LaerteBraga* |
Se tomarmos como referência o ano de 1960, transferência da capital federal para Brasília e depois o de 1975, fusão com o antigo estado do Rio de Janeiro, preservando este nome, há uma longa história que hoje culmina numa tragédia de dimensões dramáticas, esta de 2011, trinta e seis anos após a fusão imposta arbitrariamente pela ditadura militar.
Negrão de Lima |
Uma das primeiras tentativas de planejamento urbano no País, exceto cidades como Goiânia, Belo Horizonte e Brasília, foi feita pelo ex-prefeito da antiga capital federal, Francisco Negrão de Lima, mineiro de Nepomuceno (não confundir com São João Nepomuceno) e que havia sido ministro de Vargas, de JK e foi prefeito designado pelo próprio JK.
Diplomata de carreira, Francisco Negrão de Lima criou a SURSAN (Superintendência de Urbanismo e Saneamento), voltada para projetos de médio e longo prazos, já na preocupação de pensar a cidade do Rio de Janeiro como cidade/.estado (1956/1958).
Um “novo Rio” foi pensado pela SURSAN e boa parte começou a ser executada no governo de Carlos Lacerda, primeiro governador eleito da nova unidade da Federação (foi eleito em 1960, com mandato de cinco anos). A expressão NOVO RIO, inclusive, foi usada por Lacerda para caracterizar as obras que realizou. À sua característica de extrema-direita e golpista, juntou a de engenheiro de obras prontas, ou planos prontos.
O antigo estado do Rio de Janeiro, feudo da família Amaral Peixoto, desde a morte de Roberto da Silveira, em 1961, foi vítima de governadores indiretos (nomeados pela ditadura) até a designação do almirante Floriano Peixoto Faria Lima (1975/1979) para implantar e consolidar a fusão com a antiga capital federal, a cidade/estado da Guanabara.
Chagas Freitas |
O primeiro governador eleito (indiretamente) desse novo estado, o que resulta da fusão RIO/GUANABARA foi Chagas Freitas, um político oriundo do ademarismo (uma das primeiras escolas do malufismo no Brasil), ligado ao ex-governador paulista Ademar de Barros e ao seu partido PSP – Partido Social Progressista.
Chagas Freitas foi um exemplo do fisiologismo político discreto, mas pleno e absoluto, e o único governador do antigo MDB em meio a governadores indiretos (eleitos pelas assembléias depois de indicados pela ditadura), já que a antiga Guanabara rejeitou, desde os primeiros momentos do golpe, a ordem fascista dos militares que se seguiram à deposição de João Goulart – Jango.
Um período sombrio e de barbárie na história do Brasil.
Carlos Lacerda |
Quando governador eleito da Guanabara, em 1965, contra Carlos Lacerda e a ditadura militar (nas últimas eleições diretas até 1982 por obra e graça da ditadura), Negrão de Lima enfrentou tragédia de dimensões menores, mas proporcionalmente iguais às de hoje na cidade do Rio de Janeiro. O primeiro mês de mandato, o primeiro ano de governo.
Botou a mão na massa, retomou os projetos da antiga SURSAN – Lacerda havia tido um delírio com um “negócio” chamado DIOXIADIS – e de lá até o governo de Leonel Brizola, já no novo estado, nenhuma obra mais – a exceção das cosméticas – foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, agora capital e no estado do Rio de Janeiro.
Negrão de Lima (Guanabara) e Leonel Brizola (Rio de Janeiro) foram os únicos governadores a priorizarem, cada um a seu tempo e cada qual com sua realidade, questões como meio-ambiente, saneamento, obras de contenção em encostas, todo o conjunto de atribuições do poder público para evitar o que aconteceu neste ano de 2011.
No caso específico de Brizola, a urbanização de favelas levou a GLOBO a acusá-lo de aliança com o tráfico. O mau caratismo da GLOBO tem dez mil anos como diria Nélson Rodrigues sobre o gol de Emerson na final do campeonato brasileiro do ano passado.
Sergio Cabral |
Sérgio Cabral, reeleito ano passado, por exemplo, das verbas destinadas para obras de contenção de encostas, preservação ambiental e saneamento, passou 24 milhões à Fundação Roberto Marinho (arapuca da máfia MARINHO - GLOBO para fugir de impostos e fingir que ajuda). Para que e por que ninguém sabe ao certo, mas não é incorreto concluir que o dinheiro tinha e teve a finalidade de fazer um mimo na mais poderosa rede de comunicações do País e ganhar apoio à sua candidatura à reeleição.
Se morreram até agora 630 pessoas por conta da incúria de governos estaduais e municipais e do próprio homem em relação à natureza, do ponto de vista da GLOBO e dos Marinho isso significa uma baita audiência.
Transformaram a tragédia em espetáculo.
Apropriaram-se da dor das pessoas, mentiram e mentem como no caso do desentendimento que não houve entre a Cruz Vermelha e a Prefeitura de Teresópolis, é possível até que tenha existido uma tabela extra para comerciais inseridos durante as transmissões especiais diante dos custos das mesmas.
Não são humanos, nunca foram.
