Trabalhadores bolivianos da cana em plena safra. Foto: Gastón Brito/IPS
A safra de cana-de-açúcar na Bolívia traz esperanças para o setor açucareiro, mas faltam condições internas e internacionais para sua expansão.
La Paz, Bolívia, 12 de novembro de 2012 (Terramérica).- O açúcar voltou aos engenhos bolivianos, que inundam o mercado interno e se desesperam para conseguir licença para exportar o excedente de 138 mil toneladas para Chile, Colômbia, Peru e Estados Unidos. A pior época, marcada por escassez, especulação e contrabando, foi em 2010 e é uma péssima lembrança para este setor pujante da agroindústria do departamento de Santa Cruz, onde funcionam quatro dos cinco engenhos do país, Guabirá, La Bélgica, San Aurelio e União Agroindustrial de Produtores de Cana (Unagro). O quinto, Indústrias Agrícolas Bermejo Sociedade Anônima, fica na região de Bermejo, no departamento de Tarija.
Este ano, a indústria de Santa Cruz tem nas mãos uma produção de 11 milhões de quintais (506 mil toneladas). Na Bolívia se usa o quintal (46 quilos) para medir produtos como o açúcar. O excedente seria de 138 mil toneladas. Contudo, destas, “apenas um milhão de quintais podem ser exportados com autorização do governo”, disse ao Terramérica o gerente geral da Unagro, Marcelo Fraija.
Os investimentos do setor em terras, cultivos, unidades industriais, máquinas agrícolas e infraestrutura chegam a US$ 500 milhões, segundo estudo feito em 2010, informou o gerente de Responsabilidade Social do Instituto Boliviano de Comércio Exterior (IBCE), Andreas Noack. Precisamente nesse ano, os engenhos de Santa Cruz produziram 395,6 mil toneladas e o de Bermejo 42,366 mil toneladas.
Bruscas mudanças meteorológicas nas nove províncias de Santa cruz, onde são cultivados 131.600 hectares de cana, fizeram cair a produção, e o governo interveio no mercado. O consumo interno estava estimado em 345 mil toneladas para este ano. Mas as autoridades consideraram pertinente controlar os preços. Os valores fixados para o mercado doméstico foram inferiores aos que regiam no vizinho Peru, e grandes volumes de açúcar acabaram cruzando a fronteira como contrabando.
Diante do desabastecimento, o governo proibiu as exportações e começou a importar açúcar da Colômbia. Mas a solução chegou quando, voltando atrás, determinou um preço de varejo perto do que sugeria o mercado, o que devolveu as condições à normalidade. “Não se repetirá esse período”, quando se apelou para importações concertadas entre governo e produtores como forma de “proteger a segurança alimentar”, explicou Fraija.
No entanto, a regulação das exportações se mantém, para garantir a oferta interna, e os empresários pedem que o Ministério de Desenvolvimento Rural e Agropecuário levante essa limitação. Em 2009, a indústria exportou US$ 75 milhões, embora seu teto histórico tenha sido superior a US$ 100 milhões em colheitas anteriores. Nos primeiros nove meses deste ano, as vendas de açúcar para o exterior não chegaram a US$ 17 mil e representam apenas 0,19% do total exportado por este país.
“Estamos felizes” com a safra de 2012, que se beneficiou do clima e de créditos concedidos pelo governo aos produtores, com prazos de até quatro anos e garantia das empresas e sindicatos, disse ao Terramérica o ex-presidente da União de Produtores de Cana de Santa Cruz, Hugo Gutiérrez.
O corte de cana começou em maio e mobilizou cerca de dois mil trabalhadores que chegaram das frias zonas altiplanas do oeste e das quentes terras do leste. A safra atrai trabalhadores temporários e suas famílias para a área dos canaviais, dividida entre cerca de 3.500 proprietários. Este ano se pagou entre US$ 4,3 e US$ 4,6 por tonelada cortada. Porém, quando a mão de obra escasseou, “por necessidade chegou-se a pagar até US$ 5”, e a utilizar máquinas, informou Gutiérrez. Algumas propriedades se estendem até 500 hectares, mas os pequenos produtores têm áreas entre 20 e 300 hectares. A colheita segue firme e continuará até o final de novembro, quando as chuvas interrompem o trabalho nos canaviais.
“O governo tinha razão quanto temia pela saída do produto por seu baixo preço”, disse ao Terramérica Mariano Aguilera, ex-presidente do maior engenho da região, Guabirá. “Hoje, entretanto, é diferente e são necessárias políticas comerciais claras. Os produtores sofrem para transformar os cultivos” e adequá-los às caprichosas condições climáticas, queixou-se Gutiérrez. “Por um lado, o governo nos dá uma mão com apoio financeiro, mas, por outro, fecha as portas para a exportação”, destacou.
Os produtores enfrentam um problema maior: os preços internacionais do açúcar estão em baixa. A cotação da tonelada caiu de US$ 800, no começo deste ano, para US$ 500, indicou Fraija. Em Bermejo, 1.165 quilômetros ao sul de La Paz, as expectativas se convertem em desesperança porque pouquíssimo açúcar foi vendido no mercado nacional e o volume armazenado não tem demanda.
Neste cenário, caiu mal uma lei aprovada no dia 10, para criar um imposto destinado a financiar a pesquisa científica da cana-de-açúcar. A União de Produtores Guabirá bloqueou estradas em Santa Cruz, protestando pela iniciativa que impõe a quem produz uma carga de 0,007 pesos bolivianos por litro de álcool e de 20 centavos por quintal de açúcar. Os produtores consideram que a medida surge como uma duplicação de esforços. Na Bolívia existe, há vários anos, o Centro de Pesquisa de Transferência de Tecnologia da Cana-de-Açúcar, vinculado ao Engenho Açucareiro Guabirá. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.