Os Tavares, os Silvas, os Almeidas, os Pratas
e a HISTÓRIA DE MACAÉ.

José Milbs de Lacerda Gama


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CADETE DE ARAUJO O BANDOLEIRO

Havia um bandido temido de nome "Cadete de Araújo" que atormentava famílias inteiras em Carapebus, Quissamã e Conceição de Macabú. Este personagem da história de Macaé, mais tarde vim saber, foi morto tocaiado por um pequeno sitiante que havia tido sua casa invadida por "Cadete de Araújo". Falam que ele era do norte do Brasil e que tinha vindo para cá para administrar uma fazenda em Rodagem perto de Quissamã. Minha bisavó dizia isso, falava "disconjuro" e se benzia encomendando esta má alma a Deus. "Cadete de Araújo" morreu, mas deixou seu nome odiado por tantos quantos tiveram suas casas e mulheres maltratadas.

Meu tio Jonas Coelho de Lacerda, filho de uma irmã de meu avó Mathias de nome "Mocinha", foi criança e morou na "Fazenda do Airys" .

Ele me contava sobre "Cadete de Araújo" e disse que ele até tentou uma provocação com meu avô dizendo que iria empinar o cavalo dele na porteira e entrar. Disse isso no fornecimento e chegou ao conhecimento de meu avô que mandou avisar para ele não fazer isso que seria ruim para um dos dois. Era melhor ele continuar lá pelas bandas de Carapebus mesmo.

Disse que ele foi ate a Fazenda mais não teve coragem de cumprir o empinamento do cavalo. Tio Jonas contava isso para dizer que meu lado corajoso em imprensa era uma herança familiar moldada e amalgamada no sangue de Emílio Quintino da Silva, Mathias Coutinho de Lacerda e dos Gamas dos sertões de Campos dos Goitacázes.

Tio Jonas era poeta e tinha grande afeto por Macaé onde nasceu no casarão que faz esquina da rua Presidente Sodré com São João perto do mercado.Era Professor e auto didata.

No "Alto da Boa Vista" foi proprietário de um colégio interno. Viúvo e pai de Oberland da Veiga Lacerda, Rubens da Veiga Lacerda e Estela da Veiga Lacerda ,se casou com uma prima irmã Ondina Lacerda, também viúva de Joaquim Borges, alto comerciante macaense nos anos 30.

Ondina, que tinha apenas um filho Eros de Lacerda Borges Era irmã de minha mãe Ecila... Heros veio a se casar com Geny, filha de dona Affif e Irmã de Tidinha, Lucy e Dezy. Apenas um filho Ronaldo Célem Borges que misturou mais um sangue na fmília quando se casou com uma Esteves. Nunca vi, em toda a minha vida uma pessoa tão docemente educada e paciente como Geny.

Tio Jonas morava no Rio no bairro de Grajaú, rua Araxá, 522, numa linda mansão onde íamos sempre passar dias. A rua Araxá , 522 , nos anos 60 se parecia com qualquer cidadezinha de interior. Da Caruaru até a Conde de Bonfin se podia ver as Cadeiras espalhadas nas Calçadas.

Tio Jonas resolveu mudar-se para Macaé onde fixou-se na chácara ao lado de minha casa na rua do Meio onde, sempre, a casa estava cheia nos finais de ano.

Sempre conversando com seu Pequenino ele voltava as suas origens macaenses. Como homem das letras e muito chegado a curiosidades da vida o velho Jonas descobria nossos valores. Eu, José Mathias, Antonio Fino e outros primos sempre que podia catucava a gente com suas memórias e fluíamos bons conhecimentos. Tio Jonas Lacerda sempre afirmava que Mauricio Lacerda, pai de Carlos Lacerda era primo de nosso avó Mathias. Levy, Flavito Moreira eram alguns dos muitos amigos que habitavam a casa de Tio Jonas nos verões dos anos 60.

A rua do Meio tinha o sabor do belo frescor macaense que se esvai no progresso e no calçamento que lhe tirou o puro cheiro das bostas verdes dos cavalos das carroças que sempre vinham com seu ranger de rodas iguais em todo mundo das puras cidades de interior..

Minha Vida, 
Era um palco iluminado. 
A Lua furando nosso zinco. 
Salpicavam de Estrelas nosso chão"...

De meu bisavô Emílio

Negociante de cavalos, homem rude dos sertões de Carapebus ele foi fiel amigo durante meus primeiros anos de vida. Recordo-me de seus longos braços ossudos, cabeludos fortes e bonitos me enlaçando aos ombros. Agente passeava muito .

Eu tinha uns 7 ou 8 anos e com ele percorria os primeiros passos no conhecimento da geografia do mundo. Ele, velho Cavaleiro dos Sertões de Carapebus, Capelinha do Amparo e Quissamã. me contava as vivências dos cavaleiros, seus antepassados, ciganos. Meu bisavô além de bonito era de uma força espiritual grandiosa. .

Em Capelinha do Amparo e Paciência, onde tinha seu sitio, me contava das histórias de Carapebus, de seus pais e avós. Os Silvas , os Tavares os Ribeiros que se espalhavam por toda região e se reviam nas tardes e noites em cavaladas diárias, por entre matas e praias virgens deste sertão ainda inexplorado e belo.

