Medicamentos roubados, falsificados, vencidos ou vendidos sem receita médica são o pão de cada dia na farmácia virtual.
México, 14 de julho (Terramérica) - O México prepara medidas para regulamentar a venda de medicamentos pela Internet: são anunciadas reformas nas leis da década de 80, quando a rede mundial de computadores nem mesmo existia, e novos sistemas de vigilância para saber quem, como e o que se vende por meio desse comércio virtual. “Aumente seu pênis.” “Quer perder peso?” “Diga adeus à impotência.” Quem ainda não recebeu estas ofertas enviadas por email? A venda de remédios na Internet, da qual participam milhares de vendedores, cresce ao amparo de preços baixos, falta de receita médica e uma suposta garantia de anonimato.
Entretanto, os medicamentos comprados podem estar adulterados,
ser roubados, contrabandeados ou simplesmente estar vencidos e, no pior dos
casos, ter compostos perigosos e até mortais. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) calcula que 10% dos remédios vendidos no mundo são falsos, embora em
alguns países essa proporção chegue a 25%. E também o são a metade dos vendidos
na Internet, em sites que escondem seu endereço físico.
Um estudo,
publicado no mês passado pela Aliança Européia para o Acesso a Medicamentos
Seguros, afirma que 62% dos remédios vendidos online são falsos ou não cumprem
normas mínimas de salubridade, incluindo os destinados a tratar graves doenças
cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e psíquicas. Das farmácias
virtuais estudadas, 95% operam de forma ilegal e 94% dos sites não têm um
farmacêutico identificado. Mais de 90% deles fornecem, sem prescrição,
medicamentos que só podem ser vendidos com orientação médica.
No México,
que tem o maior mercado farmacêutico da América Latina e o nono do mundo, a
venda anual de remédios representa cerca de US$ 9 bilhões. Por outro lado, com a
comercialização de produtos falsos, os laboratórios perdem entre US$ 700 milhões
e US$ 900 milhões ao ano. Além disso, ocorrem roubos periódicos de
carregamentos, e, anualmente, 40% dos remédios que perdem a validade vão para o
lixo, mercados ilegais ou a Internet. Governo e organizações não-governamentais
alertam para os perigos da venda virtual de medicamentos, mas não estão
definidas medidas globais contra este negócio, embora existam esforços
isolados.
O México abordará o fenômeno, apesar de autoridades,
empresários e ativistas ouvidos pelo Terramérica reconhecerem que é muito
complicado acabar com esse tipo de comércio. Ainda este ano, as autoridades
sanitárias mexicanas apresentarão novos sistemas de monitoramento e vigilância
na Internet. “Haverá um novo enfoque para esta realidade”, disse ao Terramérica
o assessor da Comissão Federal para a Proteção contra Riscos Sanitários
(Cofepris), Luis Hernández. Esse órgão, encarregado de velar pela segurança dos
medicamentos, está em um “intenso processo de readaptação” no sentido de vigiar
quais produtos médicos são vendidos pela rede mundial de computadores, disse
Hernández.
A Cofepris também vai propor uma nova lei geral de saúde, para
substituir a atual, redigida em 1984 e sucessivamente reformada. “A globalização
trouxe um novo enfoque das práticas comerciais, por isso é necessária uma
legislação com visão atual”, afirmou. “A Cofepris alerta o público que os
remédios não são mercadorias, que não é como comprar sapato. São insumos para a
saúde, o que implica um risco, por isso esta nova forma de vender pela Internet
tem de ter atenção e ser regulamentada”, disse Hernández.
Milhares de
sites, alguns operando a partir do México, oferecem todo tipo de medicamentos
para melhorar o desempenho sexual, antidepressivos e produtos para emagrecer e
combater o colesterol. “O México não tem agora nenhuma regulamentação para venda
de remédios pela Internet, mas a melhor forma é apelar para a consciência do
consumidor com campanhas e fazer páginas na própria Internet que informem sobre
os riscos de comprar”, disse ao Terramérica Héctor Bolaños, presidente da
Associação de Fabricantes de Medicamentos de Livre Acesso (que não requerem
receita médica). “Encontramos remédios adulterados ou que não contêm os
ingredientes da fórmula original e outros com menor quantidade ou, ainda, com
substâncias tóxicas”, acrescentou.
Para Alejandro Calvillo, presidente do
não-governamental O Poder do Consumidor, muitas empresas farmacêuticas que
operam no México patrocinam sites de venda pela Internet e, embora se queixem de
que alguns vendam produtos piratas e adulterados, no final, “para eles é parte
do negócio, é a forma de posicionar suas marcas”. A OMS desestimula a
publicidade de remédios, mas, neste país, são divulgados de forma aberta e
também “com uma propaganda que até cria doenças para, assim, vender mais e
mais”, disse Calvillo ao Terramérica.
Neste país de 104 milhões de
habitantes, com 70% de sua população se automedicando, funcionam 224
laboratórios que pertencem a 200 empresas, 46 delas corporações de capitais
majoritariamente estrangeiros. Seus remédios são vendidos nos supermercados e em
aproximadamente 23 mil farmácias. O México é um bom mercado para o setor, por
seu perfil populacional. Em 1970, os maiores de 65 anos representavam 4% da
população. Até 2025, serão 15%, e a expectativa de vida aumentará para 81,6 anos
para as mulheres e 76,8 anos para os homens. As corporações farmacêuticas sabem
que, quanto maior a idade maior é a demanda por serviços de saúde e
remédios.
“Sei que por vergonha muitos adultos se animam a comprar Viagra
(contra a disfunção erétil) pela Internet, e contra isso é difícil lutar, mas é
preciso alertá-los que podem estar em perigo”, disse Bolaños. Em 2004, a DEA, a
agência antidrogas dos Estados Unidos, detectou, em uma investigação mundial,
que no México havia cerca de 200 farmácias que vendiam pela Internet, a maioria
localizada na fronteira binacional. Desses locais, eram vendidas versões
adulteradas de Viagra e alguns narcóticos.
Segundo o Center for Medicine
in the Public Interest (Centro para a Medicina de Interesse Público, dos Estados
Unidos), em 2010 o valor mundial das vendas de remédios falsificados chegará a
US$ 75 bilhões, o que representará aumento superior a 90% em relação a 2005. “A
Internet, onde os sites aparecem num dia e desaparecem no outro, é um excelente
lugar para vender remédio adulterado. Os consumidores devem ser informados disto
porque está em jogo sua saúde, e as autoridades devem vigiar ao máximo essa
atividade”, afirmou Bolaños.
* O autor é correspondente da
IPS.