Quando a Organização Mundial de Saúde revelou, no último dia 10 de setembro (Dia Mundial de Prevenção do Suicídio), que aproximadamente três mil pessoas se matam por dia; que esse número cresceu 60% nos últimos 50 anos, especialmente nos países em desenvolvimento; e que o suicídio já é uma das três principais causas de morte entre os jovens e adultos de 15 a 34 anos, poucos veículos de comunicação se interessaram em abrir espaço para essas informações.
Talvez tenha prevalecido a tese de que qualquer menção ao suicídio na
mídia possa fomentar a ocorrência de novos casos. O risco de fato existe quando
se explora o assunto de forma sensacionalista, dando visibilidade a detalhes
mórbidos que possam inspirar a repetição do gesto fatal. Mas a própria OMS
recomenda enfaticamente a veiculação através da mídia de informações que ajudem
na prevenção do suicídio, como já se faz em relação à dengue, hanseníase,
tuberculose, AIDS, câncer de mama e outras doenças. "A disseminação de
informação educativa é elemento essencial para os programas de prevenção; nesse
sentido, a imprensa tem um papel relevante", é o que se lê na apresentação do
manual de prevenção do suicídio dirigido aos profissionais de imprensa pelo
Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde.
E quais são as informações relevantes que precisam ter mais espaço na
mídia? É preciso informar que, na maioria dos casos, pode-se prevenir o
suicídio. Na quase totalidade das ocorrências, há algum transtorno mental
(depressão, reações ao uso de drogas lícitas ou ilícitas, esquizofrenia,
transtornos de personalidade etc.) que, somado a outros fatores, favorece o
auto-extermínio. É igualmente importante reconhecer as circunstâncias em que há
"risco de suicídio", principalmente quando a pessoa verbaliza o desejo de se
matar - nesses casos os profissionais de saúde informam que a maioria das
pessoas que tiraram a própria vida comunicou a intenção previamente - ou quando
apresenta os sintomas de depressão, que, nas manifestações mais graves, requer
cuidados redobrados. No enfrentamento da depressão, estima-se que 2/3 das
pessoas tratadas respondem satisfatoriamente ao primeiro antidepressivo
prescrito.
Embora este seja um assunto ausente na mídia, o suicídio é
considerado problema de saúde pública no Brasil. Aqui ainda se registram taxas
pequenas em relação a outros países (3,9 a 4,5 para cada 100 mil habitantes),
mas em números absolutos já estamos entre os dez países do mundo onde ocorrem
mais suicídios (aproximadamente oito mil casos por ano), uma quantidade
certamente bem superior, considerando que muitos atestados de óbito omitem a
intenção do suicídio em mortes oficialmente causadas por acidentes de trânsito,
overdose, quedas etc. Há outros números que deveriam justificar uma preocupação
maior da sociedade em relação ao problema: as tentativas de suicídio ocorrem
numa proporção pelo menos dez vezes superior ao dos casos consumados e para cada
suicídio, há em média 5 ou 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem
conseqüências emocionais, sociais e econômicas.
Omitir essas informações
da sociedade significa esconder a sujeira debaixo do tapete e fingir que o
problema não existe. Se prevenção se faz com informação, é preciso enfrentar com
coragem o tabu que envolve o suicídio. Tão importante quanto rastrear as causas
desse problema de saúde pública - incentivando a realização de pesquisas,
seminários e congressos científicos - é apoiar as redes de proteção que
trabalham em favor da vida, como é o caso dos grupos de apoio que reúnem os
"sobreviventes de si mesmo", aqueles que tentaram, mas não conseguiram se matar;
familiares e amigos de suicidas que compartilham suas experiências em dinâmicas
de grupo conduzidas por terapeutas; e organizações voluntárias que realizam
gratuitamente um serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone
como é o caso do Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 141.
Há
inúmeros motivos para se acreditar que a prevenção do suicídio seja uma causa
urgente e necessária. Entre eles, os depoimentos dos suicidas que não
conseguiram consumar o auto-extermínio. Uma boa amostragem desses relatos
aparece na excelente reportagem "Os sobreviventes da ponte", publicada em O
GLOBO no ano de 1984, na qual o repórter entrevistou quatro pessoas (um
comerciante, um estudante, um comerciário e um estofador) que pularam da ponte
Rio-Niterói com o objetivo de se matar, mas, embora tenham se machucado
bastante, não faleceram. Todas, sem exceção, declararam-se arrependidas e se
apegaram de uma forma diferente à vida. No polêmico documentário "A Ponte", do
cineasta americano Eric Steel, são registradas em imagens fortes os flagrantes
de seis casos reais de suicídio consumados na Golden Gate, em São Francisco no
ano de 2004. Há também um único depoimento de alguém que tentou se matar e não
conseguiu: um rapaz revela em detalhes o salto para a morte a 60 metros de
altura; durante os quatro segundos de queda livre a aproximadamente 200 Km por
hora, ele se arrependeu da decisão e conseguiu girar o corpo de forma a tentar
cair de pé no espelho d´água; apesar das inúmeras fraturas e escoriações,
conseguiu sobreviver, nadar até a superfície e aguardar o resgate. É bastante
sugestiva a convergência de depoimentos em favor da vida de quem esteve tão
perto da morte. O problema é que, na maioria absoluta dos casos, o
arrependimento pode vir tarde demais.
(Envolverde/Mundo
Sustentável)