Como em toda estação a figura do Chefe de estação e do telegrafista tem um destaque quase igual ao do Maquinista. Todos se sentem responsável por esta magia que o trem desperta. A Estação de Campos é grande. Quem sabe um pouco menor queBarão de Mauá mais sua importância se iguala a Barão de Mauá e a concentração de ferroviários é bem mais atuante. Se em Macaé as oficinas de Imbetiba impulsionam a vida das maquinas e suas peças aqui em Campos a parte da burocracia e pessoal se torna mais acentuada. Todos que são admitidos na Estrada de Ferro Leopoldina e na Escola Ferroviária 8-1 Senai, são obrigados a prestarem exames de saúde e vista em Campos daí se vê a dimensão de sua importância.
João Barbeiro sabe que esta chegando a sua grande hora, de soslaio olha com elegância seu relógio como se tivesse tendo a certeza da hora sem mesmo ter olhado. Faz um pequeno gesto de caricias para um menino que se junta aos seus pés e, sem perder a elegância fala com mais pausa aos que olham estupefatos.
A diminuição da locomotiva se une ao lento compasso de sua voz e trejeita ainda mais seus movimentos de mãos e dedos. Até uma pequena coceira que João Barbeiro tem nos dedos, adquiridos, quando fez uma barba suja de um carcereiro em uma delegacia, ele evita coçar.
Até parece que usa a Ioga ou alguma técnica de Doin para mentalizar e não ir com as mãos a coceira. Imagina se ele se coça ai todos iria querer fazer algo e perderia a sua aposta na Longa Mentira Macaé – Campos. Manter a uniformidade das atenções era o forte de técnica psicalistica.
Locomotiva passando pelos bairros que cortam os canaviais da terra de Benta Pereira e José do Patrocínio com acenos e alegres levantamento de mãos na saudação do trem e, se aproxima finalmente à hora da grande vitória que deverá consagrar este alegre barbeiro como um dos maiores mentirosos de toda a região e quiçá do mundo...
Vagando em suas memórias ele lembra que podia ter sido tanta coisa na vida além de barbeiro. Com esta capacidade de mentir e se fazer ouvir com tanta confiança teria sido um vereador, um prefeito e talvez até quem sabe um deputado ou governador. Advogado então nem se fala, embora esta profissão ele tenha certas reservas por ter ouvido falar, por um cliente que Lênin tinha afirmado que, advogados, nem o do partido..
Aproxima-se a hora de sua finalização teatral. Dos trilhos já se podem ouvir com barulhos de freios e, a algazarra de vendedores de doces e de chuviscos, já está entrando pelas janelas do trem e alcançado os ouvidos. Em outros vagões as pessoas juntam malas, crianças e animais no preparamento da descida. A maioria dos passageiros que, embarcaram no Rio de Janeiro, se dirige a Campos. Também ficam nesta cidade, de lindas histórias e passagens históricas, os trens de carga.
O jovem Maquinista volta a levar suas mãos aos bolsos no fardão azul. Sabe que vai ter que passar a um companheiro os informes que recebeu durante a sua longa viagem. Este que vem ser o seu homem de receber o papel, ele não conhece ainda. Por medida de segurança ele não pode aparecer no contacto alegre como os demais. Sua presença em Campos esta sendo monitorada por um Comitê Central e ele será reconhecido pelo Maquinista por alguns detalhes que foram dados verbalmente.
Todo o aparato está pronto para execução final com o encostamento do trem na plataforma de Campos . Chefe de estação, Telegrafistas, carregadores de malas, carros de praça, vendedores de jornais e muita goiabada cascão. Uma grande cidade para sua época, Campos tinha os melhores jornais da região e um dos mais antigos do país. Berço de uma cultura avançada e tento em suas mulheres a moda usada nos grandes centros de Paris e Londres.
Grandes fazendas de gado, progressistas usinas e bons políticos de influencia colocava a cidade num patamar cultural, político e social bem alto. Alguns barbeiros de Campos já sabiam da chegada de João e comentavam de boca a boca, de ouvido a ouvido e nariz a nariz sobre esta Longa Mentira.
Alguns campistas mais bairristas já afirmavam que o João Barbeiro tinha nascido em seu território e se mudado para Macaé. Um retrato três x quatro dele, corria de mão e mão e vários moradores diziam que o conheciam da cidade. Falava, um velho vendedor de verduras no Mercado Municipal que ele era natural de Travessão de Campos e seu pai era um senhor de cabelos brancos que tinha uma Banca no Mercado . Afirmava que ele tinha ido para a cidade de Washington Luiz Pereira de Souza para servir o Exército e lá foi ficando. Diziam até que ele tinha a profissão d sapateiro ou, sei lá modelista de calçados.
Outro homem de barbas longas e, que sempre pregava algumas pequenas mentiras na Praça São Salvador, com uma bíblia, dizia que o João tinha sido seu ouvinte em outra praça onde ele pregava suas lorotas. Olhando bem a foto afirmava que era daAvenida Pelinca , em frente ao grande hospital, que ele o lembrava ter conhecido.
