Originalmente, o Rio da Onça, descendo da serra do mesmo nome, entrava numa grande depressão embutida entre a montanha (Zona Cristalina) e o tabuleiro (Formação Barreiras) e formava a Lagoa da Onça. Pela extremidade inferior, as águas escoavam para o Rio Muriaé, novamente na forma de curso d’água. Poder-se-ia dizer que a Lagoa da Onça era o Rio da Onça grávido.
Para melhor compreender a feição original da Lagoa da Onça, é necessário conhecer as características originais do Rio Muriaé entre Cardoso Moreira e sua foz, no Rio Paraíba do Sul. Manoel Martins do Couto Reis, escrevendo em 1785, e Antonio Muniz de Souza, com registros feitos em 1827, chamam a atenção para as extensas várzeas e lagoas marginais ao rio. Quando de suas cheias, as águas se espraiavam lateralmente por esses grandes reservatórios. Quando o nível do rio baixava, o excedente hídrico escoava aos poucos para o leito da bacia. Assim, os impactos das enchentes eram reduzidos. As Lagoas da Onça, do Lameiro, da Boa Vista e Limpa integravam este sistema.
Notam também os dois autores que todo o Vale do Muriaé era recoberto de magníficas florestas, o que reduzia também a força das enchentes. O trecho do Rio da Onça entre o Rio Muriaé e a Lagoa da Onça foi aprofundado e alargado no século XIX para que barcos a vapor rebocando pranchas chegassem a um local, na parte superior do rio, denominado Porto da Madeira. Lá, eram empilhadas toras de madeiras nobres que eram embarcadas nas pranchas e transportadas para Campos e São João da Barra, onde eram vendidas no mercado regional ou exportadas.
As florestas acabaram não apenas no complexo Rio-Lagoa da Onça, mas em todo o Noroeste Fluminense. As várzeas foram separadas do Rio Muriaé pela Ferrovia Carangola e, mais tarde, pela rodovia BR-356. As várzeas mais fundas e as lagoas, nas quais as águas ficavam retidas durante todo o ano, foram drenadas para a incorporação de terras destinadas ao plantio de cana, principalmente. Algumas lagoas foram barradas por comportas. Outras foram drenadas totalmente.
Para drenar a Lagoa da Onça, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), desviou o Rio da Onça, de modo a impedir que ele alimentasse a lagoa. Atualmente, ele se chama Canal da Onça e passa por fora da lagoa, chegando diretamente ao Rio Muriaé. Posteriormente, duas usinas completaram a drenagem com uma requintada rede de canais. Em 1997, uma intensa e duradoura chuva encheu parcialmente a lagoa. Uma usina se apressou em drená-la com rapidez. A ressurreição da lagoa atraiu peixes, jacarés e lontras.
Com a falência das usinas, as águas do Muriaé começaram a ocupar antigas depressões e nelas permanecer durante o ano inteiro. O sistema de drenagem da Lagoa da Onça foi apagado aos poucos. Com a cheia de janeiro de 2012, as águas do Muriaé subiram o Canal da Onça e romperam o dique que o separa do leito seco da Lagoa da Onça. Encontrando espaço livre, as águas se alastraram rapidamente e restabeleceram parcialmente a lagoa. Creio que o impacto da enchente sobre a localidade de Outeiro foi amenizado pela retenção das águas neste grande reservatório.
Nos meus 35 anos de ativismo em defesa do ambiente, aprendi muito sobre as razões da agroindústria sucroalcooleira do norte fluminense. A rica troca de ideias com Dr. José do Amaral Ribeiro Gomes permitiu-me compreender que vivemos um momento em que ambientalistas, proprietários rurais, usineiros e pescadores precisam se unir para enfrentar forças econômicas invasoras e poderosas. Esta união, outrora inimaginável, está sendo possível pela postura centralizadora e autoritária do INEA, que abertamente favorece os interesses dos grandes empreendimentos em detrimento da pesca, da agroindústria e do ambiente regionais. Entendo que cada setor deve ceder um pouco para que os laços da aliança se fortaleçam. Assim, com relação à Lagoa da Onça, proponho que o dique rompido seja reconstruído, mas que a Lagoa da Onça não seja mais drenada. Garantida a integridade da lagoa, será possível construir um sistema de segurança para a agropecuária, para a pesca, para o ambiente e para a sociedade.