Teto, piso e porão

Recorro ao historiador francês Ferdinand Braudel para analisar a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente. Braudel foi muito sensível à influência do ambiente sobre a história, ainda que não possa ser considerado um ecohistoriador. Ele identificou três níveis no processo histórico: o dos acontecimentos, o das conjunturas e o das estruturas. Em seu mais conhecido livro — O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II —, ele mostrou como trabalhar com os três. Na superfície da história, existe todo um bulício de acontecimentos que atraíram por muito tempo os historiadores factuais. Tais eventos, contudo, só se explicam se descermos ao nível das conjunturas, e estas expressam um nível mais profundo, o das estruturas, que se movimentam lentamente, numa história de longa duração.

Examinando a renúncia de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente e sua substituição por Carlos Minc, que respondia pela Secretaria de Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, estamos no plano da história dos acontecimentos ou da curta duração. Sabemos que Marina enfrentou pressões de Dilma Roussef, de Reinhold Stephanes, de Blairo Maggi e do próprio Lula. Permanecemos ainda no nível dos acontecimentos.

Mergulhemos mais fundo. O ministro Antonio Palocci estabeleceu uma política econômica de contenção, com taxas de juros altas. Seu envolvimento num dos muitos escândalos do governo Lula levou-o a se afastar. Dilma Roussef assumiu, então, o controle da política econômica, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ou bem ou mal, Marina Silva representava o desenvolvimento sustentável e Dilma Roussef representa o desenvolvimentismo a qualquer custo. O crescimento econômico sustentável do governo Lula nos induz a erro. Ele não significa crescer com respeito ao ambiente ou ao social, mas promover o crescimento da economia sem oscilações. Ora, como realizar este milagre sem considerar os limites da natureza? Como fazer a economia crescer sem energia e sem matéria?

Mais além — ou aquém — destes planos, está a economia de mercado, a antiga economia de mercado, que germinou no século 11 da era cristã, na Europa Ocidental. Foi ela que, pouco a pouco, coisificou a natureza para usá-la sem culpa. Foi ela que começou pelo comércio e depois invadiu a esfera da produção. É ela que vem transformando tudo em mercadoria para obter somente o lucro. Até os bens antes considerados abundantes, como água e ar, já estão na lista das futuras mercadorias. Nas formas comercial, clássica, neocapitalista ou neoliberal, esta economia se reduz a uma linguagem simples: ganhar dinheiro. A proteção da natureza e a defesa do ser humano representam um obstáculo para seu avanço. Foi a economia de mercado que, em última instância, mandou Marina Silva de volta ao Senado.

Quando a crise ambiental da atualidade se tornou visível, na década de 1970, três posturas se constituíram. Governantes e empresários diziam que os problemas ambientais eram uma ficção ou coisa de gente desocupada. Até mesmo os marxistas compartilhavam esta opinião, como a guerrilheira, presa e torturada Dilma Roussef, por exemplo. Para alcançar o status de país desenvolvido nos moldes dos países centrais, era necessário mais exploração da natureza e mais poluição. Os ecologistas condenavam não apenas o capitalismo, como também o socialismo, por considerá-los filhos do mesmo pai ou faces distintas de uma mesma moeda: a revolução industrial. No entanto, não se limitavam à crítica. Ao mesmo tempo, conceberam um novo modelo de civilização. Entre as duas tendências, havia os compatibilistas, os mais utópicos de todos, pois desejavam a promoção do crescimento clássico com a proteção da natureza concomitantemente.

Naqueles tempos remotos, o embate maior se dava entre desenvolvimentistas ou exponencialistas e ecologistas. Na década de 1980, o compatibilismo cresceu com o conceito de desenvolvimento sustentável. Sob esta bandeira, escondeu-se o crescimento predatório. Enquanto isto, um novo alinhamento de posições se constituiu. Os exponencialistas continuam operando de forma camuflada. O compatibilismo hoje se chama desenvolvimento sustentável. Os marxistas reconheceram que a crise ambiental não era uma ilusão e formularam a teoria da justiça ambiental. Os ecologistas começam a ganhar força novamente com a energia fornecida pelos ecocientistas, demonstrando a realidade do aquecimento global, da escassez de água, do esgotamento dos recursos naturais e, sobretudo, da grande ameaça de extinção que paira sobre a diversidade ecológica e biológica.

Hoje, o embate não é mais entre exponencialismo e ecologismo, mas entre exponencialismo e compatibilismo. Lula, Dilma Roussef, Reinhold Stephanes, Blairo Maggi e muitos outros não estão mais preocupados em se esconder atrás do biombo do desenvolvimento sustentável. Por outro lado, Marina Silva não é uma purista. Carlos Minc defende um ambientalismo de resultados. Ambos são compatibilistas. Este novo embate, a meu ver, representa um descomunal e perigoso retrocesso.

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