Todas as pessoas que freqüentavam a “Rua do Homem em Pé” no centro de Campos tinham uma história diferente para dizer do homem que estava prestes a descer do Expresso e conseguir o grande feito de ter pregado a Longa Mentira Macaé – Campos .
Na Rua do Vieira muitas raparigas falavam de que o João já tinha passado por lá. Meninas vindo de Vitória do Espírito Santo sorriam e falava alto e em bom som que ele já tinha ido a Vitória e freqüentado a zona do baixo meretrício de nome “carapebus” local de onde ela lembrava dele. A foto três x quatro passava de mão em Campos, enquanto na Estação do Caju os ferroviários aprontam os últimos detalhes profissionais para que o desembarque e embarque se realizem de maneira que nada seja ofuscado.
Um alegre e simpático motorista de Praça com o elegante nome de “Pé de Valsa” disputa com outros 25 motoristas a preferência do João Barbeiro na escolha de quem o levaria a um velho hotel perto da Igreja de São Salvador. Um recado vindo no noturno do dia anterior já tinha escolhido o “Pé de Valsa” que seria o encarregado de levar o João para um pequeno descanso no centro de Macaé. Antes ele deveria ir no Bar de nome Francesa para de deliciar de torradas e chás que lhe foram doadas por dois campistas de nome Piquira e Dílson Batatinha.
Em Macaé os relógios de uma grande parte dos moradores do centro são consultados de minuto a minuto. Querem saber se foi realizada façanha e como seria a recepção em Campos. Uma grande faixa branca era estendida na Avenida Ruy Barbosa, conhecida como rua direita:
“João Barbeiro é nosso”. Parecia até campanha de petróleo. “Ele é macaense de coração.” “Abaixo o oportunismo”. Estas faixas eram uma alusão aos campistas que queriam aproveitar a Longa Mentira Macaé – Campos como sendo um feito de um de seus filhos. Vários pescadores diziam na beirada do cais do Mercado, que ele tinha nascido em Macaé. Era filho de uma mulher desdentada, magra e que tinha uma tosse estranha. Esta mulher tinha tido mais 9 filhos com alguns pescadores de São João da Barra . Ela teria morrido tuberculosa e o menino levado para São Pedro da Aldeia ou Cabo Frio, num barco de pesca. De lá ele foi jogado na praia de São João da Barra e criado por um casal de velhos que se mudou para Guarús e depois para Travessão de Campos.
A dúvida era se o suposto pai de João seria um pescador de Marica ou um ajudante de caminhão que tinha vindo de Recife e ficado na região da Barra do Rio Macaé. Diziam que este homem andava nas ruas de Macaé em companhia de um tal de “Papa-Lambida” que vendia papas e era voz corrente em toda a região que eles lambiam a papa para saborearem o “gostinho da canela em pó”. “Certo que isto é verdade ou não, afirmava uma senhora de 8O anos:” Eu morro aqui no “buraco quente”,apontando para uma viela estreita que só entra bicicleta. “Eles andavam juntos mesmo. Se eles lambiam as papas de milho, eu não sei. O que sei é que as papas vinham sempre sem a canela em cima e muito brilhante, como se de fato tivessem sido lambidas”. Afirmava ainda que seus filhos e netos ela proibiu de comer as papas que o Papa Lambida vendia.
Parecia que os vultos históricos destas duas cidades tinham sido jogados ao lixo e eles queriam porque queriam ter a honra de terem sido o berço natal deste homem que, neste exato momento, sentia-se aliviado com o trem chegando à plataforma e o seu feito sendo realizado a contendo.
Vagando em recordações João nem imaginava que era uma disputa acirrada e que até camisetas com seu retrato eram distribuídas a jovens e moradores da região. “João Barbeiro é nosso”, Hei, hei, hei... João é nosso Rei. Milhares foram espalhados no Parque Leopoldina e as crianças faziam pipas com seu retrato e espalhavam panfletos em todos os bairros campistas.
Na Estação do Caju uma multidão começa a invadir a plataforma. O chefe de Estação chama os guardas ferroviários de roupa caqui estes entram para tentar ordenar o ambiente. Banda de musica Apolo, estudantes de um colégio Batista, meninas do Salesianos todos empunham palavras de ordens.O tumulto toma conta da Estação.
Um bêbado que sempre era proibido de ficar na estação sentado nos bancos por ordem do Chefe da Estação, aproveita a confusão e da um ponta-a-pé na bunda seca do Chefe da Estação que não acha o autor e cai de bordoada num pobre dentista que estava esperando o trem para ir para Mimoso do Sul. O dentista reage e o chefe da estação é jogado no chão e socorrido por 4 guardas que, rindo acham que foi bem merecido ponta a pé na bunda.
Os passageiros que estão aguardando a parada do trem não estão entendendo nada...
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