Onde está a falácia do PIB? Trata-se de um indicador que reúne economia e deseconomia num mesmo saco. Tomemos o exemplo de uma área reflorestada. Ela gera serviços e bens úteis à sociedade. Isto vai para o PIB. Mas os serviços e os bens gerados pelo desmatamento também vão. O incêndio de um prédio com vítimas fatais movimenta bombeiros, casas funerárias, floriculturas, taxas de cemitério e empresas de seguro. Tudo é contabilizado no PIB. Plantar alimentos ou maconha, para o PIB, dá no mesmo. O economista neoliberal Milton Friedman percebeu muito bem a importância de se liberar drogas de todos os tipos. Mesmo o tráfico de drogas, proibido legalmente, acaba entrando no PIB porque ele não considera a ética. Caso considere, ela tambà ©m é contabilizada.
Por sua vez, a renda per capita é também falaciosa por pressupor que existe verdadeiramente a divisão da renda bruta entre os habitantes de um país. Ela é fruto de uma simples operação aritmética. Numa sociedade, como a brasileira, existe uma minoria cuja renda está muito acima da per capita, enquanto a maioria ou está no nível dela ou vergonhosamente abaixo.
Tentando corrigir essas distorções, os economistas Amartya Sen e Mahbud ul Haq propuseram o índice de desenvolvimento humano (IDH), rejeitando o PIB e a renda per capita. O IDH é obtido com o grau de educação, saúde, alimentação, habitação, trabalho, renda real de cada pessoa. Enfim, é o que se conhece como qualidade de vida.
Contudo, há uma falha no IDH: ele não pesa devidamente o impacto ambiental da qualidade de vida. Tomando o caso dos Emirados Árabes, verificamos que, apesar dos governos autoritários presentes em quase todos eles, o IDH é alto. Com populações pequenas e um PIB elevadíssimo, foi possível promover alimentação, saúde, moradia, educação e renda condigna a todos. O preço pago pela qualidade de vida, contudo, são a exploração de petróleo para exportação, os ganhos financeiros por aplicações em grandes bancos e o turismo em massa. Até em cultura, os investimentos têm sido vultosos nos pequenos países do Golfo Pérsico. A base do IDH alto está condenada a se esgotar. Além do mais, o petróleo é um dos grandes responsáveis pelas emissões de gás carbônico, princ ipal causador, com o gás metano, do aquecimento global.
O índice que está causando sucesso atualmente é o da felicidade interna bruta (FIB), proposta pelo rei do Butão, pequenino país budista encravado na Cordilheira do Himalaia. O FIB foi se aperfeiçoando e ganhou muitos adeptos, inclusive a aprovação de Ban KI-Moon, secretário geral da Organização das Nações Unidas. O cálculo do FIB considera nove dimensões: 1- bom padrão de vida econômica, 2- boa governança, 3- educação de qualidade, 4- boa saúde, 5- vitalidade comunitária, 6- proteção ambiental, 7- acesso à cultura, 8- uso equilibrado do tempo, e 9- bem estar psicológico. Existe até uma fórmula para o FIB: Felicidade=Genes+Circunstâncias externas+Atividades intencionais.
Ignacy Sachs já havia proposto dimensões mais aplicáveis a um mundo ocidentalizado, tais como alimentação sadia, saúde preventiva acima da curativa, habitação condigna, trabalho socioambientalmente útil, educação renovada, vestimenta e lazer. A felicidade ficaria a critério de cada um a partir desta base. Claro que, para assegurar estes direitos, os governos deveriam formular políticas públicas avançadas.
A dificuldade para aceitar o FIB é seu invólucro religioso. Por mais que seus defensores sustentem seu caráter laico, a verdade é que algumas das suas dimensões são ainda vagas e tendem a uma espiritualidade de viés oriental. Da minha parte, nada contra a dimensão espiritual. Cabe saber se o FIB poderia ser adotado em países cristãos e muçulmanos.
Seja como for, a Rio+20 tem o dever de apontar novos critérios de avaliação da economia que não sejam o PIB e a renda per capita.
ARTHUR SOFFIATI é historiador e ambientalista