Marcelo Alencar |
O governo federal sistematicamente tem repassado verbas ao estado do Rio para obras nessa direção. Tais verbas sistematicamente prestam-se a demagogia de governantes (Marcelo Alencar sumiu com o dinheiro da despoluição da baía da Guanabara e Garotinho idem) e a decretos de luto oficial quando as tragédias ocorrem.
O protocolo da hipocrisia.
Orçamentos estaduais e municipais, cada qual dentro de suas possibilidades, têm incluído verbas para projetos visando a realização de obras necessárias a evitar que aconteça o que aconteceu em várias cidades do estado do Rio e de outros, como Minas e São Paulo (o primeiro, estado sob governo de um desvairado por oito anos – Aécio – e agora um alucinado Anastasia. São Paulo sob governo tucano desde a primeira eleição de Mário Covas, em 1994.)
A soma de recursos dos três níveis de governo, os contratos firmados com agências nacionais e internacionais de financiamento para projetos voltados a esse fim, prevenção de tragédias como a que está acontecendo, foi suficiente para que nada disso tivesse acontecido. Ou essa proporção de calamidade fosse menor, até na prevenção, como aconteceu na Austrália, onde as famílias em meio a enchentes as maiores da história do país fossem retiradas a tempo.
Em Cuba, antes da passagem do furacão Katrina o governo evacuou uma cidade inteira e apenas uma morte foi registrada.
Os governantes aqui é que foram e são incompetentes e corruptos. Uma ou outra coisa, ou as duas ao mesmo tempo.
Aldo Rebelo |
Aldo Rebelo, que dizem ser comunista, nas mãos dos latifundiários, quer um novo Código Florestal que abra as florestas ao latifúndio, ao agronegócio, em parceria com o deputado Vacarezza, do PT. Líder da bancada, que, nas mãos da Monsanto, quer a semente conhecida como TERMINATOR em nossa agricultura, acentuando sua dependência a grupos e empresas estrangeiras e cedendo terras brasileiras a essas quadrilhas, numa proporção que afeta a soberania nacional, a integridade de nosso território.
Não há política voltada para o saneamento, para o meio-ambiente, existem operações cosméticas e demagogia em cima do sofrimento e da dor das vítimas desse tipo de desdém.
Criminoso, desdém criminoso.
A cidade é a realidade imediata de cada um de nós. É na cidade que nascemos, crescemos, nos formamos, constituímos nossas famílias, vivemos o dia a dia e na cidade é que terminamos esse dia a dia, mas que se estende aos que geramos.
Nossos governantes pensam em termos de um ou dois mandatos, um ou dois períodos de “grandes negócios”.
Roberto Marinho |
A primeira lição que a tragédia nos traz é a da imperiosa necessidade de canais de participação popular, com caráter deliberativo, de fiscalização, para impedir que governos doem dinheiro público a fundações como a Roberto Marinho, disfarce, fachada de uma das maiores máfias do País.
Ou legalizem a casa, em área proibida, de um apresentador de tevê – Luciano Huck – porque cliente do escritório de advocacia da mulher do governador.
Não se pode permitir que o projeto de “reconstrução” das cidades destruídas pelas chuvas fique restrito a prefeitos e vereadores (câmaras municipais são uma aberração, conselhos de cidadãos substituem-nas e dão representatividade real aos habitantes da cidade, de cada cidade).
Do contrário vira uma festa de empreiteiras e todo o entorno dessas organizações criminosas, sob a batuta de prefeitos sem rumo e/ou corruptos.
Evo Morales |
Quando Evo Morales, presidente da Bolívia, disse a propósito de um comentário sobre os bolivianos serem “pobres”, que “dizem que somos pobres, mas não somos pobres não, somos indígenas” – o povo boliviano em sua maioria é indígena – estava dizendo que os cidadãos são capazes de construir sua realidade em cima de estruturas que permitam a existência, a coexistência e a convivência em bases dignas e humanas, mantendo suas culturas, tradições, a realidade de cada povo.
Não há necessidade de uma loja da rede McDonald’s em cada cidade do mundo para que todos possam ser felizes.
E se temos uma realidade brasileira, temos uma realidade fluminense, uma realidade de Teresópolis, outra de Petrópolis, outra de Friburgo e assim por diante. Cada uma em seu contexto, em seus limites. Todas com pontos de semelhança, lógico, somos uma nação.
Somos um todo, mas somos partes também.
A tragédia do Rio de Janeiro vai se repetir dentro de mais alguns anos. Com certeza. Neste momento, a mídia está preocupada com o espetáculo. A GLOBO já está preocupada com a demora em esgotar o assunto, isso pode afetar a audiência do BBB-11 e o “drama” sobre determinada sister ser ou não transexual; e os governos em se mostrarem “presentes” numa realidade que é viva e cruel por conta de suas ausências.
Ou o povo das cidades atingidas, de todas as cidades brasileiras toma o destino de cada uma de suas cidades, nossas cidades, em nossas mãos, ou tudo vai continuar como farsa, se repetindo indefinidamente de tempos em tempos.
E é assim que vamos construir uma política ambiental, que envolva saneamento, obras básicas de contenção de encostas, preservação de áreas que implicam riscos, nas cidades, nos estados e no Brasil.
Do contrário, em breve, estaremos afogados nos “negócios” dos que ganham com tragédias como essa.
*especial para o jornal www.jornalorebate.com.br