RUA DO MEIO

Memórias de José Milbs

 

JOGOS DE BOTÃO E GERALDINHO AZEVEDO SEMPRE IA NOS VER...

A tarde era de estudar, jogar botões nas varandas ou brincar de bonecas de pano feitas pelos velhinhos do asilo, com irmã e coleguinhas.

Era uma infância igual a todas que tínhamos na década de 40. Abria-se o sol, a gente ia tornar banho na praia, cujas ondas vinham até a porta da casa de minha avó Alice Lacerda que morava perto do hospital. Não tinha feito à muralha e as ondas vinham e iam sorrateiras e dominadoras em toda a extensão da rua Dr. Bueno.

Quando o sol se escondia por detrás das nuvens brancas da cidade Pura o a gente se reunia nos jogos de papão ou triângulo.

Éramos eu, Cláudio, Levy, Telmo, Rubinho, Roulien, Sylvio de Seu Lulu Pinto, Anterinho, hoje cunhado do meu amigo e poeta Izac de Souza, Ismael da Barrinha, e vez e outra os mais velhos Mirian de dona Pequena, Nelsinho e tantos outros como Walber Gil e Wilson" Galo " . Nós éramos mesmos os menores neste mundo inexplorado de toda a infância.

Com a proximidade do carnaval - e é ai que começa o motivo deste CO­TIDIANO - a gente se emperiquitava todo. Botava os tamancos novos, penteá­vamos os cabelos bem para trás, apanhávamos as melhores camisas listradas na camiseira da avó e calçávamos a melhor das calças feitas em casa. Era a época dos ensaios da Escola de Samba Independente .

De novembro até o carnaval, todo dia era divinal. Chegávamos cedo na casa de " Titinha " . Ela era uma das pessoas mais lindas que eu conheci. Era irmã de João Pinto e cunhada de dona Elmira do Mathias Neto. Em sua casa guardava-se todo o material da Escola de Samba. Pandeiros, tamborins que a gente esquenta­va no fogão de lenha, enquanto os mais velhos iam afinando.

Que me desculpe a minha alma ecológica, mas o couro era de gato mesmo, que a molecada matava e colocava para secar no quintal. Couro de Gato, diziam os mais velhos, tinha a vantagem de repicar com mais sonoridade os tamborins e pandeiros. A carne era preparada no bar de seu Roberto onde uma grande legião de lindos ferroviários se reunia para uma "birinaites".

Titinha preparava sua casa para receber os batu­ques nas noites da nossa infância. Pergunto-me, às vezes, quando vou a pagodes no Rio ou mesmo em Macaé, se aquilo não era a verdadeira alma do pagode brasileiro? Quando a noite já ia alta, com todos os tamborins esquentados e afinados, ensaiava-se o samba que ia para a Avenida Ruy Barbosa bater de frente com os Cajueiros. O samba do Independente era mais ou menos assim:

Saí, fui buscar, 
Lá na vila, uma baiana pra sambar, 
Na minha escola, este samba eu fiz, 
pra ela sambar. 
Agora eu quero ver, 
Cajueiros dançar. 
Mas eu saí ' ...

A criançada ensaiava, a gente dançava e no dia de carnaval íamos todos, orgulhosos, verem o Independente passar.

Como ' Abelha Rainha do Samba ' ela fi c ava esperando seus súditos Atenta nos preparativos e quase sempre não tinha tempo nem de ver o seu Independente desfilar na avenida. Alguns de nós, que não tínhamos autorização para ir na rua ver o desfile, porque éramos muito pequenos, ficávamos com ela na arrumação da casa. Que carinho com as crianças tinha esta alma divina. Seu amor ao samba e a nós transpunha as barreiras do real. Era divino mesmo. Acho que o samba de Macaé, suas atuais escolas, tão carentes de autenticidade nativa, podia reviver nossas origens. E estas, sem dúvida, passam por " Titinha " , pelo " Independente " e pela Rua do Meio.

II

Muitos ferroviários que freqüentavam as tardes/noites da Rua do Meio tinham seus filhos e irmãos menores que queriam sair nos desfiles da noite. Geraldinho Azevedo era um destes lindos senhores.

