Constrangimento

Faz tempo. Foi no segundo mandato de Leonel Brizola como governador do Rio de Janeiro (1991-1994). A empresa estatal Furnas Centrais Elétricas me convidou para fazer uma palestra sobre a questão ambiental num encontro de políticos e administradores públicos em Paracambi. Como de hábito, peguei um ônibus em Campos e desci no Rio de Janeiro, onde um carro da empresa me aguardava para me conduzir ao local do encontro. Também como de hábito, não recebi nenhuma remuneração pela palestra.
Ainda como de hábito, cheguei em Paracambi com uma camisa de malha meio surrada, uma calça jeans desbotada e tênis. Ao ser apresentado ao público por uma das organizadoras do evento, percebi que estava fora do lugar. À minha frente, os ouvintes estavam todos trajando ternos e gravatas.
Senti-me constrangido diante daquele auditório, num teatro local. Eu parecia um palhaço num circo. Abreviei minha fala. Ao final, recebi aplausos anêmicos, mera gentileza dos presentes, e, tão logo me retirei, percebi que a platéia olhou para mim como se dissesse: "Acabou a brincadeira. Agora, vamos a assuntos sérios". E puseram-se a discutir desenvolvimento, retomada do crescimento econômico (em todas as épocas, falamos em retomada, transmitindo a impressão de que vivemos permanentemente em crise) e outros assuntos em que a questão ambiental passava ao largo.
Naqueles tempos longínquos, eu aceitava qualquer convite, via de regra gratuitamente, acreditando que minhas ideias e minhas palavras poderiam mudar o mundo, ainda que minimamente. Sozinho no meu canto, vi a moça que me apresentou se aproximar de mim. Ela me perguntou se eu tinha algum transporte para me conduzir à rodoviária do Rio de Janeiro a fim de retornar a Campos. Não tinha, era óbvio. Então, ela me perguntou se havia problema em voltar de carona com um subsecretário de Brizola. Não era bem o que eu desejava, mas, como queria sumir dali o mais rápido possível, aceitei.
Ela me apontou um automóvel sóbrio e elegante, onde o motorista já estava ao volante à espera do subsecretário. Disse-me que iria retornar ao Rio em alguns minutos, pois só fora a Paracambi para abrir o encontro. Sentei-me ao lado do motorista. Logo chegou o subsecretário. O motorista apressou-se em abrir a porta traseira para que ele entrasse e se acomodasse. Discretamente, pediu-me que também sentasse no banco traseiro, insinuando que o banco dianteiro é para os subalternos.
Obedeci. O subsecretário era mais novo do que eu, porém parecia mais velho. Cabelos pretos com alguns fios grisalhos, muito bem cortados e penteados. Conquanto a barba estivesse escanhoada, notava-se pela mancha cinza-azulado em seu rosto que ela devia ficar cerrada ao crescer. Tinha um bigode perfeitamente aparado. Trajava terno impecável e gravata com nó perfeito num corpo másculo.
Confesso, senti-me inferiorizado ao lado daquele homem, eu, cabelo descuidado, barba rala, quase imberbe, magérrimo e mal vestido. "Que conversa pode ser entabulada entre nós de Paracambi ao Rio?", pensei eu. As condições climáticas são assunto infalível para iniciar um diálogo. Começamos por aí. Ele me disse que apostava muito no governo Brizola e que tinha ideais socialistas. Cá com meus botões, imaginei que ele devia morar num apartamento luxuoso da zona sul do Rio, frequentando encontros de gente elegante, servindo-se de boa comida e de uísque escocês.
A conversa se esgotou em poucos minutos, e faltava ainda muita estrada até o Rio de Janeiro. Reagi. Disse a mim mesmo que não podia me sentir inferior a ele. Afinal, eu era mais velho e tinha certeza de poder dominar a situação. Decidi fazer silêncio para criar constrangimento ao subsecretário. Uma espécie de jogo de bater sério. Aos poucos, fui assumindo uma postura de controle. Diverti-me com minha superação e com o desconforto que percebia nele.
Finalmente, o homem de gabinete não aguentou e começou a falar sobre os canais da baixada campista. Disse que tinha vindo a Campos e sugerido o soterramento dos canais, já que eles foram abertos e causavam problemas de cheia. Perguntou o que eu achava. Supondo que estava diante de um engenheiro, contestei sua posição num patamar mais elevado que o dele. Disse-lhe que os canais causaram impactos ambientais profundos. No entanto, mais profundo seria o impacto de aterrá-los, pois, para serem abertos, obedeceram-se as linhas naturais de drenagem. Além do mais, onde conseguir material para cobri-los, já que a terra retirada deles se espalhara havia muito tempo? Finalmente, os canais fechados eram mais problemáticos para a cheia numa planície.
O homem se calou. Quando voltou a falar, ponderou sobre minhas posições com simpatia, dizendo não haver pensado nos pontos que levantei. Assim, chagamos ao Rio. Meu complexo de inferioridade se evaporara. Desta forma, foi aprendendo a lidar com a esquerda e com a direita mofadas e arrogantes.
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