Mais um nó de aperto

Ao contrário do que sugerem alguns analistas, a batalha do salário mínimo não foi uma batalha que não aconteceu, como a de Itararé. Também não foi uma batalha voltada apenas a dar tranqüilidade aos setores financeiros, industriais, agrícolas e comerciais adeptos da necessidade de um ajuste fiscal rigoroso, como único remédio capaz de debelar a inflação. Ela teve, e tem, um componente econômico que não se pode desprezar.

Na verdade, o governo está sem mecanismos para, no curto prazo, aumentar a produção de alimentos e bens de consumo de massa e aumentar a oferta desses produtos no mercado. Desde algum tempo atrás era evidente a contradição entre o aumento efetivo do poder de compra de uma parte considerável da população e o baixo ritmo de crescimento da produção daqueles produtos. Em algum momento, a pressão da demanda sobre a oferta se faria sentir com intensidade, refletindo-se na elevação dos preços e, portanto, da inflação.

Paralelamente, assistiu-se ao crescimento da demanda e dos preços das commodities agrícolas no mercado internacional e à continuidade da irracional política doméstica de juros altos. A primeira com reflexos negativos sobre a produção de alimentos para o mercado doméstico, e a última com reflexos negativos sobre o câmbio e os investimentos privados em áreas de baixa rentabilidade, como em geral são aquelas dedicadas à produção de alimentos e de bens de consumo baratos.

Esses fatores agregaram-se para acirrar a contradição entre o crescimento de poder de compra e baixo crescimento da produção de bens populares, estimulando ainda mais as condições para o surto inflacionário. Assim, do ponto de vista estritamente econômico, o governo viu-se apertado por um nó cuja solução reside, principalmente, no crescimento da produção de alimentos.

Por um lado, o governo parece não haver sido suficientemente alertado para o problema. Por outro, também não parece ter se dado conta de que sua solução demanda medidas mais fortes nas taxas de juros, no assentamento de lavradores, no subsídio à agricultura familiar voltada para os produtos alimentares e no apoio efetivo à comercialização com pequena participação de atravessadores. Medidas que, diga-se de passagem, mesmo que sejam aceleradas a partir de agora, não terão efeito imediato.

Diante de um nó como esse, para afrouxá-lo e debelar a inflação, o governo viu-se na contingência de comprimir o consumo. A batalha do salário mínimo parece ser apenas a primeira de uma série que deve se voltar para a contenção do consumo. Tudo na expectativa de ganhar tempo para reverter o processo produtivo dos bens de demanda maior do que a oferta, em virtude da elevação do poder aquisitivo de uma considerável massa da população brasileira.

O preocupante no caso, ainda do ponto de vista estritamente econômico, é que algumas áreas do governo talvez não estejam enxergando os verdadeiros nós que impedem a solução do problema. Talvez acreditem, como os neoliberais, que o combate à inflação só pode ser realizada através da compressão do consumo e do poder aquisitivo, demorando a adotar as medidas necessárias para elevar a oferta dos bens capazes de atender à demanda.

Do ponto de vista político, no caso da batalha do salário mínimo, assistiu-se a um verdadeiro embroglio de alianças pontuais. De um lado, alguns por disciplina partidária e outros por oportunismo político, a base do governo se manteve quase totalmente coesa. De outro lado, por exprimir o sentimento da grande massa de trabalhadores de salário mínimo, a CUT se viu na contingência de se aliar tanto a oportunistas de diferentes representações políticas, quanto aos conservadores e reacionários do PSDB e do DEM.

O resultado desse embroglio será, quase certamente, a apresentação de uma fatura alta, pelo PMDB e outros partidos burgueses da base aliada do governo, como cobrança pela fidelidade demonstrada. O PT e outros partidos de esquerda, por seu lado, se verão cobrados, em maior ou menor dose, por suas bases, em especial por aquelas que dependem do salário mínimo para sobreviver. Além disso, cresceu numa parte da sociedade o desejo de cobrar um saldo devedor do governo, relacionado a uma posição igualmente firme e sem concessões quando for necessário enquadrar o sistema financeiro e suas taxas exorbitantes de juros e lucros.

O governo Dilma, desse modo, viu-se na contingência de realizar um movimento de alto risco político para ganhar tempo no sentido de dar uma virada na produção de alimentos e de bens de consumo de massa, muito antes de haver dado início a seus próprios planos de luta contra a miséria. Luta que só pode dar resultado se o poder de compra das grandes massas da população continuar sendo for elevado. O que pressionará, inevitável e principalmente, em conseqüência, a oferta de alimentos.

Nesse terreno, portanto, não basta ter vontade ou adotar medidas paliativas. Ou a presidenta cria um PAC para o setor, exigindo dos ministérios e órgãos estatais correspondentes medidas e execuções ágeis, ou continuará refém do pensamento segundo o qual o crescimento econômico e a elevação do poder aquisitivo são as fontes principais da inflação. O que, em termos concretos, ao invés de desamarrar, será mais um aperto no nó.

*Wladimir Pomar é analista político e escritor.

**Publicado originalmente no site do Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/5736.


(Envolverde/Brasil de Fato)

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