Tragédia entre a Caatinga e o Cerrado (Faroeste caboclo)

Drama é uma história dolorosa que pode acontecer ou não. Tragédia é uma história dolorosa fadada a acontecer, quer seja prevista por algum vidente ou conhecida apenas pelo destino. Woody Allen vê a vida como tragédia, pois dela ninguém escapa. Inútil fugir da tragédia, já que ela é traçada pelos deuses para os mortais.
João Santo Cristo está fadado a viver uma tragédia porque é pobre e negro. Ele nasceu na Caatinga, teve infância e adolescência sofrida até fugir de sua terra natal. Sua vida evocou a este crítico uma história em quadrinho de Juarez Machado. O insólito artista coloca um homem aprisionado num quadrinho. Ele tenta fugir usando todos os meios disponíveis: punhos, cabeça, pés, urina, objetos existentes no espaço que o aprisiona. Depois de muito tempo e com muito esforço, o quadrinho é rompido, mas o homem se depara com um quadrinho maior, onde está encerrado. Lutar contra ele o desalenta, pois podem existir infinitos quadrinhos externos que vão continuar a aprisioná-lo.
João não sabe que vive uma tragédia, mas tenta sair do caminho que vem seguindo. Tenta ser marceneiro. Tenta levar uma vida limpa quando conhece Maria Lúcia, branca filha de um senador por quem se apaixona e é correspondido em seu sentimento. "Faroeste Caboclo", dirigido por René Sampaio (Brasil, 2013), inspira-se em letra de Renato Russo com mesmo título, mas não lhe é inteiramente fiel no roteiro de Marcos Bernstein e Victor Atherino.
Este crítico assistiu ao filme em sala lotada em grande parte por admiradores de Renato Russo. No final, enquanto giram os créditos, a música é executada com o acompanhamento dos fãs. Só então prestei mais atenção à letra, pois que o rock brasileiro nunca me agradou com seu ritmo binário e melodias simplistas. O rock florescido no Brasil gostava de narrar histórias. Seria difícil imaginar que uma letra de música banal seria roteirizada. O resultado final é bem melhor que a letra, que, por sua vez, é mais detalhada que o filme.
Fabrício Boliveira (João) e Isis Valverde (Maria Lúcia) são os protagonistas. Entre os coadjuvantes, César Troncoso (Pablo) está soberbo no papel de traficante e chefe de quadrilha. Ainda como coadjuvantes, figuram Marcos Paulo (senador), Felipe Abib (o playboy traficante Jeremias) e Antonio Caloni (policial Marco Aurélio). A trama é ambientada, em parte, na Caatinga, e, na maior parte, em Brasília, em cidades periféricas e em bairros já degradados. Passa-se na década de 1980. A reconstituição de época primou pelo capricho, lembrando-se que, na capital da República, existem muitos lugares que parecem não ter mudado muito nos 30 anos.
Nada de excepcional na fotografia de Gustavo Hadba, embora ele tenha conseguido, com reflexos e jogos de luz, transmitir a sensação de ambientes fechados e decadentes. É de se registrar também os cortes espaço-temporais no avançar do filme, transportando o espectador ora para a Caatinga ora para o Cerrado, ora para o campo ora para a cidade.
Enfim, "Faroeste Caboclo" é um filme sóbrio é correto, mas não inova, como "O som ao redor", de Kleber Mendonça Filho, também de 2013.
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