DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo X

Em Macaé e Cabo Frio os Tamoios, em Carapebus e Conceição de Macabu os Urutus. Talvez eles tivessem uma vida mais tranqüila com suas caças e pescas. João Barbeiro divagava solenemente enquanto tomava o café na Estação do Caju. Uma serene que se fazia ouvir no teto da plataforma avisa que poucos minutos e o Expresso vai partir com destino ao Espírito Santo...

João Barbeiro sai andando do barzinho e vai abrindo caminho por entre a multidão que grita, esbraveja palavras de ordens e empunham faixas e cartazes. Mulheres histéricas aproveitam a ocasião para seus gritinhos e desmaios. Homens casados se assumem e desmunhecam em plena Estação sob os olhares pasmados de passageiros de outros vagões que não sabem de nada. Alguns acham até que deve ser uma euforia por algum titulo de futebol ou coisa que o valha. Homens que limpam as ruas levantam seus instrumentos de trabalho, Gadanhos, (ancinhos para os maranhenses) pás, foices e martelos são erguidos aos berros de “Queremos João , ele é dos nossos”...

Até os jurados que estava no Vagão para testemunhar a Longa Mentira Macaé-Campos tiveram dificuldades para tirar as centenas de pessoas que permaneciam em transe e êxtase. Tapinhas no rosto de um, copo de água fria em outro e eles foram sendo chamados para assinar o livro onde se diziam participante desta LONGA MENTIRA e que seus nomes seriam inseridos nos anais dos legislativos de todas as cidades e lugarejo onde se desenrolou a grande e longa mentira. O Juiz faz questão de opor sua assinatura e carimbar o mesmo fazendo os defensores públicos e os promotores de justiça. Alguns que vieram do vagão de 2 a e que não sabiam assinar deixaram o dedão direito. `Para isso foi pedido emprestado do juiz sua almofada de tinta preta.

O companheiro do Guarda-freio pega um pequeno bonde que passa em frente à estação do Caju. Tinha deixado passar a barulhenta gritaria porque o transito tinha sido interrompido na altura da Rua Alberto Torres. Passeatas exigindo cidadania e troféus ao homem que tinha realizado o grande feito da Longa Mentira, faziam ficar perigoso qualquer veiculo. Até as carroças puxadas a burro e cavalos estavam paradas na altura da travessia da linha que dava acesso ao bairro da Leopoldina.

Sua alegre figura, toda de branco e com sapatos com couro de cobra, mexia com as cabeças femininas. As mulheres adoram esta extravagante presença masculina. Embora estejam dominadas pela febre que contaminava a cidade na presença do homem que tinha realizado do grande feito da Longa Mentira, elas ainda tinham tempo para olhar e piscar um olho em direção ao “fantasiado malandro” que ia sentado no reboque do Bonde com destino ao centro da cidade. Até o Motorneiro exibia uma faixa ao ombro na contaminada onda de loucura geral que João Barbeiro tinha conseguido.

Hotel Gaspar. Centro de Campos e o homem de branco e sapatos de couro de cobra pede um quarto. O jovem malandro olha com chateação alguns pingos de chupes de laranja que algumas crianças estabanadas tinham respingados em sua calça de puro linho branco.

Em Macaé a notícia chega a galope, “como se diziam” no interior da Bahia os Barbaréus e os Capiaus daqui. “Gritos de João é nosso” se parecem com a euforia que tomou conta dos Campistas. Os deputados federais Edilberto Ribeiro de Castro e Alair Ferreira, respectivamente de Macaé e de Campos exigiam a cidadania para seus redutos eleitorais. Zezé Barbosa ameaça distribuir Melado para o povo e Elias Agostinho Itakyra.

Neste samba do crioulo doido, na mistura de Melado com cachaça tudo parece ir as loucuras do povo que moram em Campos e em Macaé.

