DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo IX

A luta por melhores condições de vida e a busca por uma sociedade mais humana e justa fazia parte do dia de centenas de ferroviários em todas as estações e oficinas de reparos de peças. Salário baixo e condições precárias de trabalho iam criando a cada dia mais condições de organização e forma de lutas. Os velhos ferroviários contavam aos mais jovens as terríveis privações na alimentação e até na hora das necessidades fisiológicas. Uma grande vala de uns 25 centímetros de largura e uma profundidade de meio metro servia de local para se defecar nas oficinas de Imbetiba.

Latas com águas eram jogadas após as cagadas e mijadas e as merdas e urinas iam vala abaixo até alcançar o viaduto por baixo da estrada. As refeições tinham que ser em casa ou levar de marmita. Alegria mesmo era na chegada do trem pagador em Imbetiba. Desviado do trilho principal uma variante levada o vagão ate os fundos das oficinas.

Uma velha locomotiva trazia os holerites que eram chamados nominalmente por um ferroviário que trabalhava no escritório. Estes sempre de gravatas iam chamando um por um. Os atestados e as faltas povoavam as incertezas na abertura destes soldos, suados e parcos. Qualquer falta, mesmo depois do almoço por um motivo qualquer o trabalhador perdia o sábado e o domingo.

Os atestados ainda podiam ser rejeitados principalmente se forem de “cefaléia ”. Os patrões e os chefes não acreditam que barulho de malho em bigorna em tenaz com ferro quente não dava dor de cabeça não. Sempre era e ainda o é a mente do explorador. Nos seus gabinetes fechados não entendiam a dor de uma cabeça jovem exposta a constantes porradas de martelo e chapa de aço nas caldeirarias e ajustagens nas oficinas de Imbetiba...

Canela de Pau esta querendo mudar de colégio. Gosta de ver, nos dias de paradas oficiais os alunos da Escola Ferroviária desfilar. Banda bem harmônica. Uniforme em forma de fardas e o que mais lhe chamava o desejo interior era o uso de um quepe azul marinho e outro de cor bege que os alunos usavam. Treze anos é a idade que pode ser prestada as provas. Sabia que ia concorrer com muitos filhos de ferroviários que, num empate de notas tinha preferência na escolha. Canela de Pau ia passar a estudar a noite e prestar prova para a Escola Ferroviária 8-1 Senai . Além disso ele ia receber um salário que podia ajudar sua avó na manutenção da casa. Sua irmã continuaria no colégio nas tardes e ele iria cursar o segundo ano à noite...

Guarda-freio sabia da responsabilidade que o Maquinista tinha na entrega do papel na Estação do Caju em Campos. Ele que tinha recebido a incumbência do Comitê Central estava por demais impaciente. Em Rocha Leão, quando o Expresso deu pequena ´paradinha ele que tinha sido o responsável. Disse ao telegrafista que havia algo de estranho num trecho que vinha em direção a Rio Dourado e este havia passado para o Maquinista. Os papéis tinham que estar nas mãos do companheiro de Campos antes que alguém desconfie do trabalho que estava fazendo. Em Carapebus ou Dores foi muito perigosa à presença do subchefe quando da entrega que continha textos de Lênin. O governo, a chefia da Leopoldina e os Ianques estão pagando a peso de ouro e promoções e grana quem descobrir ou indicar onde parte as comunicações. Pensava na mulher e filhos do Maquinista e em outros companheiros que cairiam nas mãos da repressão se algo não sair como esta planejado.

O homem de terno branco, tipo malandro da Lapa e dos puteiros da Boca do Lixo paulista é quem vai receber em Campos o papel e o fazer chegar depois a outras mãos. Ele “esta “fantasiado” assim de Malandro” para não despertar suspeitas. Seus óculos escuros, fechando vem os olhos dariam a impressão se tratar de cafetão que esconde os olhos vermelhos cheios de maconha ou cheiro. Os seus dedos finos e unhas longas fazem parte do plano.

