosso tecido social, esta é a maneira como a sociedade está organizada”. E depois começamos a explicar-lhes que quando sua filha se casar ficará doente e morrerá se não tiver informação sobre como se proteger, se não pode deixar uma relação que ela sabe que é perigosa, se não tem uma maneira de ser economicamente independente e seu marido é HIV-positivo. E seus netos ficarão órfãos.

Quando se mostra os vínculos entre o poder das mulheres e suas implicações para sua comunidade, as pessoas querem mudar. Vi esses mesmos país fazerem fila para dizer “pro favor, eduquem minha filha sobre sexo, fale sobre os preservativos”. Gerar a mudança social não é difícil.
Penso que não damos crédito suficiente às comunidades e às pessoas, e que não fiquemos paralisados com as cúpulas políticas.


(IPS/Envolverde)
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