Presentes em massa à explanação, os proprietários rurais não gostaram da notícia. De fato, eles têm parcialmente razão. As obras deveriam começar já e atacarem primeiramente o baixo Ururaí e o Canal da Flecha. Escrevo parcialmente porque a discussão entre INEA e ruralistas se restringe a questões pontuais. Começar as obras agora ou em dezembro? Começar pelo Quitingute e Coqueiros ou pelo Ururaí-Canal da Flecha?
A Câmara Municipal de Campos vai criar uma comissão para acompanhar as obras, já que os recursos destinados à rede deixada pelo DNOS costumam ser liberados sem projetos. Não é de praxe fiscalizar os trabalhos, tampouco exigir prestação de contas. Em resumo, o dinheiro público acaba sendo desviado para obras que interessam aos mais poderosos, sempre descontentes, malgrado tudo.
Lamento, mas minha opinião é que, mais uma vez, o dinheiro vai ser jogado fora. Estado, ruralistas e políticos podem discordar quanto a detalhes, mas todos aceitam que a estrutura montada e deixada pelo DNOS é boa. Todos entendem que o problema reside no abandono do sistema, o que origina enchentes a afetar cana e gado na baixada, mas ninguém percebe que o problema não é a limpeza e a manutenção dos canais, e sim a estrutura que o DNOS montou com apenas três saídas de água para o mar: o Rio Paraíba do Sul, o Rio Guaxindiba (que funciona mal) e o Canal da Flecha, que centraliza grande parte do escoamento das águas pluviais para o mar e, mesmo limpa, não dá conta de tanta vazão. Com apenas três defluentes, as águas das cheia não conseguem escoar para o mar no tempo desejado.
Entre 1925 e 1929, o grande engenheiro hidráulico campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito concebeu uma estrutura com os seguintes extravasores: Rio Paraíba do Sul, Lagoas de Gruçaí, Açu e Lagamar e um grande canal de cem metros dividido em dez canais de dez metros cada um onde hoje fica o Canal da Flecha, sistema que se aproximava mais ao que existia naturalmente. De início, o DNOS adotou a proposta de Saturnino de Brito, mas acabou por abandoná-la. Ainda não se falava em ecologia, mas ele já valorizava a proteção das florestas como esponjas e das lagoas como área de escape no continente. O DNOS adotou este plano, mas executou algo bem diferente.
O plano conservador do INEA não considera as seguintes variáveis: 1- o volume da precipitação pluviométrica pelo aquecimento global (todos têm vergonha de admitir este fenômeno, que não existia nos anos 20, para não serem motivo de chacota); 2- as florestas foram suprimidas quase totalmente no norte-noroeste fluminense; 3- as lagoas, que funcionavam para absorver excedente hídrico nas cheias e escoá-lo lentamente durante a estiagem, foram drenadas ou bloqueadas para favorecer a agropecuária; 4- o despejo de esgoto na rede de canais favorece a proliferação de plantas aquáticas, que reduzem o fluxo hídrico; e 5- a abertura de antigas saídas para o mar de modo a descentralizar o sistema de descarga. A grande questão é: limpar e manter limpos os canais de uma estrutura centralizada que o DNOS construiu ou descentralizar a estrutura, acompanhando-a com outras medidas mitigadoras das cheias.
Em suma, não basta manter a rede de canais funcionando bem. É preciso mudar a estrutura. E agora as ações não devem mais se restringir à economia, mas visar também o social e o ambiental. Claro que uma mudança de estrutura demanda tempo e dinheiro, mas é preciso trabalhar nos prazos curto, médio e longo. Enquanto esta mudança não se operar, a sociedade continuará vendo seu dinheiro afogado nas águas.
Já apresentei esta alternativa na UENF e na UFF de maneira bastante ilustrada e vou continuar a apresentá-la onde for necessário.