A explosão de casos de gravidez precoce nos últimos tempos, em meninas e adolescentes do mundo inteiro, inclusive dos países ricos, tem sido definida como epidemia. Este, porém, é um termo nebuloso que propositalmente dificulta a compreensão das massas sobre a questão. O correto seria chamá-la de crime.
Durante esses anos de aflição para milhões de jovens, nunca ou quase
nunca apontou-se claramente os culpados (possivelmente os maiores) por
essa situação de prejuízo extremo individual e coletivo que é a
maternidade antecipada: o monopólio dos alimentos.
O
monopólio dos meios de comunicação, comprometido até a medula na
propagação do erotismo para crianças (ver box), tratou de divulgar
explicações diversionistas. Transformando o povo em vilão, a vítima em
réu, não cansou de afirmar que as meninas estavam engravidando "por
falta de orientação dos pais", ou porque "os adolescentes são
rebeldes".
Ou ainda, numa manipulação execrável, diz que os jovens não estão
sabendo lidar com a "liberdade" dentro de uma sociedade que "evoluiu" e
que hoje apóia, sem preconceitos, o sexo antes do casamento. Risível,
porque sexo pré-casamento ou até sem casamento é coisa velha. Só que
antes nunca houve um estouro mundial na estatística de mães
adolescentes. Por que só agora?
Numerosos estudos surgiram. Mas não houve estímulo a pesquisas
científicas profundas e descompromissadas com o capital, que
desvendassem os reais motivos pelos quais estão ocorrendo tão altos
índices de puberdade precoce já a partir dos 8 anos (primeira
menstruação, capacidade de gestação, aumento dos seios, pelos pubianos,
etc) que trazem, como consequência, a elevação da maternidade juvenil.
Nunca há dinheiro para estudos sérios. Eis o que disse um boletim da
Cimac do México (Comunicação e Informação da Mulher) de 2002:
"Sem orçamento para pesquisas amplas, empresas e instituições
continuarão negando os impactos dos alimentos com modificações químicas
e genéticas na saúde reprodutiva.
Cada menina com puberdade precoce relacionada com a ingestão de frangos
artificialmente engordados, cada mulher com infecções vaginais por
produtos lácteos com antibióticos, etc, estão longe de ser 'evidência
contundente'.
Com um ano e meio de idade, uma criança desta cidade (México, DF)
apresentou um incipiente crescimento de pelos púbicos. A anomalia parou
quando deixaram de alimentá-la com frango. Em apenas um ano, a pediatra
Isabel Zurbia Flores Soltero observou dois casos de puberdade precoce
em uma menina de seis e outra de 10 anos de idade, também vinculados ao
consumo de frangos criados com hormônios sintéticos".
A médica entrevistada, Zurbia, tem uma década de trabalho num hospital
infantil mexicano e lamenta que "são escassos os estudos para chegar a
evidências conclusivas sobre transgênicos, hormônios e outros aditivos
em alimentos". Mas sua experiência clínica diária apresenta indícios
que a enchem de preocupação.
Foi também acompanhando o dia-a-dia em consultórios pediátricos
franceses que o médico e professor Charles Sultan decidiu escrever o
livro Ginecologia pediátrica e adolescente: evidências baseadas na
prática clínica. Ele, que é da Unidade de Endocrinologia e Ginecologia
Pediátrica da Universidade de Montpellier, França, afirmou agora em
2008 num seminário na Europa, que a puberdade precoce se deve ao uso de
hormônios sintéticos, pesticidas, detergentes e outros produtos.
O ginecologista e obstetra mexicano Felipe Lazar Júnior igualmente diz
que os alimentos estão interferindo, sim, na menstruação precoce.
Declarou ele à repórter Victoria Bensaude: "Em geral, boa parte dos
alimentos possuem conservantes que têm efeito hormonal. Recentemente,
um pesquisador de meio ambiente fez um estudo em uma represa e
constatou que as amostras de água colhidas continham níveis elevados de
hormônio feminino, o que com certeza estão associados à menarca
precoce, e também ao aumento da incidência de câncer nas mulheres e
ginecomastia nos homens (crescimento anormal da glândula mamária)".
Anabolizantes no frango
Em julho do ano passado, uma comissão da Câmara dos Deputados
brasileira soltou uma recomendação de proibição do uso de hormônios na
avicultura.
Afirmava que tais produtos estavam sendo
utilizados pela indústria do frango para acelerar o crescimento e a
engorda dos animais, mas que resíduos dos produtos permanecem na carne
e nos ovos. Segundo os deputados, o consumo de alimentos com esses
resíduos pode ocasionar disfunções no aparelho reprodutor. Além de
câncer, distúrbios no sistema imunológico, entre outras doenças. "Os
efeitos indesejáveis dos resíduos de hormônios anabolizantes são mais
maléficos em crianças e jovens", disse o relator.
