Veneno da jararaca pode tratar o câncer de pele

Agência FAPESP – Cientistas do Laboratório de Genética do Instituto Butantan estão testando os efeitos da jararagina, uma toxina presente no veneno da jararaca (Bothrops jararaca) para tratar o melanoma, a forma mais agressiva de câncer de pele. De acordo com a coordenadora dos estudos, Itamar Romano Garcia Ruiz, os resultados obtidos até agora são promissores.
Segundo ela, a literatura científica internacional indica que toxinas presentes em diversos organismos são eficientes para diminuir a proliferação de células tumorais in vivo e in vitro. Isso levou o grupo, que trabalha com a genética do câncer desde 1996, a investigar os efeitos da toxina da jararaca sobre tecidos cancerosos.

"Estudamos culturas de células de melanoma tratadas com a jararagina, uma das toxinas que compõem o veneno da jararaca. Tivemos uma série de resultados, incluindo uma significativa inibição da proliferação do tumor", disse Itamar à Agência FAPESP.

A pesquisadora afirma que o grupo está testando os efeitos da toxina na morfologia, adesão, migração e invasão celular. Em todos os casos, segundo ela, os resultados são promissores. O tratamento mostrou uma importante redução das metástases. "No entanto, ainda falta um longo caminho para que essas pesquisas resultem efetivamente em uma alternativa para o tratamento da doença", afirmou.

O trabalho é feito em parceria com a Divisão de Ciências Fisiológicas e Químicas, que extrai a jararagina do veneno das serpentes do Instituto Butantan. "O veneno das serpentes é uma sopa de vários tipos de substâncias que produz um efeito anestésico e degrada os tecidos. A jararagina é uma proteína que faz parte dessa sopa", explicou Itamar.

O veneno dos animais, em especial as cobras e os anfíbios, serve como proteção ou arma natural, instalada durante a evolução. "Cada um tem seu mecanismo. No caso das cobras o veneno é importante, já que elas não têm braços para agarrar as presas. As substâncias presentes ali anestesiam e paralisam a presa. Procuramos aproveitar a riqueza desse composto de substâncias", disse.

Um metal posicionado em determinado local de sua estrutura dá à jararagina a capacidade de degradar outras proteínas. "O que possibilita o uso contra o câncer é que essa proteína tem a capacidade de reconhecer uma parte da membrana da célula tumoral, ligando-se a ela e impedindo sua evasão, bloqueando a metástase. A literatura científica mostrava que o nível de metástase diminuía com o uso do veneno. Nós começamos a usar apenas essa componente do veneno para aumentar a eficiência dessa propriedade", disse.

Biomarcadores e clonagem

Além de estudar as culturas de células tumorais do melanoma, o grupo realiza uma série de pesquisas sobre a estrutura do DNA e a expressão gênica desses tumores. "Outra linha que estamos começando envolve a clonagem e o seqüenciamento do gene que codifica a jararagina, com a finalidade de obter uma ferramenta que, no futuro, seja útil para combater o melanoma", explicou Itamar.

No laboratório, os estudos sobre o câncer tiveram início em 1996, segundo a pesquisadora, sempre com o apoio da FAPESP. Na linha que trata da regulação gênica e da estrutura do DNA, os estudos são feitos em colaboração com o Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

"Eles nos forneceram os tumores dos pacientes, que usamos para analisar o DNA, comparando-o com o próprio tecido saudável ou com o sangue do paciente. Com isso, temos estudado o RNA-repetitivo para tentar desenvolver biomarcadores que nos permitam mostrar se as intervenções cirúrgicas foram suficientes. Além da utilidade imediata para os médicos, esse tipo de estudo nos dá novas informações sobre como se desencadeiam e progridem os processos tumorais", afirmou.

Quando um paciente com um tumor é submetido a cirurgia, uma margem de tecido saudável é extraída, para evitar que o câncer retorne. "Quando a pele é costurada, uma pequena parte que fica saliente é extraída, servindo como controle para estudo do tecido perto do próprio tumor. O mesmo é feito com o sangue – estudamos os leucócitos, que têm DNA. Com isso, estudamos a estrutura do DNA tumoral, tentando correlacionar a gravidade do tumor com as alterações observadas", contou.

A outra linha de estudos do laboratório é voltada para a investigação dos genes que codificam toxinas como a jararagina e a botropsina. "O DNA é formado por partes codificadoras, conhecidas como éxons, e partes intermediárias, ou íntrons. Estamos estudando a estrutura total, considerando éxons e íntrons. Para isso temos que clonar e seqüenciar esses genes, o que fazemos em colaboração com a área de biotecnologia", disse Itamar.

Até há pouco tempo os íntrons eram conhecidos como "DNA-lixo", mas hoje, de acordo com a pesquisadora, sabe-se que 80% deles codificam o RNA e estão ligados à regulação dos genes.

A parte molecular dos estudos sobre os efeitos da jararagina em cultura de células de melanoma deverá ser concluída até o fim do ano. A clonagem da jararagina começou a ser feita este ano, pela mestranda Alessandra Finardi de Souza.

"O seqüenciamento já está bastante adiantado. O objetivo da clonagem é usar o domínio interessante da toxina para combater a célula tumoral. Em vez de fazer todo o processo bioquímico de extração da proteína, separando a jararagina de todas as outras componentes do veneno, teremos o gene clonado e poderemos expressar e produzir só o que nos interessa para agir sobre a célula tumoral", explicou.


Crédito da imagem: Instituto Vital Brazil


(Envolverde/Agência Fapesp)
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