Faixas são erguidas com apoio da imprensa e de associações em geral. O REBATE e a GAZETA DE MACAÉ cobram providencia urgente do prefeito e da câmara. Se João Barbeiro não era macaense mesmo e se Campos ou São João da Barra provarem que ele é de lá, que se faça logo um titulo de cidadania porque não era possível que o homem que tinha feito tamanha obra mentirosa e longa. Latif Mussi Rocha e Jorge Costa editoraram seus semanários, GAZETA DE MACAÉ O REBATEe contestam ao Hervê Salgado e Waldemar de Campos, respectivamente de A NOTICIA e do CORREIO DE CAMPOS . Historiadores das duas cidades, Godofredo e Tonito abrem espaços e buscam entender, em nível da historicidade dos tempos, a presença verdadeira e real deste homem.

Aos gritos de “ Queremos João Barbeiro” e “Viva a Longa Mentira”, as mulheres dos clubes de serviços e de igrejas comunitárias berravam. Até o secamento de suas gargantas o nome de João Barbeiro.

A crise eufórica mistura ficção com realidade. Lideres políticos se esgoelam e podem ao povo que vá para a rua defender a cidadania do Homem que esta no pico das aspirações. Zezé Barbosa , dono de uma fabrica de melado de nome Fios de Ouro , abre o baú de suas miserabilidades e distribui melado para todos os participantes das manifestações. Em Macaé Elias Agostinho não deixa por menos. Distribui o produto de sua fabrica em Itakyra . A cachaça Itakyra é distribuída aos que gritam nas ruas a querência da cidadania para sua Comarca.

Nesta mistura de cachaça macaense com melado campista os habitantes, como se tivesse voltando às origens Tamoio-Goitacás. urram e dançam na busca de um espaço maior ao seu lado territorial para o nascimento do João Barbeiro. Haviam alguns deistas que juravam ter tido miragem onde uma Estrela Guia o tinha anunciado. Esta, vindo do Ocidente , escreveu num lindo Arco-Iris que havia cortado os céus de Carapebus e Capelinha, que ele tinha vinda como o Prometido dos Deuses.

Fazendeiros se desmunhecavam e se travestiam de mulheres num bloco que saia com mais de 700 figurantes do Clube da Praça Veríssimo de Mello. Todos e todos vestidos de Azul e Branco entoavam hinos de louvor ao homem que tinha conseguido realizar a Longa Mentira Macaé-Campos.

A turma do carteado que jogavam Campistas, Bacará, Pontinho e pocker , aos gritos, jogam os baralhos pelas janelas do casarão da Presidente Sodré e caem na gandaia que já toma conta do Café Belas Artes em Macaé e do Bar Francesa , na Praça São Salvador em Campos. Mulheres rompem à tradição campista e se postam na Rua do Homem em Pé e as de Macaé entram triunfante no Bar Imperatriz onde nunca mulher freqüentava.

Era um verdadeiro ”avesso do avesso” ou para Euzébio Mello, uma realidade do filme “Teorema”. Prostitutas abraçadas as mulheres da TFP festejavam alegremente e se uniam as Rotarianas e Leoninas que levantavam suas bandeiras saudando o grande João Barbeiro e anunciando a “Grande Mentira Macaé/Campos. Ricardo Meirelis, ainda menino, passa em frente ao Palácio dos Urubus e recebe a iluminação que o consagraria.

Um velho farmacêutico conhecido como “unha de vaca” porque não abria mãe nem para jogar peteca, distribuía água Prata e remédios aos pobres dos morros de Macaé que desceu em massa e seus moradores alegres pulavam junto à burguesia contaminada pela euforia. Uma longa fila se formava ao redor da Praça Veríssimo de Mello e ia se acabar quase nas escadarias de Imbetiba . Todos queriam Água prata de graça;

Um pároco, defensor da Família e da Propriedade , alardeava em sua paróquia do perigo das virgens participarem de eventos sobre a Longa Mentira porque, segundo ele havia perigo de drogas. Alertava do perigo de uma erva, segundo ele, maldita que era usada no Rio de Janeiro. Esta droga alertava o Padre com o apoio de pastores de outras religiões, os marginais “tragavam e iam às fechaduras das casas e assopravam para dentro. As pessoas das casas ficavam desacordadas e eles entravam e faziam tudo”.