Tinha um olhar profundo marcado pelo queimar do sol e uso constante de chapéu. Seus cabelos ainda mantinham uma mistura negro branco e o sorriso firme e sincero deixava entreabrir- se em duas covas marcantes e profundamente infantil num rosto de 90 anos. Quando tirava o chapéu ele deixava a mostra a cor branco/moreno de sua testa queimada pelo sol das estradas cavalgadas..

Aristeu Ferreira da Silva, que tinha parentesco próximo com meu bisavô Emílio da Silva Ribeiro sempre contava, nas noites alegres do "Café Belas Artes" onde ia sempre em minha juventude, fatos que marcaram a história e a historicidade de Quissamã, Carapebus, Conceição de Macabú e Macaé.

Aristeu era um homem de pouca conversa mais observava , como uma águia, tudo em seu redor. Homem rudemente belo e com a tez queimada pelo sol como meu bisavô ele sempre estava me olhando e aconselhando em minha meninice.

Getulista ferrenho Aristeu e Ruy Moutinho de Almeida eram os pilares políticos nos anos 60...Aristeu é pai de Aninha e Bibi. Aninha se casou com Marco Vinícius e Benedito é pai de Marcial das gerações de meus filhos mais velhos Aninha e Luís Cláudio. Ruy é pai dentre outros de Jorge Ruy que veio morar neste bairro que eu e Ruy fomos os primeiros moradores. O Bairro se chama MULAMBO mais mudaram para Novo Cavaleiro.

AS HISTÓRIAS DE MOURA TORTA E CHAPEUZINHO

Aos 95 anos, voltando de nossas idas a praia de Imbetiba, meu bisavô tropeçou num tronco de árvore que a gente chamava de "Pé Mija-Mija" porque tinha um pequeno fruto que a gente partia e espirrava um líquido que usávamos em brincadeiras infantis. Depois deste tombo ele nunca mais foi o mesmo.

A viuvez de minha bisavó pude presenciar. Ela era minha companheirinha quando minha avó ia para a Igreja, principalmente nas ladainhas do mês de maio.

Me contava lindas historias de "Moura Torta", de "Chapeuzinho Vermelho", "Baratinha" , "Cinderela". "Príncipe Encantado", "Sapo Pururu"

" O Sapo não lava o Pé 
Não lava porque não quer"

Foi dela que aprendi coisas do tempo dos escravos. Um dia perguntei a minha mãe Ecila por que ela , minha bisavó, tinha os olhos azuis.

Ela me disse que devia ser herança do dela que era loiro, embora ela fosse meia cabocla. Sua pele tinha um enrugamento lindo e, quando se machucava com algum arame no quintal ou mexendo em facas na cozinha, cicatrizava muito rapidinho.

Eu pensava que machucado era bom. Que não doía. Coisa de criança mesmo. Via que ela ficava machucada e nem sentia. Colocava "Pó de Café" para estancar o sangue e, em menos de minutos, estava tudo igual. Eu torcia, internamente para me machucar para correr e colocar o Pó de Café.

Adelaide, nascida no começo de l800, vinha com os conhecimentos adquiridos de seus pais. Imaginem como era essa região nos anos de l840, onde eles habitavam e viviam.

Os sertões de Carapebus, Quissamã e Conceição de Macabú eu conhecia quase como se tivesse vivido lá. Ela ia me pondo a par deste belo mundo. Os "Barcelos", os "Rozendos", os "Pratas" os "Almeidas" e os Silvas eram todos citados em nossas noites de historias e encantamentos. Falar destas figuras que foram os pioneiros de uma região,era uma aula de encantamento e de profundo conhecimento. Relatava fatos e havidos de uma forma brilhante e de rara beleza. Como todos os nomes eram de pessoas, familiarmente ligados a meus antepassados, eu tomava pé das raízes de um lugar que fora habitado por desbravadores e índios. As vezes pedia para contar sobre os bisavós dela e ela me dizia serem oriundos dos indios "Urutus" uma tribo que diziam ser antropófagos e que foi dizimada pelos outros índios.Insistia e ela fugia do assunto para não se deixar revelar um pouco de sua forte e predominante origem nativa.

Eu e Djecila, minha irmã, éramos seus mais freqüentes ouvintes. À noite ficávamos em sua cama, e um grupo de amigos, nos deliciando com os relatos que ela fazia . Nesta época as delícias do conhecimento humano brotavam onde fluíam a dissertação das vivencias dos nossos antepassados. Era a cultura que infelizmente está sendo substituída pela monstruosidade e pelo analfabetismo cultural que a televisão nos tenta impor goela a dentro.

Morreu minha bisavó Adelaide, com cem anos e três meses quando eu já me entendia como gente.

Engraçado que quando ela fez 100 anos as "Zeladoras do Apostolado da Oração" fizeram um lindo bolo com cem velinhas, já que minha avó "Nhazinha" era presidente do Apostolado. Em plena comemoração lhe foi perguntado quem ela iria dar o primeiro pedaço de bolo.

Ela, lúcida como uma criança e rápida como uma lebre foi dizendo, em tom risonho e belamente infantil.: -"Vou dar para minha filha Nhazinha, porque se escolher uma de vocês, ficariam enciumadas, uma com as outras. Assim vocês não ficam"-. E, virando se para minha avó, sua filha, foi lhe passando este pedaço de memória em forma de bolo.


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