Novo dossiê da Vale aponta investigação a militantes dos movimentos sociais no Estado


Gustavo De Biase  e Valdinei Tavares foram citados em documento encaminhado por ex-gerente que denunciou a empresa de espionagem

Um novo dossiê revelado pelo ex-gerente da área de Inteligência da Vale, André Almeida, aponta investigação da empresa ao articulador da Rede Sustentabilidade no Estado, Gustavo De Biase, e ao coordenador estadual do Movimento Nacional por Moradia e vice-presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho, Valdinei Tavares. Eles são citados no relatório “Recuperação de posse do terreno Bicanga”, produzido em setembro de 2011 pelo Departamento de Segurança Empresarial (Dies).

 

O dossiê feito pela Vale detalha uma ocupação do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) a uma área objeto de litígio, localizada em Bicanga, na Serra, com 72 hectares. Na ocasião, cerca de 400 pessoas ocuparam o local durante seis dias. A Justiça determinou a reintegração de posse à empresa, em operação que contou com 90 policiais do Batalhão de Missões Especiais (BME) e da cavalaria da Polícia Militar, culminando com duas prisões. 

No documento, a Vale trata como de “cunho político” a ocupação e associa o MTL ao Psol, antigo partido de Gustavo De Biase, que respondia pelo comando do diretório de Vitória na época. “As duas organizações, desde o início deste ano [2011], vem liderando vários movimentos sociais e políticos como invasões e protestos”, afirma o Dies. 

O material apresenta foto de Valdinei Tavares e reprodução de informações divulgadas no blog da MTL, tratando Biase como “líder dos protestos [estudantis] em Vitória, e uma pessoa ligada e que orgulha o MTL”. Além de Valdinei, a Vale aponta como outro líder da ocupação Erick Tavares. 

Sobre De Biase, a Vale acrescenta ainda tratar-se de um “pseudo líder dos protestos, que já foi candidato a deputado federal e atualmente é presidente do diretório municipal do Psol em Vitória, mesmo partido político do membro do MTL no Espírito Santo, Valdinei Tavares, que capitaneou a invasão em Bicanga”.

Na tentativa de criminalizar o movimento e os apoiadores da ocupação, a empresa recorda dos protestos de reivindicação da redução da passagem de ônibus na Grande Vitória. “Esse movimento causou graves transtornos à rotina do Estado, principalmente pelos confrontos entre os manifestantes e a força policial. Um evento com participação de vários ministros e do vice-presidente Michel Temer [PMDB] foi cancelado, em virtude da violência das manifestações. Pressionado pela opinião pública, o governador [Renato Casagrande] se viu obrigado a recuar com o uso da força militar”. 

Ao contrário das matérias jornalísticas que divulgaram a ocupação, a Vale informa em seu dossiê a presença de 500 famílias, chegando a duas mil pessoas. A atuação do BME foi citada como “um exemplo” pela área de Inteligência da Vale.  “A solicitação do GAESR para a presença imediata da força policial no local, mesmo antes de qualquer decisão judicial, foi prontamente atendida”. E completa a empresa: “a presença do BME mostra a força da Vale junto às autoridades policiais”. 

As considerações do setor indicam que a operação foi positiva para Vale, já que não gerou mídia negativa, a exemplo do que havia acontecido em duas situações anteriores, a reintegração de posse do terreno em Aracruz e os protestos dos estudantes. “Em nenhum momento a Vale teve sua imagem atingida por ações de força, nem por parte do BME e nem por parte dos invasores”.

A Inteligência da empresa afirma que o terreno já havia sido mapeado pela Segurança Empresarial como alvo potencial de invasões, tendo resultado em trabalhos ostensivos como “retirada de andarilhos, grupo de ciganos e outras possíveis ameaças à propriedade”. 

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Habitação, instalada na Assembleia Legislativa com o objetivo de apurar irregularidades nos processos de regularização de imóveis, também foi citada no dossiê. Um dos focos dos trabalhos foi o terreno de Bicanga. 

Litígio

A área em questão faz parte do espólio de Orzina Ribeiro Araújo e Malvino Coutinho de Araújo e é pleiteada pelos herdeiros. O grileiro José Olimpio Gomes havia comprado um terreno de mil metros quadrados na Praia de Carapebus, também no município da Serra, mas loteou e vendeu, em 1970, uma área de 181 hectares, ou seja, 1,81 milhão de m².

Para conseguir esta multiplicação de hectares, José Olimpio invadiu a terra vizinha ao terreno de 1000 m², separada pela Estrada de Manguinhos, fez uma planta de medição, numerou-a como GENP 10-01-105 e cadastrou-a no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com o número 505.021.100-2. Após o registro, vendeu 580 hectares das terras para a Vale, na época Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), apenas com base na planta e sem a documentação, registrando a companhia no Registro Geral de Imóveis como proprietária da área, que era, de fato, dos herdeiros de Orzina e Malvino.

Em 1992 os herdeiros entraram com uma ação reivindicatória contra a Vale, que acabou por anular tanto a compra quanto a venda da área por José Olímpio. Já em 2000, depois de extensa batalha judicial, os herdeiros conseguiram que a Vale depositasse em juízo mais de R$ 62 milhões, valor da área comprada indevidamente. No entanto, os herdeiros jamais tiveram acesso ao montante, que hoje está avaliado em mais de R$ 300 milhões.

Quando a Vale foi privatizada, nos anos 1990, recebeu um incentivo do governo federal para custear despesas com as indenizações e a compensação dos herdeiros era uma delas, mas nada do que devia foi pago. Depois de passar pelas instâncias locais e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de recursos em todas as instâncias e até mesmo depois do desaparecimento de 800 folhas do processo dentro do STJ, sua tramitação  ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF). 

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