Os sapatos de bicos finos e com um corte na cor de couro de cobra faz deste companheiro o protótipo do malandro dos anos 40 4 50 muito comum nas cantigas de Nelson Gonçalves e Noel Rosa. Para que não houvesse perigo na hora que o Maquinista fosse passar ao fantasiado companheiro as recomendações escritas, tudo se daria na hora em que o Maquinista fosse tomar café na Estação e comprar o “Monitor Campista” um jornal da cidade. Neste momento ele será abordado pelo “Malandro” que lhe oferece outro jornal de nome “A Noticia” nesta conversa de jornal para lá e para cá mensagem é colocada dentro e o companheiro sai andando gingando o corpo para lá e para cá fumando um longo cigarro de palha.

Guarda-freio depois iria pegar o noturno e esperar em Cachoeira uma nova mensagem que traria alguns nomes de companheiros de grande confiança para reiniciar a luta dentro e fora da ferrovia.

Finalmente o Expresso pára na Estação do Caju em Campos. Quase sem ser notado João Barbeiro deixa de escapar sua fala. Mesmo assim as pessoas continuam paradas. Olhos fixos num infinito distante. Como que todos estivessem num longo sono. Só se percebia que estavam acordados porque os olhos permaneciam abertos e o brilho falava e dava entender que estavam acordados. João Barbeiro sai de fininho. Passos pré-anunciados em sua mente, caminha em direção a saída do Expresso. Ele mesmo parece estar num transe profundo. Diria até que seus gestos e passos estavam mecanizados. Os braços mantinham o esticamento elegante o os lábios continuam molhados por salivas que vinham e voltavam quando estava contando a Longa Mentira Maca –Campos. Dentro do vagão as pessoas continuavam paralisadas.

Um negro menino da uma cagada no colo do Juiz que “não ta nem ai”. Ainda acaricia a cabeça negra do menino. Um preso algemado que se dirige para Cachoeira aonde vai a julgamento é abraçado pelo policial que lhe faz guarda e recebe o oferecimento do promotor das chaves de suas algemas.

As mulheres continuam fieis a seus maridos e nem notam que o belo defensor público esta olhando para elas com gostos de namorador. Tudo no vagão parece fazer parte de um Maravilhoso Mundo Novo . João Barbeiro desce delicadamente os degraus do vagão e se mistura a multidão. Olha para os lados e abrindo espaço entre gente que gritava e passageiros que entram e saem se dirige ao W.O. uma longa vontade de mixar toma conta de João Barbeiro. Entra na privada e recebe os primeiros odores dos reservados estações. Cheiro de merda misturada com mijos de cervejas e pingas quase faz com ele tenha uma vertigem.

Lê as frases comuns em toda privada. Uma lhe chama atenção: ”Esta privada é diferente, ao invés da gente cagar nela ela que caga na gente”. Cuidou-se de não dar descargas. Uma dor de barriga quase o obriga a sentar-se neste local poeticamente sujo e fedorento. Sai devagar mais não consegue evitar pisar numa merda amarelada atrás da porta que ele fechava. Deixando a marca da sola de seu brilhante sapato de couro alemão, disfarça ao ver o solado ficar gravado no chão de cimento sob a marca fedorenta da merca pisada.

Uma vontade e tomar alguma coisa fazem com ele se dirija ao pequeno barzinho da Estação de Caju de Campos . Doces refrescos feitos em casa e um bule de café lhe enchem o desejo no olhar. Café pilado a mão e Campos eram famosos em todo o Brasil. Além das gostosas goiabadas cascão e os suspiros tenha ainda os doces de leite e caldas de todo tipo. Distraído, se viu alguns minutos lendo as manchetes esportivas do “Correio de Campos ”, "Monitor" e de “A Cidade”. Sabia que o Rio Branco tinha sido campeão campista e que o Americano e o Goitacás tinham ficado para trás. Gostava de saber das novidades políticas e culturais. Leu alguns trechos de Hervê Salgado, as poesias do

E o editorial de Waldema r. Olhou crônicas de Prata Tavares e buscou alguma coisa de Godofredo Pinto a quem sempre que podia fazia a cabeça. Olhou a planície onde outrora habitava os temíveis e belos Índios Goytacazes e pensou como seria melhor viver naqueles tempos.



< anterior índice próximo >

 

Jornal O Rebate