"Estudamos culturas de células de melanoma tratadas com a
jararagina, uma das toxinas que compõem o veneno da jararaca. Tivemos uma série
de resultados, incluindo uma significativa inibição da proliferação do tumor",
disse Itamar à Agência FAPESP.
A pesquisadora afirma que o grupo está
testando os efeitos da toxina na morfologia, adesão, migração e invasão celular.
Em todos os casos, segundo ela, os resultados são promissores. O tratamento
mostrou uma importante redução das metástases. "No entanto, ainda falta um longo
caminho para que essas pesquisas resultem efetivamente em uma alternativa para o
tratamento da doença", afirmou.
O trabalho é feito em parceria com a
Divisão de Ciências Fisiológicas e Químicas, que extrai a jararagina do veneno
das serpentes do Instituto Butantan. "O veneno das serpentes é uma sopa de
vários tipos de substâncias que produz um efeito anestésico e degrada os
tecidos. A jararagina é uma proteína que faz parte dessa sopa", explicou
Itamar.
O veneno dos animais, em especial as cobras e os anfíbios, serve
como proteção ou arma natural, instalada durante a evolução. "Cada um tem seu
mecanismo. No caso das cobras o veneno é importante, já que elas não têm braços
para agarrar as presas. As substâncias presentes ali anestesiam e paralisam a
presa. Procuramos aproveitar a riqueza desse composto de substâncias",
disse.
Um metal posicionado em determinado local de sua estrutura dá à
jararagina a capacidade de degradar outras proteínas. "O que possibilita o uso
contra o câncer é que essa proteína tem a capacidade de reconhecer uma parte da
membrana da célula tumoral, ligando-se a ela e impedindo sua evasão, bloqueando
a metástase. A literatura científica mostrava que o nível de metástase diminuía
com o uso do veneno. Nós começamos a usar apenas essa componente do veneno para
aumentar a eficiência dessa propriedade", disse.
Biomarcadores e
clonagem
Além de estudar as culturas de células tumorais do melanoma, o
grupo realiza uma série de pesquisas sobre a estrutura do DNA e a expressão
gênica desses tumores. "Outra linha que estamos começando envolve a clonagem e o
seqüenciamento do gene que codifica a jararagina, com a finalidade de obter uma
ferramenta que, no futuro, seja útil para combater o melanoma", explicou
Itamar.
No laboratório, os estudos sobre o câncer tiveram início em 1996,
segundo a pesquisadora, sempre com o apoio da FAPESP. Na linha que trata da
regulação gênica e da estrutura do DNA, os estudos são feitos em colaboração com
o Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP).
"Eles nos forneceram os tumores dos pacientes, que usamos
para analisar o DNA, comparando-o com o próprio tecido saudável ou com o sangue
do paciente. Com isso, temos estudado o RNA-repetitivo para tentar desenvolver
biomarcadores que nos permitam mostrar se as intervenções cirúrgicas foram
suficientes. Além da utilidade imediata para os médicos, esse tipo de estudo nos
dá novas informações sobre como se desencadeiam e progridem os processos
tumorais", afirmou.
Quando um paciente com um tumor é submetido a
cirurgia, uma margem de tecido saudável é extraída, para evitar que o câncer
retorne. "Quando a pele é costurada, uma pequena parte que fica saliente é
extraída, servindo como controle para estudo do tecido perto do próprio tumor. O
mesmo é feito com o sangue – estudamos os leucócitos, que têm DNA. Com isso,
estudamos a estrutura do DNA tumoral, tentando correlacionar a gravidade do
tumor com as alterações observadas", contou.
A outra linha de estudos do
laboratório é voltada para a investigação dos genes que codificam toxinas como a
jararagina e a botropsina. "O DNA é formado por partes codificadoras, conhecidas
como éxons, e partes intermediárias, ou íntrons. Estamos estudando a estrutura
total, considerando éxons e íntrons. Para isso temos que clonar e seqüenciar
esses genes, o que fazemos em colaboração com a área de biotecnologia", disse
Itamar.
Até há pouco tempo os íntrons eram conhecidos como "DNA-lixo",
mas hoje, de acordo com a pesquisadora, sabe-se que 80% deles codificam o RNA e
estão ligados à regulação dos genes.
A parte molecular dos estudos sobre
os efeitos da jararagina em cultura de células de melanoma deverá ser concluída
até o fim do ano. A clonagem da jararagina começou a ser feita este ano, pela
mestranda Alessandra Finardi de Souza.
"O seqüenciamento já está bastante
adiantado. O objetivo da clonagem é usar o domínio interessante da toxina para
combater a célula tumoral. Em vez de fazer todo o processo bioquímico de
extração da proteína, separando a jararagina de todas as outras componentes do
veneno, teremos o gene clonado e poderemos expressar e produzir só o que nos
interessa para agir sobre a célula tumoral", explicou.
Crédito da imagem: Instituto Vital Brazil
(Envolverde/Agência Fapesp)