DOS FERROVIARIOS AOS PETROLEIROS

A GRANDE MENTIRA MACAÉ-CAMPOS

Por José Milbs

Capítulo VI

Os verdes campos que margeavam a entrada de Carapebus estavam belamente balanceados ao vendo que vinha de Cabiúnas e rompia matas e arbustos. A imponência do Expresso se torna cada vês mais bonita e elegante. Locomotiva movida a vapor, fumaça indo aos céus riscando dezenas de formas de esculturas que eram vistas e apontadas por olhos atentos de criativas crianças, tudo se aproxima da Estação, agora totalmente dominada pela ânsia de ver o trem parar. Em Carapebus não terá abastecimento de água, embora tenha sempre uma caixa de água cheia com o pano longo e de borracha para num caso de suma emergência.

Contam os mais antigos que um belo dia, lá pelos inícios dos anos 40, uma locomotiva, vindo de Macaé quase pegou fogo. No corre-corre toda comunidade socorreu com baldes, água em lombo de burro, charretes e até o Fordeco do Dr. Antonino Manoel Cure , médico que atendia os moradores teve que ser acionado para apagar. Felizmente tudo não passou de um grande susto e, foi daí que os Ingleses resolveram por em Carapebus uma caixa de água de abastecimento de locomotivas.

A diminuição da composição foi seguida em compasso pelo João Barbeiro em sua fala. Os homens de, sobretudo e mulheres com seus leques coloridos não conseguiam desviar os olhos de seu corpo magro que rodopiava elegantemente no compasso de sua voz melodiosa e rouca.

Um jovem juiz que ia assumir a comarca de Campos, ladeados por outros dois advogados olhava embevecidos à altivez sonora deste homem simples e deixava fluir um pensamento que era captado pelos seus colegas. Este pensamento levava no silencio de seu entendimento de olhar o quanto de inteligível a arte da fala podia flui de tão desconhecido ser. Jamais poderiam imaginar da Longa Mentira que estava sendo realizada por este simples e elegante Barbeiro de Macaé.

Acostumados à luta e pelejas jurídicas onde sempre uma grande mentira leva a condenação e absolvição em autos e processos eles olham, sem saber o contraponto de suas verdades num mito humano que não deixa que nenhum olhar se desvie de sua falação e gestos compassados.

Vendedores de laranjas, goiabada, marmelada, doce de leite e queijo começam seu mexi mento corpóreo em busca de uma melhor posição na plataforma onde o Expresso vai parar . Espertos, como qualquer comerciante em todo o mundo capitalista de consumo, espreitam os vagões de 1 a classe. Que adianta oferecer seus produtos a quem viaja na 2 a classe? Acabara tendo que dar alguma coisa a alguma criança pobre que ainda não tem consciência do que significa diferença de classes. Isto acontecia sempre. Ao oferecer os doces em tabuleiros, as pobres e inocentes crianças da 2 a classe esticavam as mãos e os dedinhos iam logo pegando algum doce ou salgado. Pena ou não o fato é que muitos que vendiam nas estações não queriam vender na 2 a classe. Ou porque lembravam de seus filhos pobres também em casa ou porque não queriam mesmo perder algum produto.

As laranjas eram todas colhidas nos quintais e tinham o saber do adocicado natural que a natureza fornece. As laranjas Bahia eram sempre escolhidas pelos passageiros porque tinha um umbiguinho no seu final onde se concentrava toda a doçura de seu conjunto. A venda de doces e frutas tinha que ser rapidinho porque o trem demora pouco e o telegrafista tinha que avisar a estação de Dores de Macabú tin-tin por tin horário e lugares vagos. O subchefe da estação ainda empurra alguns pivetes que gostam de pegar carona até a Praça Cordeiro.

Ele avisa que num ano passado um menino de Itakira caiu e fraturou a clavícula. Foi levado as pressas para Macaé e teve que ser transportado para Niterói. Os médicos do Samdu de não sabiam como fazer com o menino que teve os ossos espatifados de encontro a um poste de pau. Em Niterói, num hospital de nome Antonio Pedro ele foi operado, colocaram nele osso de carneiro e eles hoje faz campanha no Escoteiro contra se pegar carona em trens.