Ao que se sabe, foram palavras ao vento. Nada mudou.
Os hormônios e outras substâncias usadas nos últimos anos nos alimentos
pelos monopólios, para obter mais lucros, não têm provocado somente
puberdade/ gravidez precoce, está afetando gravemente também pessoas
mais maduras, de 30 e 40 anos, que num efeito contrário, estão perdendo
a fertilidade mais cedo.
"Está havendo um climatério feminino e masculino precoce", advertiu o
Dr. Arturo Zárate Treviño, do Hospital de Especialidades do Centro
Médico Nacional Século XXI, do México. "E esta modificação não se trata
de uma evolução natural da espécie humana, mas sim a fatores como o uso
de substâncias químicas na agricultura e nos alimentos, além da
obesidade e do sedentarismo".
Complementou que "os fertilizantes e pesticidas que são utilizados na
agricultura, assim como os alimentos industrializados, que contêm
conservantes, saborizantes, colorantes e muitos elementos artificiais,
atuam como estrógenos ou antiestrógenos".
Atualmente, no México, um em cada seis casais tem problema para obter
gravidez, pois de acordo com Treviño, "o padrão hormonal em homens e
mulheres sofreu uma mudança e agora, entre a terceira e a quarta década
de vida, eles produzem menos testosterona e elas menos estrógeno".
Infertilidade nos meninos
O consumo de carne bovina tratada com hormônios, além de diversos
outros problemas, está causando infertilidade em meninos de pouca idade.
Um estudo da Universidade de Rochester, no USA, publicado na Human
Reproduction, relacionou o uso de substâncias hormonais a danos no
espermatozóide humano, ao constatar que os filhos de mulheres que
consumiram carne diariamente têm uma possibilidade três vezes maior de
ter uma contagem de espermatozóides tão baixa que podem ser
classificados como subférteis.
Para ludibriar o povo e as críticas, o USA proibiu alguns produtos no
gado em 1979, porém outros, tais como os hormônios sexuais testosterona
e progesterona continuaram liberados para uso na pecuária.
A equipe da Rochester descobriu que entre os filhos de mulheres que
comiam carne todos os dias, 17,7% tinha uma concentração de
espermatozóides abaixo dos 20 milhões por mililitro, o que é
considerado subfertilidade pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A
porcentagem entre filhos de mulheres que comiam menos carne foi de 5,7%.
Allan Pacey, especialista em Andrologia da Universidade de Sheffield,
Grã-Bretanha, considerou os resultados da pesquisa "alarmantes".
Informou que, além da carne, "há anos os cientistas estão preocupados
que substâncias que imitam o estrógeno, presentes em caixas d’água,
plásticos ou maquiagem possam estar afetando as etapas críticas do
desenvolvimento do testículos de meninos pequenos."
As transnacionais e o leite
Por outro lado, o hormônio BST, aplicado pela indústria para
aumentar a produção de leite, foi proibido na Europa, mas continua
liberado no Brasil, desde 1990, pelas gerências coniventes e
irresponsáveis do Palácio do Planalto e seus ministérios.
O BST
(somatotropina) é um hormônio de crescimento natural secretado por
alguns animais. No começo da década de 1980, ainda no nascedouro das
experiências transgênicas, cientistas conseguiram produzi-la em
laboratório. O "medicamento" começou a ser vendido para produtores para
ser injetado em vacas, que passaram a produzir mais leite.
Seu uso prejudica o sistema imunológico humano e também causa câncer.
Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mostram
que em 2005 os produtores de leite brasileiros compraram 745 mil doses
de BST.
No Brasil, a venda do produto foi liberada em 1990, pela gerência
Collor. O laboratório Eli Lilly, do qual a Elanco é a divisão para
produtos animais, foi autorizado a vender o Lactotropin, hormônio
produzido pela Monsanto, a gigante mundial na área de transgênicos. E o
Schering Plough Saúde Animal conseguiu licença para comercializar o
Boostin, o BST produzido pelo sul-coreano LG.
Propaganda erótica
As crianças e jovens, ao mesmo tempo em que consomem quilos
de alimentos com hormônios que as levam à trágica precocidade sexual,
estão expostas a um amestramento erótico por parte do hipócrita
monopólio dos meios de comunicação, resultando num coquetel fatal.
Márcio Ruiz Schiavo, professor das áreas de Informação, Educação e
Comunicação de universidades e outras instituições brasileiras,
realizou na década de 1990 uma investigação denominada Pesquisa sobre
Sexualidade e Relações de Gênero nos Programas Infantis de TV.
