DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo V

A cidade fica mais triste nesta tarde. Como uma novidade que amina as horas que chegam e sai, o trem voltaria outro dia. Talvez outros passageiros ou alguns dos que passaram. Novas amizades serão formadas e novos rumos serão formados no acaso do momento. As pessoas sabem que este passamento diário deste Expresso é uma das poucas diversões que a comunidade tem. As meninas-moças tiram as roupagens e as colocam nos guarda-roupas. Talvez tenha que revesti-la para as sessões de cinema na 5 a feira.

Todas sabiam que na cidade esta toda 5 a feira tinham duas sessões no cinema local. As 7,00 e as 9.00 . As meninas iam a das 7 e guardavam o lugar para os namorados. Sempre havia no cinema uma mãe, uma menina e uma cadeira levantada ou com algum objeto querendo dizer que “esta ocupada”. Eram assim estas cidades nos anos 40 e 50 enquanto o Expresso das 14 horas caminha apitando solenemente com destino a Estação de Carapebus.

Passageiros que iam para o Vagão do Restaurante ficam parados na porta e olham para o vulto de bigode ralinho que fala mansinho e firme. As janelas estão sem os olhares externos porque todos ficam querendo ouvir e ver os gestos que brotam desta magia que João Barbeiro se pretende dar nesta viagem.

Na Estação os últimos retardatários ainda com o homem do barzinho que reconta a venda de seus produtos. Motoristas discutem de devem voltar para o centro ou esperar de vez o Rápido. Já tomam conhecimento da ida do João Barbeiro no vagão de 1 a e abre falação sobre o sim e não de sua façanha. “ Chico Cachaça”, motorista das antigas que tinha este apelido e nunca tinha bebido nenhuma Cachaça, fala abertamente que o João Barbeiro ira realizar este Longo Feito.

Seu Araújo, sempre reservado, duvidava embora alimentasse a ilusão de ver tudo realizado. Seu Ford 29 estava ali e ele ficaria para esperar o Rápido. José de Moura Santos, Otacílio, Almerindo Gaspar, Manel Gambá, Benício e Zé Climacopedem licença e voltam ao centro da cidade onde estacionarão seus reluzentes carros em frente ao único hotel na praça da prefeitura.

Carapebus não deixa por menos . Ruas cheias de gente a espera do Expresso. O Chico do Açougue já sabia da passagem de João Barbeiro e, como bom mentiroso alegre que ele era, já tinha dito que a Longa Mentira não passava dali de Carapebus. Afirmava e, disto alguns membros das famílias Tavares, Prata, Rosendo, Barcellos, Silvas e Borbas eram testemunhas. Todos estes homens torciam para que o João Barbeiro não parasse sua Longa Mentira Macaé - Campos em Carapebus. Afinal esta era a 1 a vez que alguém teve coragem de prometer pregar esta comprida mentira.

O subchefe da estação de Carapebus esta eufórico . Veste-se com seu uniforme de gala. Anda de um lado para outro. Vai ao telegrafo e finge ler os últimos telegramas. O subdelegado, com um longo bigode branco, em cima da bota cano longo, deixa a mostra uma enferrujada garrucha. Alguém dum bar visinho grita e se esconde: “Garrucha é arma de corno”. O subdelegado fica firme. Se olhar lhe cai à carapuça. Novamente coça a cabeça nos cabelos que o vento vindo dos canaviais assanha e uma gota de suor lhe escorre na face. Alguns homens começam a se catucar sabendo que a subdelegada era quem se dirigiu a frase alta vindo do bar.

Como em Macaé as pessoas fazem da chegada do expresso momento de magia . Embora Carapebus seja um local de gente ligada à agricultura e pecuária muitas pessoas iam e vinha nos trens. Algumas fazendo compras em Macaé e outras a Campos. Um povo valente e ordeiro . Tendo suas raízes culturais oriundas dos Índios Urutus e alguns remanescentes dos Goitacás zes de Tamoios esta gente de pele queimada pelo sol era conhecida em toda a região como os melhores cavaleiros. Muitos ciganos vieram e se fixaram em Carapebus ou Capelinha do Amparo . Assim como o Bisavô do autor desta historia, Emilio Tavares Pinto da Silva que era neto de ciganos e sertanista, outros homens de testas embranquecidas pelo uso constante de chapéus, tinham origem Ciganas ou de Índios Urutus. As histórias de Cadete de Araújo um jovem bandoleiro que habitou a região era sempre citada nas rodas de homens nas ribeirinhas de córregos e rios. Os Tavares e os Pratas sabiam contar detalhes porque seus pais vivenciaram o acontecimento.

