Neste sentido, Campos ainda vive uma etapa atrasada do capitalismo. Seus governantes não se cansam de repetir que a cidade conta com um conjunto de bens imóveis da maior importância no Estado do Rio de Janeiro e no Brasil. Da mesma forma, promovem o levantamento de bens naturais. No entanto, ações efetivas para proteger os patrimônios natural e cultural são tíbias. Aliás, o próprio poder público destaca-se como destruidor da natureza e da cultura, mostrando-se leniente com aqueles que agridem bens naturais e culturais.
Volto ao caso do Córrego do Cula. Na formação do delta do Paraíba do Sul, quatro braços se lançaram na construção da planície fluviomarinha: os córregos de Itereré, de Cacumanga, do Cula e o próprio leito do Rio Paraíba do Sul. A partir de 1935, a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) canalizaram os Córregos de Itereré e de Cacumanga. Fizeram intervenções pesadas no Paraíba do Sul, mas não se interessaram pelo Córrego do Cula, que nascia na margem direita do rio e corria para a baixada até se juntar ao Rio Iguaçu, que escoava as águas da Lagoa Feia para o mar. Hoje, foi reduzido à Lagoa do Açu.
O Cula serviu de eixo para a colonização contínua dos europeus no norte-noroeste fluminense. Todo viajante que vinha do Rio de Janeiro ou de Salvador, pela costa, seguia por uma estrada de terra conhecida como Estrada Geral. Ela ligava o Farol de São Tomé a Campos. Posteriormente, o eixo do Cula foi acompanhado pela ferrovia e, finalmente, pela rodovia RJ-216. Todas elas afetaram profundamente o curso d'água.
No meio urbano de Campos, ele foi coberto da nascente à ferrovia para Niteroi e Rio de Janeiro. Posteriormente, aterros para a construção de uma sucursal do McDonald's e de uma academia de ginástica ocultaram parte de seu leito. O que restou dele foi tombado, juntamente com o Canal Campos-Macaé, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), em 2002. Um empresário da construção civil conseguiu convencer o INEPAC de que o curso d'água fora aberto pela Usina do Queimado na década de 1920, recebendo o nome da empresa. Acontece que mapas anteriores já mostram a sua existência. Fiz um levantamento deles, mas foi tudo inútil. Negligentemente, o INEPAC autorizou o manilhamento do córrego nos fundos de um condomínio fechado que o referido empresário havia construído.
Mais adiante, um secretário municipal de obras da prefeitura construiu um sistema para ocultar o trecho entre a ferrovia e a BR-101. O caso foi parar no Ministério Público Estadual, que ingressou com duas Ações na Justiça Estadual. As obras foram embargadas. Para suspender o embargo, a prefeitura aceitou firmar um termo de ajustamento de conduta que foi homologado pelo Poder Judiciário. A prefeitura assumiu o compromisso de substituir manilhas por bueiros celulares para que o córrego flua adequadamente sob a Avenida Artur Bernardes; refazer os meandros do curso e remover obstáculos ao fluxo hídrico; alargar a desembocadura do córrego no Canal Campos-Macaé; limpar o curso em toda a sua extensão descoberta; levantar a situação do córrego no seu trecho coberto para fins de recuperação; reflorestar as margens do curso mesmo que ele não seja o Cula, entre outros.
Só a substituição de manilhas por bueiros celulares foi feita. No mais, a decisão judicial está sendo descumprida desde 2008. Pior é que o trecho cortado pelo canal foi considerado macrozona de negócios. O WallMart, com autorização da extinta Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA), desviou o curso d'água com um canal de concreto. O adensamento da área aumenta dia a dia, sem que a prefeitura tome qualquer iniciativa no sentido de cumprir seus compromissos. Não é difícil proteger o que sobrou do Cula como patrimônio natural de interesse do Estado e do município. Os governantes municipais vêm demonstrando um desinteresse colossal na defesa de seu patrimônio. Por tudo isso, creio que é tempo de levar o Ministério Público Estadual a novamente cobrar o acordo celebrado e homologado em juízo.