Com o apoio das associações que prestavam serviços sociais e que no fundo eram agentes dos órgãos de segurança internacional, foram enviados ofícios aos governos estadual e federal para que criasse o feriado nacional em memória da Longa Mentira Macaé - Campos . Nada de primeiro de Abril, não, diziam nos ofícios. Este dia é das crianças e não se pode misturar mentira senão fica parecendo mentira mesmo. Queria um dia especial.

Alguém pensou em procurar o ex-prefeito Nogueira Itagiba que estava numa Hípica no Rio. Ele já tinha história como ex-prefeito de Macaé e, comentavam a boca pequena, que foram seus amigos que participaram da invasão e quebra do O REBATEnos anos 30.

Movimento “Gay-Campos com João Barbeiro” e dos de Macaé “Serrano voltará e viverá nos anos 2004” estendem faixas em ruas e pedem apoio de agremiações Gays da Bahia que prometem envio de representantes para engrossar as manifestações.

Campistas que moravam em Macaé, como o pai do autor estava preocupado com atentados ou agressões vinda de algum fanático. Corriam a” boca larga” que dois bêbados tinham se engavetado na ponte da Barra do Rio Macaé discutindo sobre onde tinha nascido João Barbeiro. Um cego que vinha em sentido contrário foi jogado dentro do Canal Macaé-Campos por que estava “tirando onda de maluco” gritando que João Barbeiro era de São João da Barra.

Otaviano Canella Manduca do Saps e Zezinho Crespo do Samdu e outros Campistas voltam as suas terras para prestigiarem o carnaval que se pretende fazer quando da descida do João Barbeiro na cidade.

Ainda se refazendo do gosto saboroso do café que tinha tomado na Estação , João Barbeiro consegue sair do meio da louca multidão e procura um ponto onde pudesse entrar num transporte e ir até a Rua dos Bondes visitar o casal de velho que o havia criado. Olhava feliz as árvores que as ruas ostentam e procura um gramado ou alguma poça de água para lavar seus sapatos. O cheiro e merca estão terríveis e agradece aos deuses não ter cagado no banheiro da Estação de Campos.

Se ele não visse aquela frase talvez sentasse sua bunda na tabua. Ai ele estaria, não só com cheiro de titica no sapato como também na bunda. Olha para um pequeno bosque e pensa ter água para lavar o sapato. Não queria entrar no Bonde do Caju-Centro cheirando a merda. Debalde. Não era água.

Era um fundo de garrafa de vinho tinto que brilhava parecido com água. Procurou uma graminha para esfregar o sapado. A catinga estava de mais. Pensou: “Este filho da puta que cagou atrás da porta da privada da Estação não deve ter mãe. Vai cagar assim, na puta que o pariu”. Enquanto terminava sua praga olhou e viu num canto de muro um local bom para limpar a merda. Parecia muro de uma casa com portão alto e, de longe lhe parecia um grande gramado.

Gente passando ao seu lado, gritando palavras de ordem e empunhando bandeiras quase não deixa João Barbeiro a vontade para limpar os sapatos. Deixa um grande bloco vindo do Parque Tamandaré cheio de mulheres bonitas que gritam sem parar: “Hei, hei, hei... João é nosso rei”. O bloco passa e João Barbeiro se dirige ao cantinho de muro para limpar, na grama, seu sapato catinguento de merda.

Finalmente, pensa. Encosta-se-se ao muro e, com cuidado para não to lar a mão na merda que ainda escorria, ele tira o sapato. Ai nota que os dois pés estão cagados. Puta que merda, esbragueja . Só faltava essa. Cuidando para não melar a mão, ele tira o sapato do pé direito.

Quando já vai se sentar na grama para tirar o pé esquerdo, um grande latido sem faz ouvido. Um cão está ao seu lado rosnando. Porra, pensa é não fala. E agora? To cagado e fudido na mão deste cachorro safado. Gente que passa olha desconfiada. Pensam: Será que é um ladrão? João Barbeiro não sabe se corre do cachorro ou se limpa da merda. Nesta altura já está com a mão toda cagada de merda porque tinha segurado os dois pés de sapato com medo deter que correr.