As ruas e vielas de Carapebus estavam cheia de gente . Sempre que o apito mágico do trem soa na planíncie o encanto toma conta de todos. Não é só em Caeapebus não. Todas as cidades do mundo este encantamento chega da mesma forma. Um velho ferroviário Inglês que veio montar a Estrada de Ferro na Região e que se casou com uma linda cabocla de nosso sertão dizia sempre isso. Onde quer que os trilhos passam esta magia aparecia nos olhares de todos. Mais acentuado nos olhares de crianças com seus acenos infantis dirigidos ao Maquinista.

Cavalos amarrados em paus ao longo da estação, malas e embrulhos empilheirados na extensão da plataforma davam ao local um ambiente universal. Parecia qualquer cidadezinha no interior da Ingraterra ou de algum Condado Chileno. A igualdade nas saudades e magia socializava os momentos e os trilhos deviam levam a beleza de encantos únicos.

Era como que num hipnotismo coletivo as ondas sonoras dos bater dos trilhos em sintonia com o apito se amalgamassem aos olhos infantis e determinasse a existência do belo.

Dentro do vagão de 1 a João Barbeiro esta falando suave e compassada mente. Aumentando o numero de pessoas em torno de sua fala ele é observado até quando recoça o nariz vitima de algum mosquito vindo dos campos verdejantes que banham os dois lados da entrada do distrito. Alguns afagos verbais de João dirigidos a um grupo de crianças atentos a sua história, deixa escapar uma frase baixinha de uma senhora de cabelos brancos, muito bonita e alegre. “““ “““ Ela balbucia ao ouvido aberto de seu esposo:” Quem meu filho agrada, minha boca adoça”. Motivo alusivo à atenção que o João Barbeiro tinha ao dirigir aos seus filhos.

O entardecer de Carapebus tem a imagem do entardecer em toda região por aonde este comboio de trens sempre chega . Pássaros ninhando em moitas e arbustos falam do respeito à natureza que os moradores demonstram ter.

Dentro do vagão a longa historia continua sendo contada momento em que o trem diminuí sua marcha. Como freios metálicos os gritos da composição se mistura com os gritos de dezenas de crianças, que a exemplo de Macaé saúdam o maquinista elegantemente vestido e com ares de herói. A importância da estrada de ferro fazia nascer outras importâncias em torno de seus trilhos. Carapebus era uma destas fases importantes na via férrea. Para sua comunidade eram deslocados moradores de Conceição de Macabu, Quissama, e de toda região de fazendas e sítios. Apenas Cabiúnas competia por que lá também tinha passagens obrigatórias dos trens.

Poucas paradas mais tinham grande importância social na região . Por isso as conversas nos cantos da Estação giravam em torno do pregresso que a estrada de ferro trazia e da forma barata de sua presença nas comunidades. Um jovem que tinha estudado em São Paulo e que estava de férias em Capelinha do Amparo dominava uma roda de conversa cumprida. Cercado de outros jovens de 18 a 25 anos ele dizia de uma conversa que tinha ouvido falar sobre o fim da Estrada de Ferro em pouco mais de 30 anos. Dizia que havia um grande interesse de gente ligada a rodovias e fabrica de automotivas objetivando ganhar bilhões de dólares e desativar as ferrovias.

Para alguns mais velhos este jovem devia ser mais um destes loucos cabeludos que inventam “lorotas para boi dormirem”. Sua fala ia sendo ouvida e entendida por muitos meninos encostados no parapeito de uma casa velha perto de onde seria erguida a Igreja Matriz pelo teimoso Frei Baltazar. Assim como poucos acreditavam que este distrito iria virar cidade um dia, este papo de acabar com a estrada de ferro era uma utópica conversa fiada para os que esperavam o Expresso.

Como acreditar que um dia isto iria se acabar? Onde que teríamos uma viagem cheia de vagões e alegres ruídos neste mundão de terra que vai do Espírito Santo até o Rio de Janeiro e do Rio até São Paulo? Só mesmo na cabeça desvairada deste menino que mais parecia “um hippie dos futuros anos 70” que isto tinha cabimento.

Onde já se viu, resmungava um senhor de cabelos caído na testa e com óculos negros lhe dando um ar de culto. “Este rapazola ta dizendo que vem ai um tal de petróleo que vai acabar com a ferrovia e enriquecer os americanos. Ele está dizendo até que irá acabar a praia de Imbetiba que, com suas areias medicinais vem curando dores nas pernas das pessoas”. Falava e levantava uma velha bíblia negra onde a noite lhe serviria de motivo para arrecadar um troco para sua igreja e enviar a sede nos Estados Unidos.

“Este rapaz dever ser um destes comunistas que falam num mundo melhor e já estão infiltrados em Macaé”. E gritou: ”Oremos pela sua alma”...


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Jornal O Rebate