A volta do bom selvagem

Não, não me refiro ao bom selvagem de Las Casas nem de Rousseau. Nunca existiu nem o bom selvagem nem o mau selvagem de Sepulveda. Nunca houve ser humano vivendo isolado. Em todo tempo e lugar, os humanos viveram em sociedade. Aliás, a sociedade antecede a humanidade e foi no seu interior que ela se formou. Todos os povos têm noção de bem e de mal.

Também não vou assumir a defesa de índios que se pintam para a guerra, mas usam telefone celular, computador, automóvel, roupas européias, sutiã, cosméticos etc. Estes já foram tão aculturados que não podemos mais reconhecer sua cultura original. Não direi que são maus ou bons. Direi apenas que, em grande parte, perderam seus valores pelo processo de globalização. Pouco a pouco, muitas nações nativas foram engolidas pela ocidentalização do mundo.

Mesmo assim, calcula-se que existam cerca de cem grupos isolados no mundo. Não se trata de opção pelo isolamento, mas da sorte de não terem sido encontrados pelo ocidental ou ocidentalizado. Recentemente, José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, sobrevoou o território do Acre e fotografou nativos que, surpreendentemente, ainda não foram encontrados pelos ocidentalizados. Eles integram um grupo do qual não se sabe o nome. Sua língua é desconhecida, assim como seus costumes. Fui tomado de emoção ao ver, na foto, índios robustos com os corpos pintados de vermelho urucum e preto jenipapo tentando acertar o avião com suas flechas. "Sai daqui, ave gigante, barulhenta e esquisita"; deixe-nos em paz", pareciam dizer.

Meirelles divulgou a foto na tentativa de mudar a política indigenista brasileira. Quando ela começou, com o marechal Rondon e com o Serviço Nacional do Índio, a intenção era integrar os povos indígenas a uma sociedade em estágio avançado, no caso a nossa. Positivista, Rondon era evolucionista e acreditava ser um ato de generosidade dar a mão a estes povos para tirá-los da ignorância. Depois, os irmãos Villas-Boas passaram a fazer contato para conhecer as culturas nativas e, ao mesmo tempo, protegê-las. Nos dois casos, os resultados foram desastrosos. Os indígenas se integraram ao nosso maravilhoso mundo como bóias-frias, os homens, e como prostitutas, as mulheres. Degradaram-se na bebida e na miséria. Esta foi a alta civilização que lhes oferecemos, sob argumento de que não devíamos deixar estes povos no seu lugar, como se fossem animais num zoológico.

Agora, com Meirelles, a política indigenista tenta entrar numa terceira fase. Trata-se, atualmente, de localizar os grupos e deixá-los em seu lugar. O próprio Meirelles explica: "Resolvi fazer a divulgação porque os mecanismos [para proteger essas populações] não têm servido. Ou a opinião pública entra nisso ou eles vão dançar. Não sei nada deles, e a idéia é continuar não sabendo. Enquanto eles estiverem nos recebendo a flechadas, e eu já levei uma na cara, estarão bem. O dia que ficarem bonzinhos, já eram... O futuro deles depende da gente, ou a gente preserva as regiões acidentadas [onde eles vivem] que não servem para agricultura, só servem para serem preservadas, ou essa gente vai acabar. Esses povos são únicos. Uma vez que eles desaparecem, desaparecem para sempre."

Até agora, as políticas indigenistas governamentais demagogicamente declararam que não podemos manter os índios isolados da civilização, como se fossem animais enjaulados. Demagogia mesmo. Cada povo tem direito a sua cultura. Estes grupos não têm vivência multicultural, por isto não conseguem se proteger. Melhor que fiquem afastados de nós, de nossas doenças, de religiosos, de médicos, de dentistas, de militares, de espertalhões, de políticos, do Lula, da Dilma Roussef, do Mangabeira Unger. É difícil, mas a Funai deve criar um cordão de segurança em torno destes povos. Este assunto deveria ser tratado na próxima reunião da recém-criada União das Nações da América do Sul (UNASUL), juntamente com a Amazônia, buscando uma política indigenista comum.

Do contrário, as palavras do índio Momboré-Uaçu, pronunciadas para ao missionário capuchinho Claude d'Abbeville, no Maranhão do século 17, continuarão tremendamente atuais.
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