No vagão restaurante um magro homem, sentado atrás de um improvisado balcão, olha desesperado para dentro de sua caixa de dinheiro. Seus dedos longos, magros e pontiagudos contam e recontam as férias desta viagem que começou em Barão de Mauá, no Rio de Janeiro e vai ter seu término em Cachoeira do Itapemirim. Sua mente fica meio atordoada de pensamentos até então não sentido. Sempre faturou “uma grana de responsa” de Macaé até Carapebus e não estava entendendo o porquê de muitos passageiros que vinham com destino ao carro de comidas estavam ficando no vagão de 1 a . onde parece que até os homens da ferrovia encarregados da manutenção e venda de "tictes" estão lá.

Nem imagina que isto seria pior para seu faturamento porque o João Barbeiro continuava a sua fala e seus gestos hipnóticos iam absorvendo mais passageiros na escuta de sua Longa Mentira Macaé-Campos.

Malas em mãos calejadas, crianças em colos de mães, abraços de quem deixa, afagos em quem vai . Este vai e vem de sentimentos povoa toda a periferia natural da pequena estação de Carapebus quando a locomotiva deixa escapar o seu ultimo suspiro da longa caminhada. Maquinista fecha os últimos locais onde o esquentamento saia e fazia tremular fumaças em formas de desenhos e se apronta para descer uns cinco ou quatro degraus que lhe dará tempo para um rápido descanso mental e um pequeno pape amento com algum colega de ferrovia. Maquinista sempre trans boas novas, afaga-lhe os ombros um velho guarda =freios. “Conte ai o que se passa na capital”.

Os olhos amigos destes dois homens se cruzam e, numa fração de segundos falam dentro de si das boas novas que serão repassadas a outros companheiros. Sindicatos estão sendo formados em todas as capitais e era preciso fortalecer alguma coisa no interior. Falam baixinho porque sentem proximidade do Subchefe que vem desconfiado ao encontro deles. Antes da formalidade do atendimento ao subchefe, um rápido aperto de mão e o jovem ferroviário, olhos castanhos, pele queimada pelo sol, recebe um pequeno papel onde estão as ultimas novidades que foram passada em Macaé e que contem também alguns textos filosóficos de Lênin.

Passos largos levam este jovem ferroviário a um tronco de arvores. Senta, pita um cigarro de palha colhida em um pé de fumo no quintal de sua tia. avó e abre cuidadosamente o papel embrulhadinho. Seus dedos pequenos desfolha esta preciosidade onde o velho Lênin explica as razoes principais da luta e classe e a subida ao poder do proletário. Em Macaé o jovem guarda-freio já copiava a mão os principais textos e se reunia com companheiros nas longas e quentes noites do verão tropical.

O entra e sai de passageiros do Expresso retarda ainda mais o comboio . Nervosismo na cara fechada do Subchefe e alegria em quem gosta de trem parado em Estação. As charretes deixam poeira na estrada e rumam com destino a Rodagem ou, quem sabe, Quissama. Cavaleiros enchem as selas de pacotes de pano, embrulhos e garupam crianças na frente da sela. Mulheres olham pela ultima vez os passageiros mais elegantes e tentam um piscar de olhos nas escondidas dos maridos que bebericam aguardente num tonel nos cavalos. No vagão de 1 a onde João Barbeiro esta falando parece que o tempo parou. O próprio ar se torna fresco apesar da parada do ventinho que entrava com o trem em movimento. Tudo é êxtase e muitos teimam em não desviar os olhos. Neguinho nem vai no banheiro. Prendem mixo e muitos nem fazem caso da vontade de fazer cocô . Velhos e crianças soltam alguns peitos sorrateiramente. Prendem na bunda o gás para que ele não faça nenhum barulho e despertem risos nas pessoas. Sabem que isto fará com que o peido saia muito mais catingoso e fedorento. Mais "seguram" para que não seja perturbada a fala de João Barbeiro.
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Jornal O Rebate