UM INOCENTE EXECUTADO NA "TERRA DOS LIVRES E LAR DOS VALENTES": JOE HILL


"oh, diga, a bandeira estrelada ainda tremula
sobre a terra dos livres e lar dos valentes?"
(trecho do hino nacional dos EUA)

Anotem a data: 19 de setembro de 2015. Temos um mártir a reverenciar neste dia.
É quando transcorrerá o centenário da morte de Joe Hill, outro esquerdista que, a exemplo de Sacco e Vanzetti, os EUA executaram por causa dos seus ideais, utilizando como pretexto um crime comum do qual foi falsamente acusado. 
Seu nome era Joel Emmanuel Hägglund. Filho de um ferroviário, nasceu na província sueca de Gästrikland, em outubro de 1879. Com queda para a música, aprendeu cedo a tocar órgão, piano, acordeão, banjo, guitarra e violino. Depois da morte dos pais, foi em 1902 tentar a sorte nos EUA, onde adotou o nome de Joseph Hillström.

Eis um bom relato do que lhe aconteceria na  terra dos livres e lar dos valentes, assinado por Fernando J. Almeida (cujo único senão foi não ter deixado mais claro quais trechos do artigo são de sua autoria e quais foram extraídos da trilogia USA, de John dos Passos): 
"Um jovem sueco chamado Hillstrom meteu-se ao mar, calejou as mãos em veleiros e velhos cargueiros vagabundos, aprendeu Inglês no castelo da proa dos vapores que faziam a ligação entre Estocolmo e Hull, e como todos os suecos sonhava com o Oeste. Quando se instalou na América, deram-lhe um emprego: limpar escarradores num bar de Bowery. Mudou-se para Chicago e trabalhou numa firma de máquinas.

Continuando a sua marcha para o Oeste, alugou os braços aos senhores das colheitas, arrastou-se pelas agências de empregos, pagou muitos dólares de comissão para conseguir trabalho numa empresa qualquer de construção civil, andou muitas milhas quando a comida era demasiado má, o capataz demasiado brutal ou os percevejos demasiado agressivos no barracão.
Participou duma greve, na Califórnia, costumava tocar concertina à porta do barracão, à noite, depois da ceia, tinha um condão peculiar para transformar em rimas os brados de revolta.
As canções de Joe Hill foram cantadas nas cadeias distritais e nas pensões rascas, por desempregados itinerantes, por trabalhadores das jornas. Em todo o lado, onde um proletário se sentisse perseguido, explorado, marginalizado, soava uma canção de Joe Hill.
Em Bingham, Utah, Joe Hill organizou os trabalhadores da Utah Construction Company num único grande sindicato, conseguiu-lhes salários mais elevados, menos horas de trabalho, melhor comida.
Joe Hill vivia no Utah, estado dominado pelo fundamentalismo religioso da seita Mormon. Foi acusado, injustamente, de ter assassinado um merceeiro, de nome Morrison. A sua condenação à morte provocou vastas movimentações.
O cônsul da Suécia e o presidente Wilson tentaram obter um novo julgamento, mas o Supremo Tribunal do Estado de Utah manteve o veredicto. Joe Hill continuou a escrever as suas canções, no ano em que permaneceu na cadeia. Em Novembro de 1915, encostaram-no contra a parede da penitenciária de Salt Lake City. 'Não percam tempo chorando minha morte. Organizem-se!' --foram as últimas palavras que enviou para os seus camaradas. Joe Hill aprumou-se diante da parede do pátio da penitenciária, olhou para os canos das espingardas e deu a voz de fogo".
Em 1980, assisti a um ótimo filme sueco sobre sua saga: O desejo final (d. Bo Widerberg, 1971), que passara nove anos vetado pela censura ditatorial. Eis o que o grande crítico Rubem Biáfora escreveu então:

"O que Sacco e Vanzetti foi para o cinema italiano, este Joe Hill é para o sueco: o libelo contra o injustiçamento de um idealista de seu país em meio à engrenagem da Justiça americana. A ação começa com o jovem Joseph Hillstrom (19 anos) e seu irmão aportando em 1910 à nova terra, cheios de esperanças, sujeitando-se a todos os trabalhos inferiores que as sociedades reservam aos imigrantes pobres e que não conhecem seu idioma.
Joe procura amenizar sua vida com a apreciação da música e compondo canções românticas, mas será depois, ao transformar-se em organizador sindical, colhido por obscuras evidências e acabará condenado à morte em circunstâncias nebulosas, que o tornam uma legenda que depois acaba mais ou menos perdida"
Agora o filme, de 112 minutos, está disponibilizado no Youtube, com dublagem em castelhano --clique aqui. Mas, durante esse tempo todo sem o rever, eu nunca esqueci a comovente poesia-testamento que Joe Hill deixou. Trata-se, exatamente, do  desejo final ao qual se refere o título do filme; e, claro, é aproveitada no seu término.
Graças à busca virtual, acabo finalmente de encontrar uma versão espanhola, que transpus para o português:
"Meu corpo? Ah, se pudesse escolher,
faria com que fosse reduzido a cinzas
e deixaria as alegres brisas soprarem meu pó
até onde existissem algumas flores murchas.

Talvez essas flores murchas então
voltassem à vida, florescendo outra vez.
Este é meu derradeiro e final desejo.
Boa sorte para vocês!"

Também me marcou muito a balada "Joe Hill", composta por Alfred Hayes e Earl Robinson em 1936 e que foi gravada por grandes nomes da música folk; Joan Baez, p. ex., apresentou-a no festival de Woodstock. Belíssima. Neste caso, a tradução está amplamente disponibilizada nos sites de música. Ei-la:
"Sonhei que vi Joe Hill na noite passada, como vejo a você e a mim.
Eu disse: 'Mas Joe, você morreu há dez anos'.
'Eu nunca morri', ele disse.
'Eu nunca morri', ele disse.

'Em Salt Lake, Joe --eu disse a ele, ao pé da minha cama--,
eles enterraram você numa cova'.
E Joe disse, 'mas, eu não morri'.
E Joe disse, 'mas, eu não morri'.

'O chefe dos toneleiros atirou em você, Joe, eles o assassinaram, Joe', eu disse.
'Precisa de muito mais do que armas para matar gente --disse Joe--, eu não morri'

'E lá de pé, firme e forte, com um sorriso no olhar,
Joe disse: 'O que eles nunca puderam matar é meu ideal'.

'Joe Hill não morreu --ele me diz--, Joe Hill nunca morre,
quando os trabalhadores em greve se organizam, Joe Hill está no meio deles'

De San Diego ao Maine, em cada mina, fabrica ou oficina
em que os trabalhadores se preparam para reivindicar seus direitos,
lá você encontrará Joe Hill.

Sonhei que vi Joe Hill na noite passada, como vejo a você e a mim.
Eu disse: 'Mas Joe, você morreu há dez anos'.
'Eu nunca morri', ele disse.
'Eu nunca morri', ele disse".
jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

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