As crianças que estão indo para a Estação esperar e gritar: ”queremos João”, olham desconfiados aquele homem sem sapatos e acuado num canto de muro. Eles gritam: Pega, o homem está querendo pular o muro para roubar. As mulheres fazem coro.

O cachorro fica parado a sua frente rosnando, Pensa: Se correr o bicho me pega e seu ficar vão pensar que só ladrão. Os sapatos fediam mais que a latrina da Estação...

João está mais que acuado. As pessoas que iam para Estação em busca de poder ver e admirar o homem que tinha pregado a longa Mentira Macaé-Campos estão enlouquecidas e berram: Chamem a policia. Ele esta com os sapatos na mão prontos para pular o muro .

Deve ser ladrão do Rio porque a cara dele é de carioca. Um fio de luz tênue tinha acabado de entrar no último raio de sol. João não sabe o que fazer. Resmunga para dentro si mesmo: “To cagado e mal pago”.

E, olhando para os lados vê que as pessoas começam a aumentar e teme a chegada da policia. Um menino mais esperto lhe chega perto e grita para a pequena multidão: “Gente, ele ta todo cagado”. Deve estar se cagando com medo da policia. Vamos cair de pau em cima deste filho da puta ladrão e cagão, berra um senhor de óculos com uma bisnaga enfiada em baixo do sovaco.

As mulheres começam a ficar com pena do João . Um casal acha que deve deixar ele sair da buraca do muro. O cão, não se sabe se por causa do cheiro da merda, parou de rosnar mais estava na espreita de olho pregado em João. A mulher que tinha esboçado um gesto de nobreza volta atrás e diz. Vocês têm razão. Se este filho da puta cagão tivesse entrado na casa devia fazer um estrago.

Vai ver que é estrupador e traficante . Pela cara dele e pelo bigode raspadinho este vagabundo deve ser algum foragido da justiça, sentenciou um homem que portava uma maleta negra e tinha a boca, semi-aberta pelo uso de uma dentadura comprada no marchante de São Paulo que vinha a região de mês em mês.

João estava sem saber o que fazer. Ia todo feliz visitar o casal de velho. Maldita hora em que deu vontade de mijar naquela privada fedida da estação. Pior, pensava enquanto coçava o saco e olhando a quantidade de gente que ai aumentando, que eu não sei nem como sair daqui com toda e esta gente ai me xingando.

Acuado e todo cheirando a merda, com os sapatos as mãos João escuta as vozes que dizem que a policia está vindo. O bonde para quase a sua frente e os poucos passageiros ficam olhando e tomando conhecimento do acuamento de um perigoso ladrão que deve ter vindo do Rio de Janeiro no Expresso que tinha seguido para Mimoso.

Ainda se podem ouvir as manifestações populares que berram alucinadas que querendo participar da febre coletiva que tomou conta do povo. “È big, é big, big é big, Joao... João ... se escuta em toda a cidade. Cornetas são usadas para a algazarra e gramofones ligados e carregados pelas ruas e vielas. Comitivas de pecuarista de São Fidelis, Morro do Coco, Santo Antonio de Pádua, Porciuncula. Miracema, Italva, Itaperuna e Santo Antonio de Pádua chegam a toda hora. Muitos trazem mantimentos para evitarem faltas porque foram avisados que pode faltar devido ao fluxo de gente que se desloca para a cidade.

Enquanto João Barbeiro se contorce de um lado para outro tentando evitar um bote do cachorro que rosna a cada meximento de seu corpo, algum dos que o acusa já tinha ido e voltado da Estação do Caju e comunicado que o Chefe da Estação já tinha ligado para o Delegado que já estava a caminho com um forte aparato para prender o homem agachado a um muro próximo, O chefe aproveitou e acusou o João de ter sido o filho da puta que lhe deu um pontapé na bunda durante a euforia da chegada do herói Macaé-Campos. Sua bunda virgem ({de pontapé} ia ser vingada...).
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Jornal O Rebate