RUA DO MEIO
Memórias de José Milbs
A rua do "Meio" não tinha o nome de Dr. Bueno. Era do Meio porque só haviam duas picadas que levavam os moradores até a praia de Imbetiba.
Uma picada era pela rua da "Poça", hoje Luiz Belegard, homenagem ao engenheiro francês que projetou Macaé e a picada da rua do cemitério, hoje rua da Igualdade. Não havia ainda nenhum calçamento e as árvores abrigavam sombras até a praia.
Num livro que fiz de crônicas, afirmei que as ondas do mar vinham até nossas casas. Reafirmo. Ali onde hoje tem uns prédios de Atendimentos Médicos tinha formação de areias que o mar trazia nas lindas e românticas tardes de ressaca.
Thiers Pereira de Azevedo, Aluisio Andrade, Seu Oswaldo, Benildo Amado, José de Moura Santos, Benedito Gama, Celso Barbosa, Elso Froes (Pudim), Erotildes Monteiro, Darcy Pires, Lulu Pinto, Rubens Patrocínio, Sebastião da Silva Rosa, Tião, Sargento Pires(pai) , Seu Roberto. Simário, Meca, seu Demistoclates todos homens que faziam a história desta Rua com suas famílias e seus amigos. Digamos que estes são os verdadeiros pilares desta Rua...
Como não deixar que fixe na memória a doce presença de doutor Manoel Marques Monteiro e a sua dona Santinha Barreto Monteiro? Seus filhos "Alaydinha" e Geraldo que, estudando em Campos o segundo grau, vinha sempre em ferias e brincávamos na chácara que ia da Rua do Sacramento até a Rua do Meio.
E o negro "Pavuna" .que nos fazia as vontades em frutas colhidas sempre prontas e deliciosas?
Seu "Pavuna" era um remanescente das bondades humanas e residiu em Macaé nos meados dos anos 50 e 60. Poucas pessoas tiveram o divino prazer de conhecer sua figura arquejada e bela. A sua bondade, estraída do olhar cimentava se na gentileza da fala, que ao sair, entrava por nossa existência e deitava em nosso entendimento de criança como fórmula mágica de falas dos contos infantis, e noturnos, que tanto se diz nos Contos de Fadas. Pavuna era mesmo um mágico. Um Negro Mágico saído e vivido ...
Geraldo cresceu e se casou com "Alicinha", filha de Carlos Maia e Lucy e irmã de Beth. "Alaydinha" se casou com "Paulinho" Barreto filho de dona Hilda e seu José da Cunha Barreto. Uma mistura de Barretos que espalhou ainda mais estas duas famílias tradicionais de Campos e Macaé.
A vida nesta Rua tinha mesmo o frescor de brisa cheirada a rosa e peixe fresco. Vez ou outra uma ida a rua do Cemitério para jogadas de peladas no campinho em frente a casa de "Cabo Frio" de dona Sebastiana, perto onde mora hoje "Paulinho Ligeireza", Paulinho Cara de Vaca", "Calombo" e "Otinho". Outras vezes uns pulos e nados nos "Paus da Praia do Forte" nos fundos da casa onde morava Maday de seu Barbosa. Seu Barbosa ainda mantinha a simpatia no sorriso dos primeiros nordestinos vindos para cá. Mais tarde foi porteiro do Tenys Clube e fazia vistas grossas nas nossas entradas furtivas nos Bailes de Carnaval pulando pelos muros da "Vila São José"
Falar nisso, será que ainda existem os famosos "Paus da Praia do Forte" que serviram no passado para amarração de barcos e que a meninada ia a nado contando os troféus de cada "pau" que se conseguia chegar em braçadas leves e pequeninas?
As vezes que tenho ido nas cercanias da Praia do Forte e passo pela verdadeira Rua de Pedra do Litoral do Estado, vejo dezenas de casas tampando o acesso aos saudosos "Paus" de nados infantis de centenas de contemporâneos. Será que ainda existe como inexiste, em seu formato e forma o "Farol Velho de Imbetiba"? Tinha vontade de saber, Talvez Cláudio Santos, que mora por perto ou mesmo os "Camolezes" me informem um dia.
Quem sabe os freqüentadores do "Bico da Coruja" possam dizer desta curiosidade cristalina.
A memória e a tentativa de transpor o imaginário e faze-lo fluir para os dedos e, destes, formalizar algo que possa ser lido é a maneira que busco encontrar de uma forma especial sem me preocupar com detalhes de datas. Até porque nunca fui muito de guardar datas e números. Por isso é que quando me irmão Ivan Sérgio, que, atualmente mora em São Paulo, lembrava que a Rua do "Meio", no seu tempo de criança,, em época de ressaca, o mar jogava água na frente de nossa casa eu disse a ele que "no nosso quintal, se achava conchas e pedras brancas trazidas pelo esverdeado e puro mar de minha infância".
