Autor de A Revolução Decisiva – Como Indivíduos e Organizações Trabalham em Parceria para Criar um Mundo Sustentável, Peter Senge não gosta do termo “sustentabilidade”. Isso ele fez questão de deixar claro em palestra ministrada para 500 pessoas, a convite do Grupo Santander, na última segunda-feira, em São Paulo.
Sua aversão a essa palavra, que tem sido utilizada como bálsamo para nove entre dez problemas da atualidade, não se deve –como seria razoável supor— ao desgaste provocado pelo excesso de uso nem pelo consequente esvaziamento do seu significado, num mundo cada dia mais ansioso por significados. Deve-se, sim, a uma conotação negativa que ela encerra. Na opinião do professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a sustentabilidade desperta medo nas pessoas. Não por acaso, a expressão tomou impulso após o anúncio do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), no final de 2006, quando cientistas convocados pelas Nações Unidas advertiram sobre o aquecimento global, a responsabilidade humana e o risco para a vida na Terra.
Na análise de Senge, o medo assusta e imobiliza. Mas não
necessariamente induz à mudança. Para mudar, os indivíduos precisam se sentir
emocionalmente parte do processo. E a conexão será tão mais forte quanto mais
intensos e claros forem os sentimentos positivos envolvidos. Parece retórico,
mas não é. A mudança para um modelo mental sustentável não advém da
racionalização provocada pelo medo. As pessoas devem senti-la e vivenciá-la,
fazendo emergir as soluções novas – processos, produtos, hábitos e estilos de
vida –, não a partir da análise dos elementos do passado, mas da ousadia de
criar o futuro, algo que só pode nascer de mentes abertas e livres de
condicionamentos.
No lugar de “sustentabilidade”, Senge prefere utilizar
em seus treinamentos a expressão “ampliação do sistema”. Atitude justificável
para alguém a quem se atribui a iniciação das corporações ao pensamento
sistêmico (seu livro A Quinta Disciplina ainda repousa na cabeceira de muitos
executivos em todo o mundo). Na prática, o que ele propõe, com outro nome, é que
os líderes aprendam a reconhecer, no desenho de suas estratégias e na tomada de
decisões de negócio, a interdependência entre os sistemas econômico, social e
ambiental.
Há pouco mais de uma década – lembra –, as empresas reagiam às
questões socioambientais como se elas não fizessem parte do seu mundo. Era
normal pensar e agir assim. Ninguém se sentia constrangido por tratar como
externalidades os impactos provocados no meio ambiente e nas comunidades. Nos
últimos anos, no entanto, essa posição conveniente teve de ser revista ante a
maior pressão da sociedade por novos compromissos e responsabilidades, mas
principalmente, diante da constatação de que o esgotamento dos sistemas social e
ambiental pode impor limites severos ao desempenho do sistema
econômico.
Um exemplo ilustrativo de “ampliação de visão sistêmica” no
mundo corporativo é – segundo Senge – a Nike. Na metade dos anos 1990, essa
fabricante norte-americana de materiais esportivos se viu objeto de uma denúncia
de trabalho infantil e semiescravo, praticada por um de seus parceiros de cadeia
produtiva na Indonésia. O escândalo logo se transformou em crise de reputação,
prejuízos colossais e uma onda global de antipatia que só não causou perdas
irreparáveis porque a companhia contava com boa imagem de marca e consumidores
fiéis.
Para o raciocínio predominante na época, a Nike reagiu conforme o
script: alegou inocência, transferiu a responsabilidade ao fornecedor e tentou
mostrar que não podia ser “punida” por uma questão “alheia” à natureza do seu
negócio. Pressionada, assumiu a culpa, mudou práticas e procurou fazer a lição
social de casa. Aprendeu, a duríssimas penas, que as responsabilidades de uma
empresa se estendem por toda a sua cadeia produtiva, e que o eventual
desrespeito aos direitos de uma criança, em qualquer lugar do mundo, impacta
diretamente na sua rentabilidade.
Ainda que iniciado sob a pressão dos
fatos, como alternativa para não perder mais, o processo de integrar o sistema
social ao econômico fertilizou o ambiente interno e criou condições para inserir
as demandas ambientais na gestão do negócio. Nos últimos cinco anos, a Nike tem
feito uma revolução. Além de elevar seus padrões de desperdício na fabricação,
criou uma linha de vestuário à base de algodão orgânico, retirou os solventes
dos processos de manufatura, livrou os tênis de borracha de toxinas químicas e
passou a utilizar materiais alternativos ao PVC. Sua equipe de design trabalha
hoje, em ritmo acelerado, para criar componentes recicláveis e reutilizáveis que
tornem seus produtos inteiramente desmontáveis ao final do ciclo de
vida.
O que motiva a empresa em torno de ousadas metas verdes não é o
medo de viver num mundo insustentável, em que as pessoas repudiem tênis feitos
com uso intensivo de derivados de petróleo, mas a alegria de inventar a melhor
solução, de se antecipar à concorrência e de participar da criação de um futuro
sustentável. Segundo Senge, a alegria produz ambiente favorável ao engajamento,
à colaboração e à criatividade.
* Ricardo Voltolini é
publisher da revista Ideia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia
Sustentável: Estratégia e Inteligência em
Sustentabilidade.
(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)