Sua mãe Zelita, alertava a Titinha: Já falei com Pequena (mãe de Airan, Luiz, Mirian e Nelsinho). E estive também com Nhazinha (avó do autor que vus fala). Encontrei com Gilda, Lalate, Olga Patrocínio e Jacyra. Todas estão de acordo dos meninos irem ao desfile mais o Geraldo que vai olhar todos eles". Embora de pouca conversa o bom e meigo Geraldinho, sorria de lado e aceitava esta doce e linda incumbência de nos vigiar no carnaval.

O Tempo passou e outras pessoas habitam o Encanto de nossas existências. Geraldinho continuou sua vida de amigo. Sempre calado mais deixando transparecer a beleza de uma alma amiga, ele aposentou-se da Estrada de Ferro Leopoldina e foi servir com carinho e afeto na Faculdade de Filosofia como Secretário de Ensino.

Irmão do meu coleguinha de infância Cláudio, Geraldinho sempre foi uma espécie de Capa em nossas andanças pelas ruas empoeiradas de Macaé. Quando pensávamos eu e Cláudio, em romper as barreiras da Rua do Meio e voarmos até a Praça da Luz, onde enforcaram Mota Coqueiro, era Geraldinho, Wilson, Bráulio de seu Aluisio, Cimário e Meca que iam fazer a nossa segurança. A turma da Boa Vista e da Praça da Luz sabiam que o Pinguin da Rua do Meio e Cláudio Oval estavam bem guardados pelos braços amigos de Geraldinho e sua turma. Ninguém podia imaginar que caminhava nas ruas de Macaé, em suas peladas e lamaçais que recebiam o brilho de luas lindas de verões, estava quem seria o primeiro prefeito saído do POVO de Macaé. Cláudio Moacyr de Azevedo, irmão-menino de Geraldinho e filho da guerreira dona Zelita que vendia doce, foi de fato o primeiro prefeito POPULAR DE MACAÉ.

As nossas tardes eram sempre vigiadas, olhadas e tinha o sabor de que tudo tinha que ser assim. Crescemos admirando os mais velhos. Respeitando os gritos maternos. Mundos de infâncias que a diferenciação da vida nos separou. Casei. Cláudio Casou. Ele Prefeito. Eu vereador. Ele deputado eu perdi para Prefeito. Ele Presidente da UFE (União Fluminense dos estudantes -universitários). Eleição indireta. Eu Presidente da FEM (federação dos Estudantes de Macaé) eleição direta. Ele reeleito Presidente da UFE eu eleito Presidente da CoFES (Confederação Fluminense dos estudantes Secundários).

Sempre nos revendo, já moços e, com idéias quase iguais, nos Congressos estudantis. Eu na UBES, ele na UNE. Seguimos rumos diferentes. Mais jamais deixamos de ter um norte de afetos. Era minha avó Nhazinha, era Zelita, Às vezes a amizade de minha mãe Ecila com Maria do Amparo, sua irmã. Cláudio fez carreira na política e quase chega ao governo do Estado. Preferi o jornalismo. Fiz do O REBATE um meio legal de dizer as verdades e dar vozes a quem só sabia ouvir e calar: O POVO.

A vida tem destas esquinas. Tem destas vertentes. Hoje sou lido por centenas de pessoas que nem sei o rosto nem a voz escuto. Em sonhos vejo ainda o andar alegre de muitos amigos que se foram. Cláudio é um destes.

Mesmo andar que revi em vida, quando da morte do sei pai Álvaro Bruno de Azevedo. O ano não sei mais era na década de 60. Cláudio vinha, descido do ônibus da Santo Antonio e caminhava pela Praça. Eu fui recebê-lo nas esquina da Rua Julio Olivier com Sacramento. Uma mala das antigas numa mão. Era uma mala surrada daquelas de papelão. Tomei-a de sua mão, quase o preparando para o falar na morte do Velho Álvaro.

Sempre que Cláudio e eu estávamos a sua cabeceira a gente afagava seus cabelos brancos. Era uma cabeça totalmente embranquecida. Cabelos cortados rente ao coro cabeludo que se assanhava aos toques suaves das mãos de Cláudio... Ele, nos entendia e olhava lacrimejante. Este era o último afago dele ao velho pai. Cláudio o acaricia e saímos... Geraldinho o abraça e, juntos choram a perda...

Álvaro de Azevedo Bruno, deixou este mundo sem ver o filho mais jovem entrar para a história como primeiro macaense, saído das poeiras de suas ruas, nos mais altos cargos da vida Pública do Estado.


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