Foram monitoradas 152 horas de programação infantil das seis principais
redes de televisão do país: Bandeirantes, Educativa (TVE), Globo,
Manchete, Record e SBT.
Em conjunto, de segunda a sexta-feira, essas emissoras disponibilizam
um total de 26 horas de programação por dia, em horários facilmente
acessíveis às crianças e pré-adolescentes;
Segundo ele, os resultados foram preocupantes: "Uma possível exposição
das crianças e pré-adolescentes a estímulos eróticos sistemáticos pode
configurar, a médio e longo prazos, um processo de erotização precoce
desses grupos. Este fenômeno pode resultar em consequências adversas ao
desenvolvimento integral dos meninos e meninas — pois a sexualidade na
TV, com frequência, aparece reduzida aos aspectos físicos, em
detrimento dos componentes afetivos, psicológicos e de convivência".
E conclui: "Está plenamente justificada, portanto, a grande preocupação com que muitos pais e educadores vêem essa questão".
Eis um resumo dos dados coletados:
a. É marcante a presença de estímulos eróticos e referências de gênero
nos programas infantis. Em 152 horas de programação monitorada,
registraram-se nada menos que 308 incidências.
b. Em média, a cada 29 minutos, as crianças e pré-adolescentes recebem um estímulo erótico e/ou referência de gênero.
c. Em geral, a referência erótica é machista e preconceituosa.
d. Há programas com conteúdos educativos. Os desenhos animados, porém, abusam dos estereótipos sexuais e/ou de gênero.
e. As produções estrangeiras (estadunidenses, mexicanas e japonesas, em
sua maioria) também são pouco criteriosas na abordagem das questões de
sexualidade e gênero.
f. As crianças e pré-adolescentes percebem e compreendem os estímulos eróticos que ocorrem nos programas.
g. Os meninos, além de se mostrarem mais "ligados" nessas questões que
as meninas, tendem a introjetar e reproduzir os mitos, os estereótipos
e preconceitos sexuais ou de gênero difundidos nos programas infantis
de TV.
Números cruéis
Nesta década, a nível mundial, de cada cem adolescentes entre 15 e 19
anos, estima-se que 5 se tornam mães anualmente, o que somaria
22.473.600 nascidos de mães adolescentes.
No Brasil, as taxas de gravidez na adolescência variam, mas estima-se
que de 20% a 25% do total de mulheres gestantes sejam adolescentes,
havendo assim uma gestante adolescente em cada cinco mulheres.
Segundo as médicas Maria Sylvia de Souza Vitalle e Olga Maria Silverio
Amancio, da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de
Medicina (Unifesp/EPM):
"Sabe-se que as adolescentes engravidam mais e mais a cada dia e em
idades cada vez mais precoces. Observa-se que a idade em que ocorre a
menarca tem se adiantado em torno de quatro meses por década no nosso
século. Sendo a menarca, em última análise, a resposta orgânica que
reflete a interação dos vários segmentos do eixo neuroendócrino
feminino, quanto mais precocemente ocorrer, mais exposta estará a
adolescente à gestação".
Dizem Maria Silvia e Olga que:
..."a gravidez na adolescência tem sérias implicações biológicas,
familiares, emocionais e econômicas, além das jurídico-sociais, que
atingem o indivíduo isoladamente e a sociedade como um todo".
No tocante à educação, a interrupção, temporária ou definitiva, no
processo de educação formal, afirmam as médicas que a gravidez precoce
"acarreta prejuízo na qualidade de vida e nas oportunidades futuras.
Não raro a adolescente se afasta da escola, frente a gravidez
indesejada".
Com frequência o pai adolescente também terá sua vida escolar,
profissional e pessoal abalada e dificultada: "De modo geral, o pai
costuma ser dois a três anos mais velho que a mãe adolescente. A
paternidade precoce se associa com maior frequência ao abandono dos
estudos, à sujeição a trabalhos aquém da sua qualificação, a prole mais
numerosa e a maior incidência de divórcios".
"Outro ponto doloroso dessa questão", dizem as médicas, "é a morte da
mãe decorrente de complicações da gravidez, parto e puerpério. Sendo
que na adolescência, em estudo realizado no nosso meio, verificou-se
ser esta a sexta causa de morte. Além disso, dada a imaturidade e
instabilidade emocional da adolescente, podem ocorrer importantes
alterações psicológicas. As taxas de suicídio nas adolescentes grávidas
são mais elevadas em relação às não grávidas, principalmente nas jovens
grávidas solteiras".