Armagedon humano?
Os atuais cenários sombrios sobre o futuro do sistema-vida e especificamente da espécie humana permitem que biólogos, bioantropólogos e astrofísicos aventem o possível desaparecimento da espécie homo sapiens/demens ainda neste século. Aduzem argumentos que merecem ponderação. O mais robusto parece ser aquele da superpopulação articulada com a dificuldade de adaptação às mudanças climáticas. Na escala biológica verifica-se um crescimento exponencial. A humanidade precisou um milhão de anos para alcançar em 1850 um bilhão de pessoas. Os espaços temporais entre os índices de um crescimento a outro diminuem cada vez mais. De 75 anos - de 1850 a 1925 - passaram para 5 anos de diferença. Prevê-se que por volta de 2050 haverá dez bilhões de pessoas. É triunfo ou dano?
Lynn Margulis e Dorian Sagan, notáveis microbiólogos, no
conhecido livro Microcosmos (1990) afirmam com dados dos registros fósseis e da
própria biologia evolutiva que um dos sinais do colapso próximo de uma espécie é
sua rápida superpopulação. Isso pode ser comprovado por micro-organismos
colocados na cápsula Petri (placa redonda com colônias de bactérias e
nutrientes). Pouco antes de atingirem as bordas da placa e se esgotarem os
nutrientes, multiplicam-se de forma exponencial. E de repente morrem. Para a
humanidade, comentam eles, a Terra pode mostrar-se idêntica a uma cápsula Petri.
Com efeito, ocupamos quase toda a superfície terrestre, deixando apenas 17%
livre: desertos, floresta amazônica e regiões polares. Estamos chegando às
bordas físicas da Terra. Há explosão demográfia e decrescimento dos meios de
vida num planeta limitado. Sinal precursor de nossa próxima extinção?
O
prêmio Nobel em medicina, Christian de Duve, sustenta que estamos assistindo a
sintomas que precederam no passado as grandes dizimações. Normalmente
desaparecem por ano 300 espécies vivas porque chegaram ao seu climax
evolucionário. Dada a pressão industrialista global sobre a biosfera estão
desparecendo cerca de 3.500. Um desastre biológico. Será que agora não chegou a
nossa vez?
Carl Sagan, já falecido, via no intento humano de demandar à
Lua e enviar naves espaciais como o Voyager 1 para fora do sistema solar, a
manifestação do inconsciente coletivo que pressente o risco da extinção próxima.
A vontade de viver nos leva a excogitar formas de sobrevivência para além da
Terra. O astrofísico Stephen Hawking fala da possivel colonização extrasolar com
naves, espécie de veleiros espaciais, impulsionadas por raios laser que lhes
confeririam uma velocidade de trinta mil quilômetros por segundo. Mas para
chegar a outros sistemas planetários teríamos que percorrer bilhões e bilhões de
quilômetros, necessitando pelo menos de um século de tempo. Ocorre que somos
prisioneiros da luz, cuja velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo é
até hoje insuperável. Mesmo assim só para chegar a estrela mais próxima – a Alfa
do Centauro – precisaríamos de quarenta e três anos, sem ainda saber como frear
essa nave a esta altíssima velocidade.
Tais reflexões nos permitem falar
de um possível Armagedon humano. Este representa um desafio para as religiões
que vêem o fim da espécie como obra do Criador e não da atividade humana. Para o
Cristianismo a morte coletiva, mesmo induzida, não impede o triunfo final da
vida pela via da ressurreição e da transfiguração de toda a criação por
Deus.
* Leonardo Boff é teólogo, escritor, professor emérito de ética da
UERJ e membro da Comissão da Carta da Terra.
Crédito de imagem: Salvador
Dali
(Envolverde/O autor)