As ondas quebravam onde tem hoje um horroroso muro de cimento e vinha abrindo a sua passagem natural até onde a natureza lhe permitia ir. Passava ainda com força pela casa de Nascimento, ia se revigorando nas descaídas da Rua em frente a casa de Dona Maria de Seu Bráulio, pai de Icinho, Lelei, Décio e Delvan, fazia contorno em espumas, ainda moribundas e límpidas, na frente da casa de Titinha e Cecéia e ia morrer, lenta e graciosa na minhas casa e nas casas de Pequenino e seu Rubens. Podem perguntar a quem tem mais de 60 anos.
Hoje a Praia de Imbetiba não existe. Ou melhor se transformou num imenso cais onde se espera, a cada instante, um grande vazamento que a transformará mundialmente em mais uma destruição que a busco de algo que acabará em breve. Alguns milhares de dólares serão pagos ao município que, por sua vez se calará, terá um prefeito qualquer homenageado com jantar e passeios de Helicóptero e a cidade se esvaindo, esvaindo aos poucos do que lhe resta de belo.
O mar foi domesticado e nas águas teimosas, ainda esverdeadas, se pode ver cocos, óleos, estopas e cheiro de mijo em uma areia que, não recebendo as ondas do mar para lhe banhar, virou terra amarela e suja. Antes eram os Carangueijos, Ciris, Tatuis e larvas que lhe faziam o belo da existencia. Hoje são ratos, baratas, mosquitos que ornam a destuição humana neste lindo recanto de belezas antigas.
Ainda se pode ver alguns nativos corajosos se banhando nas águas de Imbetiba no inicio deste século.
Ivan Sérgio, meu irmão menor, brincava com "Fernandinho", Matheus, "Mundinho", "Nelsinho" de Irene e Darcilio , com "Nelsinho", "Beto", Eduardo de dona Elsa e Darcy, Hermínio e Enir de Seu Elias do Hospital, "Zé Pretinho" de seu "João Gordo", com "Manoel Juca" de seu Salvador, com "Braulinho", "Juca" de Ceni e Bráulio e vez ou outra com os maiores que eram de minha turma.
As peladas eram no "Campinho do Areal", no "Campinho do Cemitério", e no "Campinho da Cocheira" e muitas das melhores e animadas peladas eram em plena rua com tamancos servindo de traves e jogadas com "bola de meia".
Ivan teve uma linda infância como todas as nossas. Hoje ainda volta as nossas ruas e, em busca de seu passado, corre as casas das ruas que lhe viram menino nas ruas empoeiradas de Macaé. Assim como o autor ele conserva o Sitio que nossa mãe Ecila nos deixou com a recomendação de que "todos seus descendentes façam suas moradas e que nenhum de seus netos e bisnetos fiquem sem algum pedadinho de terra para plantar e morar". Desejo que estamos mantendo...
Um dia quando se fizer a história do belo das ondas bravias da praia de Imbetiba, teremos que dizer do pecado que foi transformar essa linda praia, única de areia grossa no litoral, em píer de petróleo.
A beleza das noites de luar de Imbetiba e seus vaga-lumes deram lugar aos pisca-pisca de barcos multinacionais.
O voar -livre de tesoureiros e gaivotas foram substituídos por helicópteros, cocôs de gringos e plásticos que passaram a boiar tranqüilamente nas ondas domesticadas por enormes pedregulhos. Seria este o fim do amaldiçoamento de Coqueiro ou o verdadeiro começo do amaldiçoamento?
Imbetiba de tardes de verão e aconchego belo não existe mais. Ë um amontoado de lamas, plásticos e gente que nem "Bom Dia", "Boa Tarde" e "Boa Noite" sabem existir . As casas onde moravam os primeiros veranistas vindo de Campos, como o simpático Pereira Pinto, com sua elegante roupagem e bengala de madrepérola, não existem mais. É um amontoado de guetos, prostíbulos e barracas de mal gosto. Aquele correr de casas que ficavam fechadas durante o ano e que se abriam nos meses de novembro até março e que nos trazia lindas e belas campistas estão abarrotadas de lixo e a espera da abertura do novos rend_vous que, mansa e delicadamente vai sendo feito sob os olhares "complacentes" das autoridades políticas e policiais.
É final de anos 2006 e inicio de 2007 onde as historias contadas na Orla da Praia são outras diferentes das contadas por nossos pais e avós. São historias misturadas com AIDS, Drogas e corrupção de menores que se amalgam a gringalhada maluca que desce nos navios ancorados ao longo da ilha do papagaio.
É a Praça Mauá bem ao modo Tupiniquins com cheio de óleo, coco e mijo internacionalizado...
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